Concluída em 1908, a Represa de Santo Amaro, nome depois mudado para Represa de Guarapiranga, foi concebida originalmente para regularizar a vazão dos rios Pinheiros e Tietê. As águas desses rios eram responsáveis pelo acionamento das turbinas da Usina Hidrelétrica de Santana de Parnaíba, primeira geradora de eletricidade da região metropolitana de São Paulo e uma das principais impulsionadoras do processo de industrialização.
Construída no início do século XX, a Usina enfrentava problemas com as vazões irregulares do Rio Tietê, que alternava cheias nos períodos de chuva e baixíssimas vazões nos períodos de seca.
A escolha pela região de Santo Amaro deveu-se ao relevo dos acentuados contra fortes da Serra do Mar, com grande precipitação de chuvas e garantia de boa vazão nos rios da região, especialmente nos cursos do Guarapiranga, nome de origem tupi que significa “guará vermelho”, Embu-Guaçu e Embu-Mirim, nomes também de origem tupi que significam “cobra grande” e “cobra pequena”, respectivamente. Santo Amaro era, na época, uma pequena cidade fortemente rural, o que barateou imensamente os custos de desapropriação das chácaras na região de formação da represa.
A represa foi responsável pelo início das acentuadas transformações que a região de Santo Amaro viria a sofrer nas décadas seguintes. A primeira destas mudanças foi no microclima local – de acordo com relatos familiares (minha família mora na região desde a década de 1930) logo após a construção da represa teve início o fenômeno da garoa, que foi ampliado para o resto da cidade após a implantação das represas do complexo Billings anos depois.
Em 1913, com a inauguração da linha de bondes entre a Vila Mariana e Santo Amaro, além de estradas como São Paulo – Santo Amaro (atual Avenida Santo Amaro), a Represa de Guarapiranga foi transformada em uma importante área de lazer dos paulistanos, que transformariam as suas margens em verdadeiras praias urbanas (nas décadas de 1940 e 1950, inclusive, foi trazida areia da região de Santos para uma melhor caracterização da orla das praias da represa).
Surgiram os primeiros loteamentos de chácaras de finais de semana para a alta sociedade paulistana e também os clubes de campo como o Santo Amaro Yacht Club. Em 1937 teve início o ambicioso projeto de implantação da “Cidade Satélite Balneária de Interlagos”, loteamentos de alto padrão cujo principal apelo de venda era “a beleza cênica da região”, característica que, a grosso modo, persistiu até o final de década de 1960.
Com o crescimento da cidade de São Paulo e a necessidade de ampliar o estoque de água para o abastecimento urbano, a Represa de Guarapiranga foi promovida a manancial para o abastecimento de água potável a partir de 1928. Apesar dessa promoção, a região de entorno da represa não recebeu nenhuma atenção especial das autoridades no sentido da preservação das áreas verdes e das nascentes dos rios e córregos que alimentam o reservatório. Nenhuma legislação ou política de ocupação racional desta região de mananciais foi definida e/ou implantada pela municipalidade ou governo estadual.
A partir da década de 1940, com as restrições para as importações de produtos industrializados provocadas pela II Guerra Mundial, houve um forte aumento da industrialização na região metropolitana de São Paulo e forte imigração de trabalhadores do campo para a cidade. São Paulo e cidades próximas como Santo André, São Bernardo Campo e Guarulhos, entre outras, sofreram intenso crescimento urbano, com grande procura por terrenos para a construção de habitações populares.
Na zona sul da cidade de São Paulo, esse crescimento produziu primeiro a conurbação com Santo Amaro (município que foi incorporado à cidade de São Paulo em 1933) e, depois, um processo lento e gradual da ocupação de imensas áreas nas regiões de entorno da Represa de Guarapiranga.
Antigas chácaras de fim de semana, subutilizadas pelos proprietários, passaram a ser divididas em pequenos lotes e vendidas para famílias de baixa renda. A ocupação desses loteamentos sofreria um processo explosivo a partir do final da década de 1970. Esses terrenos, num primeiro momento, abrigavam casas unifamiliares. Com o crescimento das famílias, outras casas acabariam sendo construídas, ocupando praticamente todo o terreno. Estima-se que 1,5 milhão de pessoas vivam atualmente nas áreas de mananciais da Guarapiranga.
Uma das mais drásticas consequências da ocupação sem planejamento e irracional da região dos mananciais da Represa de Guarapiranga, e também da Represa Billings, foi o aumento exponencial do lançamento de esgotos in natura nos rios e córregos formadores do lago. O desmatamento intensivo e o processo de ocupação do solo por construções irregulares provocou uma sensível redução na produção de águas em nascentes, reduzindo o estoque de água armazenada para o abastecimento.
Também é importante destacar a falta de infraestrutura para a coleta de lixo que, junto com imensas quantidades de entulho da construção civil, passaram a ser descartados nas águas que fluem para a Guarapiranga.
As poluídas águas da Represa de Guarapiranga respondem pelo abastecimento diário médio de 4 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo, com alto custo no processo de tratamento. Na recente crise hídrica que assolou o Estado de São Paulo a partir de 2014 e que comprometeu os Sistemas Cantareira e Alto Tietê de abastecimento de água, coube à Represa de Guarapiranga assumir temporariamente o papel de principal manancial de abastecimento da região metropolitana de São Paulo e mostrar a importância da preservação ambiental dos reservatórios de água.
Destaque-se que a região metropolitana da Paulicéia produz apenas 40% da água que utiliza diariamente – 60% tem de ser “importada” de outras bacias hidrográficas, com destaque para o Sistema Cantareira, cujas nascentes estão localizadas a mais de 150 km da cidade de São Paulo no sul do estado de Minas Gerais.
O acesso a água é hoje um dos maiores desafios da humanidade. Além de escassa e de acesso cada vez mais caro e difícil, a água sofre intensamente em seus mananciais com a poluição por esgotos, lixo, entulhos de toda a ordem, contaminações químicas por despejos industriais e pesticidas entre tantas outras agressões. A Represa de Guarapiranga é um dos tristes exemplos do descaso com a água, agonia que venho assistindo desde a minha infância e que, infelizmente, não há sinais de reversão no curto prazo. Muitos projetos de revitalização e despoluição foram divulgados ao longo das últimas décadas, porém com efeitos pouco visíveis.
Como muitos conterrâneos sonho com dias passados na infância, quando os fins de semana eram sinônimo de brincadeiras nas praias de areia branca e águas limpas em Riviera Paulista, Baronesa e Veleiros, icônicos nomes das praias nas margens da Represa de Guarapiranga. Como tantos outros, eu espero que as futuras gerações tenham direito a tais momentos também.
VER TAMBÉM: ESPECIAL – REPRESA GUARAPIRANGA
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[…] Projetado e construído entre as décadas de 1960 e 1980, o discreto Sistema Cantareira acabou ocupando grandes manchetes em telejornais e jornais entre os anos de 2014 e 2016, época em que uma seca sem precedentes se abateu na região e levou a uma gravíssima crise hídrica. No auge dessa crise, o Sistema Cantareira entrou no chamado “Volume Morto”, formado por reservas de água que ficam abaixo do nível de captação das bombas. Obras emergenciais tiveram de ser feitas na represa, para permitir a captação dessas águas, e também para a construção de tubulações para interligação de outros reservatórios da Região Metropolitana de São Paulo, como foi o caso da Represa Guarapiranga. […]
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