Há cerca de quatro anos atrás, eu tinha três artigos prontos e material para preparar outros vinte textos – foi então que me arrisquei a iniciar as publicações diárias aqui em Água, Vida & Cia, um nome que surgiu de improviso na última hora.
Acreditem ou não, esta é a milésima postagem do blog!
A primeira postagem escrita especialmente para o blog – Guarapiranga, a praia de Santo Amaro, ficou, curiosamente, com 666 palavras. Imaginando que isso era um sinal “bestial” de boa sorte, mantive esse exato tamanho de texto nas minhas primeiras 30 postagens. Com o tempo, os assuntos começaram a render e as postagens atuais têm, em média, 1200 palavras. São textos no formato de pequenos artigos e com inúmeras referências indicadas – artigos científicos, reportagens, livros, postagens anteriores, entre outras.
A temática inicial das primeiras postagens foram os recursos hídricos e o saneamento básico com um foco na Educação Ambiental, minha área de especialização. Porém, com o passar do tempo, o leque de assuntos precisou ser ampliado e passei a falar de desmatamentos, queimadas, vazamentos de petróleo, poluição do ar e aquecimento global, entre tantos outros assuntos altamente relevantes na área de Meio Ambiente.
Dentro do saldo positivo de todo esse trabalho, as publicações aqui do blog geraram quatro livros: A Nossa Amazônia, A Superexploração das Fontes de Água, Tópicos de Saneamento Básico – Abastecimento e Esgotos, e Tópicos de Saneamento Básico – Águas Pluviais e Resíduos Sólidos. Muitas reportagens, trabalhos escolares, TCCs (Trabalhos de Conclusão de Curso) e até material complementar para uma tese de doutorado em Saúde Pública de uma aluna na Holanda (mais especificamente, dados sobre populações que vivem e trabalham dentro de aterros sanitários como o do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, e na Vila Princesa, em Rondônia), saíram das nossas páginas . Fantástico!
De acordo com os registros do WordPress, as postagens já foram acessadas por leitores de 100 países diferentes (o site possui um sistema de tradução automática). Entre os leitores estrangeiros mais assíduos destacam-se os dos Estados Unidos, de Portugal, Angola, Canadá, Moçambique, Argentina, França, Espanha, Alemanha e Holanda. Nos últimos meses, passei a perceber um aumento dos acessos a partir da China e da Índia. Entre os principais assuntos buscados pelos “gringos” estão a Amazônia e também os grandes rios brasileiros.
Para continuar a escrever dia após dia aqui nesta página, tenho sido forçado a aprender e a reaprender muito sobre assuntos diferentes. Porém, tenho que confessar que ainda faltam muitos conhecimentos no meu repertório ambiental. Um bom exemplo: até hoje ainda não consegui decorar as cores dos contêineres de resíduos recicláveis.
Isso é sinal que muitas outras páginas precisarão ser escritas e muitas coisas deverão ser aprendidas.
Meu muito obrigado a todos os leitores!
PS: para não ficar só na falação, estou republicando a postagem mais lida entre todas as que já foram publicadas aqui no blog.
SURUBIM: O PEIXE QUE JÁ FOI SÍMBOLO DO RIO SÃO FRANCISCO
Postagem publicada em 8 de maio de 2017
A primeira vez que ouvi falar em surubim foi durante uma conversa em um almoço com colegas de trabalho em Recife, lá por meados dos anos de 1980. A empresa em que trabalhava na época tinha uma fábrica na capital pernambucana e, de quando em vez, era necessário fazer algum trabalho por lá. De acordo com esses colegas, verdadeiros experts no assunto, o sabor do surubim é algo incomparável. É um peixe bastante apreciado na culinária por ter muita carne e poucas espinhas.
O delicioso surubim – também é conhecido como pintado em algumas regiões, é um dos maiores peixes de água doce do Brasil, podendo atingir até 1,8 metro de comprimento e peso de até 90 kg. Para você não achar que é “conversa de pescador”, incluí uma foto do peixe publicada por uma das mais importantes revistas de pesca do país. É encontrado nas bacias hidrográficas do Rio Amazonas, do Rio da Prata e, cada vez menos, no Rio São Francisco – por isso a ironia usada no título.
O desaparecimento do peixe, que já foi um ícone da gastronomia regional em toda a bacia hidrográfica do Velho Chico, é acima de tudo um alerta da degradação ambiental das águas e da falta de condições para a sobrevivência da espécie. Outros peixes, além do surubim, também estão em situação crítica – entre os mais afetados estão as espécies migratórias como o curimatá-pacu, curimatá-pioa, dourado, matrinxã, piau-verdadeiro e o pirá. Vamos entender o que está acontecendo:
Uma quantidade enorme de espécies de peixes migra de uma região para outra na época da reprodução, num fenômeno conhecido como piracema. Estas espécies de peixes nadam correnteza acima buscando as águas calmas e límpidas das nascentes, onde a desova poderá ser feita com segurança nas águas rasas e livres de predadores, onde os seus alevinos encontrarão condições de crescer, até um tamanho que lhes proporcione maiores chances de sobrevivência, antes de se aventuram em águas mais profundas.
Existem diversas alterações ambientais que podem dificultar ou impedir a migração destes peixes: construção de barragens de usinas hidrelétricas sem “escadas” para peixes; contaminação das águas por esgotos, produtos químicos e venenos como fertilizantes e defensivos agrícolas; assoreamento e entulhamento de canais com todo o tipo de resíduos; pesca predatória e a sobrepesca (especialmente durante a época da piracema); destruição das nascentes por atividades como agricultura e mineração, entre outras causas.
Um outro problema grave é a introdução de espécies exóticas de peixes, lançados nos rios sem maiores estudos sobre os impactos e alterações ambientais que causarão no ecossistema; na bacia do Rio São Francisco foram introduzidos o bagre-africano, a carpa e o tucunaré, que ocuparam nichos ecológicos de espécies endêmicas e se tornaram verdadeiras pragas.
No Velho Chico você encontra todos estes problemas, o que afetou completamente o ciclo de vida dos peixes migratórios e destruiu aquele que já foi considerado um dos rios mais abundantes em relação a pescado no país – havia registros de 158 diferentes espécies de peixes na bacia hidrográfica, algumas endêmicas. De grandes produtoras de pescados, as cidades ribeirinhas do Velho Chico passaram a condição de importadoras do produto, especialmente da região amazônica.
Uma das espécies mais importadas é o cachara, um peixe de couro da Amazônia muito parecido com o surubim, pescado em rios do Maranhão e do Pará. Muitos restaurantes preparam tilápias criadas em cativeiro e tambaquis importados da Argentina – o bom e velho surubim do São Francisco está cada vez mais difícil de se encontrar nas casas dos moradores e nas mesas dos restaurantes ao longo dos rios da região.
Um exemplo da má gestão histórica das águas do Velho Chico foi a decisão pela construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho durante a época dos governos militares. O Lago de Sobradinho, formado após o fechamento das comportas, se transformou no maior espelho d’água artificial do Brasil, porém com baixas profundidades – foi justamente essa característica um dos fatores principais para a evaporação total do Lago Poopó na Bolívia, comentado em um dos posts desta série.
O Lago de Sobradinho é um campeão em perda de água por evaporação, atingindo, segundo algumas fontes, a marca de até 250 m³ por segundo – essa perda representa o volume de água necessário para o abastecimento anual de uma população de 144 milhões de habitantes. Um outro erro de projeto ou falta de preocupação com a preservação das espécies do Rio São Francisco foi a não inclusão de escadas para peixes, dispositivo que permite a passagem ou migração de espécies através das barragens.
Antes da construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, existiam diversas lagoas temporárias, onde grandes cardumes de peixes migratórios se reuniam para iniciar a migração rumo as cabeceiras dos rios para a procriação.
Uma análise genética de amostras de peixes, coletadas e conservadas há quase 30 anos, foi comparada com amostras de peixes coletados recentemente, mostrando que houve uma grande redução da diversidade genética dos animais. Isso mostra que a construção da barragem do Lago de Sobradinho criou um obstáculo físico para os peixes que vem de outras regiões do médio São Francisco, impedindo a renovação dos cardumes de peixes de piracema.
A pouca diversidade genética de uma população de animais ou de plantas é, de acordo com a Biologia da Conservação, um caminho perigoso para a extinção de espécies, fato que, infelizmente, já se observa com o surubim e outras espécies de peixes do Velho Chico.