A CONSTRUÇÃO DA REPRESA BILLINGS E AS ENCHENTES DO RIO TIETÊ

Tubulação Billings

O rápido crescimento da cidade de São Paulo a partir das últimas décadas do século XIX trouxe uma série de mudanças na paisagem urbana, especialmente no que diz respeito às suas fontes de água – riachos e rios passaram a ser canalizados em série para a liberação de espaços para a construção civil; as águas passaram a receber volumes cada vez maiores de esgotos domésticos e industriais e o início da retificação de grandes rios amplificou um antigo problema de Piratininga: as cheias dos rios nos períodos das chuvas estavam cada vez maiores. A alta sociedade paulistana, confortavelmente instalada nos terrenos altos da Avenida Paulista e arredores, parecia não se incomodar muito com este problema.

Uma história que ouvi quando criança ilustra muito bem a questão: nos anos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as mulheres da alta sociedade paulistana se reuniam nas tardes frias da cidade para tomar chá com biscoitos finos ingleses, enquanto tricotavam luvas, cachecóis e pulôveres de lã, que seriam enviados “aos pobres soldados franceses entrincheirados nos solos úmidos e frios dos campos de batalha da Europa”. A poucos quilômetros da região do Jardim Paulista e dos Campos Elíseos, redutos das elites econômicas da cidade na época, muitos pobres paulistanos sofriam com as consequências das últimas enchentes e tremiam de frio por falta de agasalhos. Apesar desta alienação da classe mais rica da cidade, o problema das enchentes se tornava cada vez mais preocupante e a população pobre pressionava cada vez mais as autoridades pela busca de soluções.

Uma solução técnica inesperada e bastante elegante para a minimização das enchentes anuais da cidade de São Paulo foi proposta pela empresa São Paulo Tramway, Light and Power Company como parte das obras do novo sistema de geração de energia elétrica Billings / Usina Hidrelétrica de Cubatão: as águas excedentes dos períodos de chuva na região Metropolitana de São Paulo passariam a ser bombeadas para a Represa Billings, desde o canal do rio Tietê, através de duas usinas de traição ou de bombeamento por reversão do curso do rio Pinheiros. Essas águas problemáticas, causadoras de enchentes e transtornos na cidade de São Paulo, reforçariam os estoques da represa Billings e garantiriam a geração continua de energia elétrica na Usina de Cubatão. A ideia, por mais absurda que podia parecer à primeira vista, até que funcionava (e funciona até hoje, sendo usado apenas em situações de emergência), apesar de nunca ter conseguido resolver completamente o problema das enchentes.

Com a assinatura do decreto presidencial que autorizou a construção do Complexo Billings/Cubatão, o conjunto de obras de construção da represa no alto da Serra do Mar, do sistema de tubulações de descida da água (vide foto) e a Usina Hidrelétrica de Cubatão (cujo nome foi alterado depois para Usina Henry Borden), e também do sistema de transposição das águas do rio Tietê para a represa Billings foram iniciadas em 1925.

A represa Billings seria formada a partir do represamento dos rios Grande, Pequeno, Capivari, Pedra Branca, Taquacetuba, Alvarengas, Bororé, Cocaia e outros rios menores, perfazendo cerca de 560 km² de área de drenagem, com uma vazão somada total de 16,5 m³/s. O espelho d’água da Represa ocuparia uma área inundada de aproximadamente 172 km² e teria capacidade para armazenar 1,2 bilhões de metros cúbicos de água. Mesmo nos dias atuais, quando se segue pelas Rodovias Anchieta e Imigrantes ou pelo Trecho Sul do Rodoanel, a visão do grande reservatório ainda é impressionante.

O rio Pinheiros, que hoje não passa de um canal retilíneo e largo, com águas quase paradas e extremamente poluídas, era até a década de 1920 um rio pequeno e extremamente sinuoso, que recebia as águas sangradas pela represa de Guarapiranga e as conduzia até a sua foz no rio Tietê. Para atender as especificações técnicas do projeto de transposição, o rio Pinheiros passou por um intenso trabalho de escavação e retificação do seu curso. Anos atrás eu visitei uma exposição fotográfica que contava a história do bairro de Santo Amaro e lembro de ter visto diversas fotografias destas obras – homens escavando o novo canal com pás e picaretas e outros carregando os entulhos em carroças puxadas por burros: cenas impressionantes da determinação e força de vontade das antigas gerações da nossa cidade. O Complexo Billings foi concluído em 1937; o sistema de transposição das águas do rio Tietê para a represa Billings só passou a operar integralmente a partir de 1950.

Além de preparar o rio Pinheiros para a futura função de transposição das águas para a represa Billings, estas obras transformariam antigas várzeas alagáveis em “terras secas”. Um dos exemplos é uma região do bairro de Pinheiros que anos depois foi loteada pela Companhia City, uma subsidiária da empresa canadense São Paulo Tramway, Light and Power especializada no desenvolvimento imobiliário e, por acaso, a mesma empresa responsável pela construção do Complexo Billings. A região foi transformada no elegante e sofisticado bairro do Alto de Pinheiros, ainda hoje uma referência em alto padrão imobiliário na cidade de São Paulo. Além do planejamento impecável, com ruas elegantes, praças e todo equipamento urbano necessário, o bairro receberia as linhas de bonde operadas pela empresa Light, um diferencial em tanto numa cidade que sempre teve, e continua tendo, problemas de transporte. Como dizia a minha mãe: “esses estrangeiros sabiam como ganhar muito dinheiro! “

Nós Vamos continuar no próximo post.

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14 Comments

  1. Sempre é bom lembrar das modificações feitas no Pinheiros, uma pena; poderia ter funções melhores do que as que tem hoje.

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  2. […] As águas da Represa Billings, que desciam a Serra do Mar na direção da Usina Henry Borden através de grandes tubulações metálicas, se transformaram na primeira grande fonte de poluição do rio Cubatão. Parte das águas que abasteciam essa represa eram bombeadas a partir da bacia hidrográfica do rio Tietê, que àquela altura já sofria com o despejo de grandes volumes de esgotos domésticos e industriais.  […]

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