
Em 2020, um grupo de cientistas norte-americanos e japoneses realizou um feito digno dos melhores roteiros de filmes de ficção científica – eles conduziram um experimento que permitiu reviver micróbios que estavam adormecidos há mais de 100 milhões de anos. Esses seres se encontravam no meio do sedimento marinho de uma região do Oceano Pacífico Sul a uma profundidade de 6 mil metros.
Esses micróbios adormecidos foram “alimentados” em uma incubadora com carbono, nitrogênio, amônia e aminoácidos por cerca de 550 dias. Esses micróbios “despertaram”, cresceram e passaram a se multiplicar. Os cientistas passaram a identificar atividades metabólicas, o que sinaliza que as criaturas poderiam sobreviver no meio ambiente por sua própria conta.
Comecei a postagem citando esse estudo por conta de uma ameaça biológica que poderá ser desencadeada nos próximos anos – o degelo acelerado do Ártico, tema que já tratamos em inúmeras postagens, poderá liberar inúmeros vírus e outros microrganismos que estão em estado de hibernação sob o gelo há milhares, quiçá milhões de anos.
O raciocínio dos cientistas é bem simples – se microrganismos conseguiram sobreviver enterrados numa camada de argila e sob uma lâmina de água marinha de 6 mil metros por mais de 100 milhões de anos, haveria alguma razão para que o mesmo não acontecesse com outros microrganismos sob o gelo polar?
E quantos desses microrganismos pré-históricos – especialmente vírus e bactérias, não são potencialmente mortais para os seres humanos?
Deixem-me citar um breve exemplo do quão fatal o contato desses microrganismos com seres humanos poderá ser:
Quando Cristóvão Colombo desembarcou na Ilha Hispaniola, atualmente conhecida como Ilha de São Domingos, em 1492, existiam dezenas de milhões de indígenas vivendo em todo o continente americano. A depender da fonte pesquisada, as estimativas dessa população autóctone vão de 40 a 200 milhões de indígenas.
Existem inúmeras teorias que buscam explicar como foi o povoamento das Américas pelos seres humanos. Uma das mais conhecidas afirma que os primeiros humanos migraram do Nordeste da Ásia para a América do Norte através de uma ponte de terra e/ou de gelo que se formou no Estreito de Bering entre 15 mil e 20 mil anos. Muitos especialistas acreditam, inclusive, que essa migração pode ter acontecido antes dessas datas.
A partir da região onde encontramos hoje o Estado norte-americano do Alasca, esses grupos humanos foram se dispersando por todo o continente americano, chegando até a região da Patagonia, no extremo Sul. Essa dispersão se deu a partir de diversas ondas migratórias ao longo de muitos milênios. Muitos especialistas sustentam que outros grupos humanos vindos da Polinésia e até da África podem também ter chegado até as Américas em momentos distintos.
Sem nos perdemos com as inúmeras hipóteses sobre a colonização das Américas, o que é certo é que todos os diferentes grupos humanos que aqui viviam ficaram isolados de outros grupos humanos do resto do mundo e de suas doenças por muitos milênios. Um exemplo que podemos citar é o caso da varíola, uma doença provocada por um vírus conecido como poxvírus e que é encontrado em diversos animais como os bovinos. Nesses animas a doença causa lesões nas tetas das vacas em lactação e no focinho e gengivas nos bezerros em amamentação.
Povos da Europa, da África e da Ásia convivem com bovinos há milhares de anos. Em regiões de clima temperado humanos e bovinos costumavam dividir os mesmos abrigos nos meses mais rigorosos dos invernos. Essa convivência criou uma “razoável imunidade” ao vírus da varíola entre esses povos.
Conforme os primeiros navegadores europeus – especialmente espanhóis e portugueses, começaram a desembarcar nas terras do Novo Mundo, eles passaram a colocar as populações indígenas em contato com inúmeros vírus e bactérias completamente desconhecidos dessas populações. E sem possuir imunidade a essas doenças, as consequências para os indígenas foram fatais.
Além da varíola, entram nessa lista doenças como a gripe, a tuberculose, o sarampo, a febre amarela, o tifo e a caxumba, entre muitas outras. Até mesmo a bactéria que provoca a cárie dental era desconhecida dos povos das Américas. Estimativas afirmam que esse conjunto de novas doenças dizimou cerca de 70% da população nativa das Américas em poucas décadas.
Ampliando o raciocínio: nossa espécie – Homo sapiens, é atualmente a única espécie de seres humanos do planeta Terra. Porém, até uns poucos milênios atrás, outros gêneros Homo também caminhavam sobre a face do planeta. Esse é o caso do Homo floresiensis , também conhecido como hobbit, que pode ter sobrevivido até cerca de 12 mil anos atrás na ilha de Flores, na Indonésia.
Os neandertais, nossos primos mais próximos, desapareceram há cerca de 28 mil anos na Europa. Outro grupo humano bastante próximo de nós – os denisovanos da Ásia Central, sobreviveram até cerca de 40 mil anos. Além dessas espécies contemporâneas dos humanos modernos, existem diversas espécies ancestrais extintas há centenas de milhares de anos como o Homo erectus e o Homo habilis.
Quantas doenças provocadas por vírus e bactérias não assolavam esses grupos “humanos” num passado muito distante e que são completamente desconhecidas de todos nós humanos “modernos”?
A possibilidade de um desses vírus ou uma dessas bactérias “despertar” de uma longa hibernação sob o gelo polar teria consequências tão dramáticas como aquelas decorrentes dos primeiros contatos entre conquistadores europeus junto aos índios americanos. Além dessas doenças tipicas das diferentes espécies Homo, existem inúmeras doenças animais cujos patógenos também podem estar congelados e que, uma vez “despertados”, poderão causar terríveis epidemias em todo o mundo.
Para não precisarmos ir tão longe – vejam os estragos que o novo vírus da Covid-19 provocou e ainda está provocando em todo o mundo. Esse vírus, ao que tudo índica, era hospedeiro de um animal selvagem e passou a infectar e a ser transmitido por seres humanos a uma velocidade espantosa.
De todos os problemas que estão sendo criados em todo o mundo pelo aquecimento global, o “renascimento” de vírus e bactérias desconhecidos que hoje estão contidos sob o gelo polar é um dos mais dramáticos e potencialmente mais perigosos para toda a humanidade.
Como costumamos falar aqui no meu bairro – “é bom ficar esperto”.
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