USINA SOLAR FLUTUANTE DO LAGO DE SOBRADINHO – UMA BOA IDEIA?

Na postagem anterior fizemos um rápido diagnóstico da situação dos reservatórios das usinas hidrelétricas instaladas na calha do rio São Francisco. Segundo as informações do ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico, o reservatório de Sobradinho está com 64,59%, Três Marias com 66,71% e Itaparica com 52,44%. Esses não são os níveis ideais para o começo do período da seca, mas, como eu citei na postagem: “qualquer nota acima de 5 já é suficiente para passar de ano”. 

A barragem da Usina Hidrelétrica de Sobradinho é um destaque a parte aqui no blog. O processo tumultuado e injusto na remoção das famílias que viviam nas áreas que seriam inundadas pelo lago foi altamente traumatizante e geraram inúmeras postagens aqui no blog. Os altos e baixos nos níveis do reservatório ao longo dos anos também chamam muito a nossa atenção. Sobradinho é sempre destaque aqui em Vida, Água e Companhia. 

Uma notícia relacionada a Sobradinho, que ganha maior relevância nesses tempos de reservatórios baixos e riscos de falta de energia elétrica no curto e médio prazo, é um projeto piloto que vem sendo implementado pelo Governo Federal através da CHESF – Companhia Hidrelétrica do São Francisco. Trata-se de uma usina solar fotovoltaica flutuante com uma potência de geração de 1 MW

Essa usina piloto é formada por 3.792 painéis fotovoltaicos montados sobre uma base flutuante e que cobrem uma área total sobre o espelho d’água de 11 mil metros quadrados. Essa estrutura é fixada ao fundo do lago através de um sistema de cabos e tem capacidade para suportar também o peso dos trabalhadores que precisam circular entre os painéis para fazer a manutenção. 

O “ovo de Colombo” desse projeto é o uso de uma “área” que já pertence a usina hidrelétrica – o Lago de Sobradinho, e toda a infraestrutura de redes de transmissão de energia da própria usina. Existem inúmeras usinas solares já em operação e/ou em instalação por toda a Região Nordeste – as áreas onde esses empreendimentos estão instalados foram compradas ou alugadas, o que gera um custo extra nos investimentos. Essas unidades também precisam ser dotadas de linhas de transmissão para transportar a energia elétrica gerada para os consumidores. Em Sobradinho nada disso é necessário. 

A usina flutuante de Sobradinho foi inaugurada no início de agosto de 2020 e seus resultados estão sendo observados com “lupa”. O Lago de Sobradinho ocupa mais de 4.200 km² quando está em seu nível máximo, tendo espaço de sobra para receber novos módulos flutuantes com painéis fotovoltaicos. Basicamente, o que estamos falando aqui é que existe um enorme potencial para ampliar a capacidade de geração de energia elétrica da Usina de Sobradinho sem a necessidade de alagar mais nenhum km². 

Essa “ideia”, sendo testada e comprovada a sua viabilidade técnica/financeira, poderá ser levada para outros reservatórios já existentes, o que aumentaria gradativamente o potencial de geração de energia elétrica do país e sem o ônus dos impactos ambientais. Vamos relembrar dois casos de usinas hidrelétricas altamente ineficientes que citamos nas últimas postagens: a Usina Hidrelétrica de Jurumirim , no rio Paranapanema no estado de São Paulo, e também a famigerada Usina Hidrelétrica de Balbina, no Estado do Amazonas. 

A Usina de Jurumirim foi inaugurada em 1962, e sua represa formou um lago que ocupou uma área total de 450 km² no rio Paranapanema. Essa área, para efeito de comparação, equivale a quatro vezes o tamanho da Baía da Guanabara. Apesar desse fabuloso “estrago” ambiental, a Hidrelétrica só consegue produzir 40 MW de energia. Em 2005, foi inaugurada a Usina Hidrelétrica de Ourinhos no mesmo rio Paranapanema. Com uma represa com área de apenas 4,5 km² – um centésimo de Jurumirim, essa hidrelétrica consegue produzir os mesmos 40 MW. 

O caso da Usina Hidrelétrica de Balbina é muito mais gritante. Esse polêmico empreendimento, que foi inaugurado em 1989, fica no rio Uatumã, um dos afluentes do rio Amazonas, a cerca de 200 km de Manaus. O lago que foi formado provocou o alagamento de 2.360 km², o equivalente a quase duas vezes o tamanho do município do Rio de Janeiro. A potência máxima da hidrelétrica é de apenas 112 MW, porém, na temporada da seca, a produção fica próxima dos 50 MW, pouco coisa a mais que a produção de Jurumirim. 

A possibilidade de usar o lago dessas usinas hidrelétricas para a instalação de usinas solares fotovoltaicas flutuantes resultaria num substancial aumento da geração de energia elétrica sem qualquer necessidade de mudar a infraestrutura já instalada – aliás, já existe um projeto nesse sentido em Balbina. Isso seria uma forma inteligente de compensar os gravíssimos prejuízos ambientais e impactos sociais/econômicos provocados tanto pela remoção de populações quanto pela perda de áreas produtivas. 

Já existem notícias que tratam da implantação de um outro projeto piloto de usina fotovoltaica flutuante no reservatório da Usina Hidrelétrica de Boa Esperança, no Estado do Piauí. A previsão é de se atingir uma potência instalada de 1,25 MW. Que seja muito bem-vinda. 

Um problema importante que afeta lagos e represas em regiões quentes são as perdas de água por evaporação. Esse problema fica ainda mais grave quando o espelho d’água não é muito profundo, o que facilita o aquecimento e a evaporação da água. Com a instalação de painéis fotovoltaicos flutuando sobre a lâmina d’água, em tese, está se criando uma área de sombra que pode amenizar as perdas de água por evaporação. A presença da água também ajuda a reduzir a temperatura dos painéis, aumentando a sua eficiência.

Por outro lado, essa mesma sombra também pode estimular o crescimento de plantas e de animais aquáticos prejudiciais ao ecossistema do lago. É por isso que o estudo completo de todos os impactos criados pela instalação desse projeto piloto – impactos econômicos da geração de energia elétrica e também na fauna e flora do lago, são tão importantes. A história da humanidade está cheia de exemplos de grandes ideias que se transformaram em fabulosos desastres. 

O desenvolvimento tecnológico nos últimos anos tem resultado na produção de placas fotovoltaicas cada vez mais eficientes e baratas. Esse tipo de geração elétrica vem crescendo rapidamente aqui no Brasil e o país contava com um total de 114 parques fotovoltaicos no final de 2020. Esse tipo de geração elétrica atingiu a importante marca de 7,5 GW em 2020, o que equivale à metade da capacidade instalada da Usina Hidrelétrica de Itaipu.  

De acordo com dados da ABSOLAR – Associação Brasileira de Energia Solar, o preço das placas solares e dos demais equipamentos caiu cerca de 90% nos últimos 10 anos, o que vem incentivando cada vez mais o crescimento do setor.  A maioria dos empreendimentos ficam localizados na Região Nordeste. 

Além dos reservatórios de usinas hidrelétricas, a ideia das usinas fotovoltaicas flutuantes também pode ser levada para reservatórios de abastecimentos de água, rios e canais de irrigação. Dois exemplos na minha vizinhança com grande potencial para receber essa iniciativa – a Represa Guarapiranga, que ocupa uma área com cerca de 23 km² na Zona Sul da Cidade de São Paulo, e o rio Pinheiros, que tem cerca de 25 km de extensão com uma largura média do canal de 100 metros. 

Em nossa sociedade moderna, é impossível imaginarmos a vida sem os confortos e comodidades criados pela energia elétrica. Logo, qualquer nova forma de produzir essa energia com baixos impactos ambientais será sempre muito bem-vinda! 

Que venham as usinas solares fotovoltaicas flutuantes… 

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