
Na geometria plana, a menor distância entre dois pontos é uma linha reta. No mundo real, onde diferentes regiões geográficas são separadas por rios, cadeias de montanhas, mares fechados ou grandes oceanos, ou ainda por questões políticas e militares em determinadas regiões, esse conceito deixa de ser verdadeiro.
Vamos relembrar rapidamente do controle que alguns reinos do Oriente Médio impunham às rotas comerciais terrestres que vinham do Extremo Oriente e do Sul e do Sudeste Asiático na direção da Europa. A lendária Rota da Seda, que cruzava toda a Ásia Central entre a China e a Europa, é um dos maiores exemplos.
Durante centenas de anos essa rota esteve sob controle dos turcomanos. Falo aqui de todo um grupo de povos de línguas turcomanas ou turco-tártaras. Além dos turcos, a mais importante etnia da Turquia, a lista inclui os azerbaijanos, casaques, uzbeques, oguzes, nogais, iacutos, entre muitos outros.
Se qualquer um dos leitores consultar um mapa da Ásia Central, vai verificar que os territórios ocupados por esses povos formam uma grande mancha entre a Costa leste da Turquia e o leste da China. Existe um antigo ditado que diz que, ainda hoje, “é possível ir de Istanbul, na Turquia, até Pequim, na China, falando unicamente o turco“.
Esses povos controlavam tanto os volumes quanto os preços das mercadorias que eram transportadas da China para a Europa através da Rota da Seda. O início da Era das Grandes Navegações, onde Portugal teve um papel chave nos séculos XV e XVI, foi impulsionada pela busca de uma rota comercial oceânica alternativa para o Oriente, o chamado Caminho para as Índias. Os portugueses lograram sucesso nessa empreitada e, de quebra, ainda “descobriram” o Brasil no caminho.
Um dos casos mais emblemáticos dessa corriga por novas rotas de navegação rumo ao Oriente foi a busca da lendária Passagem Noroeste. Muitos navegadores acreditavam que era possível navegar da Europa rumo ao Norte do Oceano Atlântico até se atingir o Norte do Oceano Pacífico. É claro que no meio desse caminho existia um Oceano Ártico e suas enormes banquisas de gelo, algo que criva enormes problemas nara os navegadores.
Para que todos tenham uma ideia da importância dessa rota para a navegação mundial: a distância marítima entre o Porto de Roterdã, na Holanda, até Tóquio, no Japão, é de 21.100 km via Canal de Suez e de 23.300 km seguindo via Canal do Panamá. A mesma rota feita através da Passagem Noroeste cairia para cerca de 14.100 km.
Uma das mais antigas referências a busca pela Passagem Noroeste data de 1497, quando Henrique VII, rei da Inglaterra, incumbiu a missão ao navegador John Calbot. O navegador teria conseguido atingir a Terra Nova, no Leste do Canadá, imaginando ter chegado a Ásia, mesmo erro cometido por Cristovão Colombo 5 anos antes quando chegou na Ilha de Santo Domingo. Cabot acabou desistindo da viagem e voltou para a Inglaterra.
Outro pioneiro nessa busca foi o navegador francês Jacques Cartier, que fez sua viagem em 1534. Assim como aconteceu com John Calbot, Cartier também acabou atingindo a costa Leste do Canadá. O navegador também desistiu da empreitada, não sem antes reivindicar a região, atualmente conhecida como Quebec, para a Coroa da França.
Outras tentativas inglesas para a conquista da Passagem Noroeste ficaram a cargo de Martin Frobisher. O militar inglês organizou três expedições – 1576, 1577 e 1578, todas frustradas. Essas expedições conseguiram atingir a Groenlândia e terras distantes do Canadá como a Ilha Baffin e a Baía de Hudson, porém, sem conseguir encontrar a Passagem Noroeste.
Existem evidências históricas que sugerem que o navegador português David Melgueiro foi o primeiro a conseguir realizar uma viagem pela Passagem Noroeste, indo da cidade do Porto, em Portugal, até a cidade de Kagoshima no Japão. Essa viagem teria se estendido entre os anos de 1660 e 1662.
Entre essas e muitas outras buscas frustradas, é preciso citar a trágica expedição da Marinha Inglesa comandada por Sir John Franklin. Essa expedição era formada por dois veleiros, o HMS Erebus e o HMS Terror, com um total de 127 tripulantes. Os navios zarparam da Inglaterra 1845, e, simplesmente, desapareceram nas águas do oceano Ártico. Pesquisadores só encontrariam os naufrágios do Erebus em 2014, e do Terror em 2017.
Um outro registro histórico importante é o do barão sueco Adolf Erik Nordenskjöld, que conseguiu atravessar a Passagem Noroeste em 1879. Ele partiu da cidade de Gotemburgo na Suécia em um navio baleeiro em 1878, seguindo ao longo da costa da Sibéria. A meio caminho do Estreito de Bering, o navio acabou ficando preso na banquisa de gelo por cerca de 10 meses até a chegada do verão.
Um dos mais famosos exploradores das águas polares e que se notabilizou por ter conseguir realizar grandes façanhas foi o norueguês Roald Amundsen. Para quem acha reconheceu o nome, lembro que Amundsen liderou a primeira expedição a atingir o Polo Sul em 1911, derrotando a equipe inglesa liderada por Robert Falcon Scott. Os ingleses, desgraçadamente, foram surpreendidos por uma forte tempestade durante o retorno e todos os membros da equipe morreram.
Amundsen partiu de Oslo, na Noruega, em junho de 1918, a bordo no navio Maud (vide foto), que era uma réplica exata do lendário navio Fram. Essas embarcações foram construídas com o fundo arredondado, uma adaptação essencial para suportar com segurança as situações de congelamento das águas do Oceano Ártico.
Como era previsto, o Maud acabou ficando preso por 22 meses na banquisa de gelo. Entre outros contratempos da jornada, Amundsen quase morreu ao ser atacado por um urso polar. Em outro momento, ele acabou intoxicado pela fumaça de uma lamparina a óleo enquanto trabalhava em sua cabine. O Maud chegou ao porto de Nome, no Alasca, em 27 de junho de 1920.
O sonho que todos esses navegadores pioneiros carregaram em seus corações ao longo dos séculos – de encontrar uma rota mais curta entre a Europa e a Ásia, está se tornando uma realidade graças ao aquecimento global. Segundo os cientistas, o Ártico está perdendo 13% de sua massa de gelo a cada década. De acordo com as projeções dos especialistas, é bem possível que as águas do Oceano Ártico e a Passagem Noroeste deixem de ficar congeladas a partir de 2050.
Navios cargueiros comuns e de passageiros poderão então navegar por essas águas durante o ano inteiro, sem qualquer preocupação com as banquisas de gelo e com os icebergs. Atualmente, só navios especiais do tipo quebra-gelo, conseguem navegar com relativa segurança nessas águas durante alguns meses do ano.
Se é possível afirmar que o aquecimento global está trazendo algum tipo de benefício para a humanidade, esse é um deles.
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