Nas postagens anteriores, falamos rapidamente do início da colonização da Amazônia, um processo que tinha como objetivo principal a ocupação do território como forma de evitar novas invasões de nações estrangeiras, como foi o caso da França Equinocial entre 1612 e 1615. Além de estimular a transferência de fazendeiros de outras regiões da Colônia, o que era feito mediante a promessa de sessão de grandes extensões de terra, as autoridades coloniais realizavam a “limpeza de territórios” com o uso de tropas militares. Ordens religiosas, principalmente os Jesuítas, se encarregavam da transferência de grandes contingentes indígenas para os seus aldeamentos, onde cuidavam da educação religiosa e formação profissional, tornando os índios “úteis” ao sistema colonial.
Em 1759, um decreto editado pelo Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Mello (1699-1782), expulsou os Jesuítas de todos os territórios de Portugal. Essa expulsão foi o resultado de longo desgaste entre os religiosos e as autoridades da Coroa – os Jesuítas eram grandes produtores e exportadores de produtos e matérias primas, sobre os quais não havia qualquer incidência de impostos. Outra fonte de problemas eram os atritos com os fazendeiros que, devido aos trabalhos de catequese dos índios, ficavam impedidos de caçá-los e escravizá-los.
Sem os Jesuítas, os indígenas já aculturados perderam “o rumo”; muitos acabaram capturados e escravizados pelos fazendeiros – outros tantos voltaram para as matas e passaram a viver como ribeirinhos nos rios da Bacia Amazônica. A Região Norte do Brasil, que era completamente periférica dentro do restante da Colônia, acabou praticamente esquecida por várias décadas.
Um “único” sopro de maior atividade na Região foi o breve Ciclo do Algodão nas duas últimas décadas do século XVIII no Maranhão (que tem parte do seu território na Amazônia). A Revolução Industrial “corria solta” na Inglaterra e houve uma verdadeira explosão no consumo dessa matéria prima. Por esse breve período de tempo, o Maranhão se tornou o Estado mais rico do Brasil. Passada a euforia, a Região caiu novamente no esquecimento e só voltaria à “vida” em meados do século XIX, quando um produto da Amazônia chamou a atenção do mundo – o látex.
O látex começou a ser utilizado por indústrias do segmento de confecção ainda no século XVIII, quando era pulverizado sobre capas de chuva com o objetivo de criar uma camada impermeável, que funcionava perfeitamente nos dias de chuva. Em dias de extremo calor, porém, a camada impermeável se tornava grudenta e em dias muito frios ela endurecia e se tornava quebradiça. Outros produtos da época feitos à base do látex apresentavam os mesmos problemas.
Em 1839, o inventor americano Charles Goodyear, depois de inúmeros experimentos, desenvolveu o processo da vulcanização, onde uma mistura de látex e enxofre era submetida a pressão e calor, permitindo a modelagem das peças de borracha e tornando-as resistentes ao calor e ao frio. Após a invenção deste processo, as aplicações industriais e o consumo do látex no mundo explodiram.
A borracha passou a ser a matéria prima de uma série de produtos inovadores: correias para máquinas, sapatos, luvas, chapéus, roupas impermeáveis, flutuadores, bandas de rodagem para rodas de carroças (mais tarde substituídas por rodas com pneus), mangueiras, entre outros produtos. Nas últimas décadas do século XIX, com o uso cada vez maior da eletricidade, peças isolantes à base de borracha ganharam enorme importância no mercado mundial.
O látex é uma seiva natural produzida por várias espécies de árvores e plantas, com destaque para a seringueira (Hevea brasiliensis), uma espécie nativa da Floresta Amazônica. Detentor de uma parte considerável dessa Floresta, o Brasil rapidamente despontou como o maior produtor mundial de látex. Entre os anos de 1870 e 1920, as exportações de látex respondiam por 25% das exportações brasileiras, só perdendo para o café.
A forte demanda da matéria prima e a escalada internacional dos preços levaram a uma busca pelos seringais localizados em áreas cada vez mais isoladas da Floresta Amazônica. Esse importante ciclo econômico, conhecido como o Primeiro Ciclo da Borracha, entrou em declínio a partir de 1913, quando os seringais plantados pelos ingleses no Sudeste Asiático iniciaram a sua produção e passaram a oferecer látex mais barato e de melhor qualidade que aquele produzido na Amazônia.
Essa concentração de seringais no Sudeste Asiático sofreu um grande revés com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O Japão, que em conjunto com a Alemanha e a Itália formava as chamadas “Potencias do Eixo”, iniciou um processo de conquista e ocupação de territórios por toda a Ásia e Sudeste Asiático, incluindo-se aqui a Malásia e a Indonésia, os dois maiores produtores mundiais de látex há época.
Com a falta da matéria prima no mercado mundial, a Amazônia ganhou uma nova chance e experimentou um breve retorno aos tempos áureos dos grandes senhores da borracha. A descoberta da borracha sintética, muito mais barata e produzida em grandes quantidades a partir de uma matéria prima encontrada em diversas partes do mundo – o petróleo, e a expulsão dos japoneses por tropas aliadas dos territórios ocupados a partir de 1944, eclipsaram novamente o látex da Amazônia.
A seringueira é uma árvore nativa da Floresta Amazônica, que nasce aleatoriamente por todos os cantos das diversas formações que compõem o bioma Amazônia. Para extrair o látex dessas plantas, é necessário se fazer uma espécie de mapeamento inicial da localização de cada árvore dentro de uma determinada região, criando-se depois um roteiro específico para que um seringueiro faça a “sangria” das árvores e a coleta do látex.
Esse látex, em estado líquido e com muita água em sua composição, precisa ser defumado, ou seja, transformado em uma massa sólida conhecida como péla, que nada mais é que o polímero natural concentrado (vide foto). Essas pélas precisam ser transportadas até o barracão do seringal, para depois serem transportadas para a comercialização final nas grandes cidades. Trata-se de uma “indústria” que necessita de muita mão-de-obra e de uma tecnologia bastante rudimentar.
A Floresta Amazônica daqueles tempos não é muito diferente da atual – uma gigantesca extensão de terras com pouca gente. Foi preciso “importar” mão-de-obra de outras terras. A região Nordeste, tanto pela proximidade geográfica quanto pela grande população que possuía, se transformou na grande exportadora de “gentes” para os seringais.
Há aqui uma trágica coincidência histórica: entre os anos de 1877 e 1879, justamente no início do Ciclo da Borracha, os sertões nordestinos enfrentaram uma das maiores secas de sua história – dados atuais calculam que essa seca matou mais de 500 mil pessoas. A cidade de Fortaleza, só para citar um exemplo, chegou a receber 100 mil flagelados – havia mão-de-obra de sobra a ser cooptada com falsas promessas de uma vida melhor nos “sertões verdes” da Amazônia. Começou assim uma segunda etapa do povoamento e colonização da Amazônia.
Existem estimativas que falam que algo entre 500 e 700 mil trabalhadores foram cooptados em outras regiões do Brasil e internalizados na Floresta Amazônica para trabalhar como seringueiros. A mistura que surgiu a partir dessas populações migrantes com as populações de indígenas aculturados que viviam nas margens dos rios formou os ancestrais de grande parte das populações ribeirinhas que encontramos hoje na Bacia Amazônica. É fundamental conhecer toda a história do látex e de sua exploração para entendermos o que é verdadeiramente a Amazônia de nossos dias e todos os seus problemas.
Vamos detalhar algumas das muitas histórias dessa saga a partir da nossa próxima postagem.
Para saber mais:
[…] O MUNDO DESCOBRE O LÁTEX DA AMAZÔNIA NO SÉCULO XIX […]
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Parabéns, Ferdinando. Excelente Blog!!!
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Grato!
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