Com a chegada do final do ano, tem início o período das fortes chuvas na Região Centro-Sul do Brasil, temporada que, normalmente, se estenderá até o final do mês de março. Em muitas das grandes e médias cidades da Região, a temporada das chuvas também se apresenta como um período de fortes transtornos e tragédias, com enchentes, alagamentos e desmoronamentos de encostas. Essas cidades, em sua grande maioria, cresceram e se desenvolveram sem maiores preocupações com o saneamento básico: esgotos e águas pluviais sempre foram tratados com muito descaso e improviso. Com a chegada das chuvas de verão, a “fatura” desse descaso acaba chegando a todos os seus habitantes.
Apesar de todos os problemas e tragédias que chegam junto com as chuvas, essa é uma temporada aguardada com grande expectativa: são essas chuvas que enchem os reservatórios das usinas hidrelétricas e as represas de abastecimento das áreas urbanas, garantindo a água que será usada pelas populações ao longo do próximo ano. Um exemplo dessa importância é o Sistema Cantareira, o principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo.
De acordo com informações da Sabesp, empresa responsável pelo abastecimento de água em grande parte do Estado de São Paulo, hoje o Sistema Cantareira está com apenas 38% da sua capacidade de armazenamento (09/12/2019). De acordo com os parâmetros usados pela empresa, quando o nível do Sistema está entre 30% e 40% de sua capacidade, é considerado em Estado de Atenção e a retirada de água passa a ser limitada a 27 mil litros por segundo – de acordo com informações da empresa, a retirada já está abaixo de 25 mil litros/s a fim de economizar água.
O Sistema Cantareira foi construído entre as décadas de 1960 e final da década de 1970, possuindo um total de cinco reservatórios na região conhecida como Entre Serras e Águas, que fica na divisa entre o Nordeste do Estado de São Paulo e o Sul de Minas Gerais. Esse sistema foi projetado com o objetivo de substituir o Sistema Cantareira Velho, em operação desde as últimas décadas do século XIX e que não estava mais atendendo as necessidades de consumo da Região Metropolitana. O novo Sistema Cantareira é formado por um complexo conjunto de represas, canais, túneis e estações de bombeamento, responsáveis por transportar a água por distâncias de até 160 km até chegar aos consumidores na Região Metropolitana de São Paulo.
Até recentemente, o Sistema Cantareira era responsável pelo abastecimento de mais de 9 milhões de pessoas, porém, depois da grande crise de abastecimento vivida na Região entre os anos de 2014 e 2016, o Sistema atende “apenas” 7,5 milhões de pessoas atualmente. A água fornecida pelo Sistema Cantareira abastece as Zonas Norte, Oeste, Central e parte da Zona Leste da cidade de São Paulo, além dos municípios de Franco da Rocha, Francisco Morato, Caieiras, Osasco, Barueri, São Caetano do Sul e Guarulhos. O abastecimento de água da população é complementado por um conjunto de outros mananciais que formam os Sistemas Guarapiranga, Alto Tietê, Rio Grande, entre outros menores.
Em abril de 2018, a Sabesp inaugurou o Sistema São Lourenço, um novo manancial com capacidade para atender uma população de até 2 milhões de habitantes nos municípios de Barueri, Carapicuíba, Cotia, Itapevi, Osasco, Jandira, Santana de Parnaíba e Vargem Grande Paulista. Esse novo Sistema veio aliviar parte da extrema dependência dos paulistanos em relação ao Sistema Cantareira e ajudar a prevenir os problemas criados pela grande seca de anos anteriores.
A seca que se abateu na região Entre Serras e Águas a partir de 2014 foi fortíssima e levou o nível do sistema Cantareira para menos de 3% de sua capacidade de armazenamento. Foi necessária a implantação de uma rigorosa redução da pressão nas redes de abastecimento de água (o Governo paulista se recusa em admitir que foi um racionamento de água), além da realização de um conjunto de obras emergenciais para a captação e o transporte de água a partir de outros sistemas produtores. Nas represas do Sistema Cantareira foram realizadas obras que permitiram a captação da água localizada no chamado Volume Morto, uma reserva que está abaixo do nível normal de captação.
O trauma deixado por essa grande seca também incentivou a construção de um sistema que permite a transposição de águas da Represa Jaguari, localizada na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, para a Represa do Atibainha, uma das formadoras do Sistema Cantareira. Inaugurado em março de 2018, esse sistema de transposição entre bacias hidrográficas permite a transferência de águas nos dois sentidos. Em momentos em que o Sistema Cantareira atingir o seu nível máximo, o que não acontece desde 2012, as águas excedentes poderão ser lançadas na Represa Jaguari, reforçando os estoques de água. Em momentos em que o Sistema Cantareira estiver com baixos níveis, a água será retirada da Represa Jaguari e bombeada na direção da Represa do Atibainha
Apesar de estar localizada dentro do Estado de São Paulo, a Represa Jaguari, e outras localizadas ao longo da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, faz parte do sistema de armazenamento de água que é usado para o abastecimento do Estado do Rio de Janeiro. Um volume com cerca de 60% das águas do rio Paraíba do Sul é desviado para o Estado do Rio de Janeiro através de um sofisticado sistema de transposição, onde as águas são usadas primeiro para a geração de energia elétrica e depois são lançadas na direção do rio Guandu e usadas para o abastecimento de 80% da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais já tiveram de disputar na Justiça o direito pelo uso das águas do rio Paraíba do Sul. A questão chegou inclusive ao STF – Supremo Tribunal Federal, onde foi estabelecido um sistema para a partilha dessas águas. A inauguração do sistema de transposição Jaguari-Atibainha, apesar de estar amparado pela lei, é visto com desconfiança pelos demais Estados que formam a bacia hidrográfica.
A água é um dos recursos naturais mais escassos e disputados da atualidade. O Brasil está entre os países do mundo com a maior disponibilidade de água doce do planeta. Porém, como deve ser do conhecimento de todos, a maior parte desses recursos estão na Região Norte do país, onde fica a Bacia Amazônica. Em Estados densamente povoados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o recurso é cada vez mais escasso, sendo intensamente disputado por populações, indústrias e agricultura.
Dentro desse quadro complicado, onde o abastecimento de milhões de pessoas está em jogo, a chegada do período das chuvas é sempre bem-vindo, apesar de todos os eventuais transtornos envolvidos.
Então, que venham as chuvas…
[…] AS SEMPRE AGUARDADAS… em A GIGANTESCA BACIA AMAZÔNICA E… […]
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