A madeira é uma das matérias-primas mais antigas e importantes para a humanidade. Um dos seus primeiros usos foi como fonte de calor para os dias e noites congelantes da Idade do Gelo, quando nossos ancestrais mais distantes tiveram sua sobrevivência ameaçada pelo clima extremo do planeta. Mais tarde, a humanidade descobriu a versatilidade da madeira para a construção de abrigos, móveis, carroças, embarcações e toda uma gama de objetos uteis às nossas vidas.
Juntamente com a necessidade de abertura de grandes campos para a produção agrícola, o consumo de madeira para todos os tipos de uso levou a destruição de grandes áreas florestais por todo o mundo. Um exemplo que gosto de citar é a brutal destruição do trecho nordestino da Mata Atlântica por causa da produção do açúcar no nosso Período Colonial. A derrubada de matas chegou a tal ponto que foi necessária a publicação de um Decreto Real em 1698, proibindo a derrubada de árvores com madeiras de alta qualidade sem autorização das autoridades – essas madeiras ficavam reservadas para a construção de embarcações da Esquadra Real Portuguesa e passaram a ser conhecidas com as “madeiras de lei”.
Nas últimas décadas, a Floresta Amazônica acabou sendo transformada na principal reserva para a extração de madeiras do país. Suas árvores centenárias apresentam algumas das melhores madeiras disponíveis para os mais diferentes usos, que vão da construção de pallets para o transporte de cargas à exportação de madeiras de altíssima qualidade para a fabricação de pianos na Alemanha. Considerada por muitos como “terra de ninguém”, Florestas Nacionais, Áreas de Preservação Permanente e, até mesmo, Terras Indígenas, foram transformadas em áreas de corte e retirada de madeiras, onde vale tudo.
Como as coisas no mundo das ciências ambientais nunca são tão simples como muitos fazem parecer, essa corrida em busca das valiosas madeiras da Floresta Amazônica começou em outras Regiões brasileiras, com destaque maior para a Região Sul, que durante muitas décadas foi a grande fornecedora de madeiras e seus produtos para o restante do país. Uma espécie de árvore em particular – a araucária, forneceu durante muito tempo a principal madeira usada na fabricação de mobiliário, residências e objetos: o pinho.
A Araucaria angustifolia é uma espécie de árvore classificada como gimnosperma, ou seja, cujas sementes possuem uma casca dura e não são protegidas pela polpa dos frutos (a grande maioria das árvores são classificadas como angiospermas, ou seja, que produzem frutos com polpa e sementes). É uma espécie adaptada para regiões de clima subtropical, com temperaturas mais baixas nos invernos, encontradas comumente nos planaltos da região Sul do Brasil, nas regiões serranas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, além de países da América do Sul como a Argentina e o Chile.
A araucária pode atingir 50 metros de altura e desenvolver um tronco com um diâmetro de 2,5 metros. A madeira dessa árvore, o pinho, é muito similar ao pinho-de-Riga ou pinheiro-da-Escócia, uma das melhores madeiras de construção da Europa, o que chamou a atenção dos primeiros colonizadores europeus que desembarcaram nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil.
Nas cercanias de São Paulo, citando um exemplo, existiu no passado um grande fragmento da Mata das Araucárias – o bairro de Pinheiros, na Zona Oeste da cidade recebeu esse nome por causa dessa árvore. Foi a madeira dessas árvores que ajudou a construir grande parte das primeiras casas e edifícios da cidade. Esgotadas as reservas locais, novas áreas de exploração começaram a ser buscadas cada vez mais ao Sul do Estado.
As grandes reservas de Matas de Araucárias concentravam-se nos Estados da Região Sul do Brasil. Estima-se que as araucárias chegaram a cobrir cerca de 40% do território do Paraná, onde aliás a árvore é um dos símbolos do Estado, 30% da superfície de Santa Catarina e 25% do Rio Grande do Sul. Nessas regiões, as araucárias costumavam crescer consorciadas com uma outra espécie extremamente importante para as populações sulinas – a erva-mate, matéria prima do famoso chimarrão. Um dos animais mais folclóricos dessas antigas Matas é a Gralha Azul, ave famosa por ser uma plantadora de araucárias.
A exploração da madeira das araucárias foi uma importante atividade econômica na Região Sul, especialmente no Paraná, desde as últimas décadas do século XIX, quando o Estado passou a receber grandes contingentes de imigrantes europeus. Com a inauguração da Ferrovia Curitiba-Paranaguá em 1888, a exploração e a logística do transporte das madeiras até as áreas portuárias foi imensamente facilitada.
Rapidamente, o Paraná se transformou em um grande exportador de madeiras, que além do pinho das araucárias incluía madeiras de outras espécies nobres como a imbuia, a peroba, o marfim, o cedro e a canela. De acordo com informações disponíveis, o Planalto de Curitiba já estava completamente devastado no ano de 1900, tamanha a “fúria” das empresas madeireiras. Em 1910, com a conclusão do trecho conhecido como Linha-Sul da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, a exploração madeireira avançou rapidamente para a região entre Ponta Grossa e União da Vitória.
Um grande aumento na demanda de madeiras para exportação se deu com a eclosão da I Guerra Mundial (1914-1918) – as principais áreas produtoras do pinho-de-Riga ao redor do Mar Báltico passaram a ser bloqueadas pela Alemanha e o pinho das araucárias passou a ser utilizado como uma “madeira genérica” por muitos países. Os Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, em menor escala, também se transformaram em importantes exportadores de pinho.
Além da exploração da madeira para exportação, produção de móveis e construção civil, o avanço da agricultura na Região Sul ao longo de todo o século XX levou a araucária a beira da extinção – restam menos de 5% das matas originais. Na década de 1950, o Paraná foi o Estado brasileiro que mais realizou desmatamentos para a abertura de novas frentes agrícolas, dizimando importantes fragmentos sobreviventes da Mata das Araucárias.
Sem sua fonte tradicional de madeiras, a forte indústria moveleira da Região Sul passou a voltar seus olhos para as imensas reservas florestais da Amazônia. Com a abertura das rodovias de acesso ao Sul da Amazônia a partir do início da década de 1960, carretas carregadas com gigantescas toras passaram a ser vistas rodando na direção da Região Sul com frequência cada vez maior. As serrarias locais, num primeiro momento, recebiam essas toras e realizavam o beneficiamento, produzindo tábuas, vigas, pranchas e folhas de madeira compensada.
Num segundo momento, percebendo toda uma série de políticas de estímulo à migração para a Amazônia, muitas famílias de madeireiros da Região Sul (grande parte dessas empresas eram tocadas por famílias), passaram a migrar para a Amazônia a partir da década de 1970, passando a fazer o beneficiamento das madeiras in loco. Sem uma regulamentação e uma fiscalização adequada, a exploração madeireira passou a ganhar força e se transformou numa importante atividade econômica regional. Áreas desmatadas para exploração da madeira passam a ser usadas para atividades agrícolas e pecuárias, crindo um ciclo contínuo de devastação ambiental.
Para finalizar, uma curiosidade: existe uma sutileza importante na legislação ambiental que, há décadas, vem estimulando a exploração madeireira na Amazônia – é proibido exportar troncos de árvore in natura; porém, a madeira beneficiada não. Graças a esse mecanismo sutil, milhares de árvores são cortadas (legal e ilegalmente), beneficiadas e exportadas, ano após ano.
Para saber mais:
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[…] se ter uma ideia do grau de exploração das araucárias, somente entre as décadas de 1930 e 1990, perto de 100 milhões de araucárias foram derrubadas […]
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[…] entre as araucárias e as gralhas-azuis, um processo evolutivo de milhões de anos, está seriamente ameaçado – a Mata das Araucárias, um subsistema florestal da Mata Atlântica, está reduzida a cerca […]
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