AS NOVAS AMEAÇAS AO SISTEMA CANTAREIRA

Nessas últimas semanas, a Região Metropolitana de São Paulo vem sendo assolada por fortíssimas tempestades de verão. Como é de praxe, devido à falta de uma infraestrutura adequada para a drenagem das águas pluviais, diversas regiões das cidades da mancha metropolitana enfrentaram grandes enchentes e enormes transtornos. Chega verão, sai verão, e as coisas não mudam. 

Enquanto isso, na região onde ficam os rios que formam o Sistema Cantareira, o mais importante manancial de abastecimento de água dessa grande região, as chuvas estão abaixo da média. Nós podemos creditar parte da culpa desses eventos à “nossa” amiga La Niña

De acordo com informações da Sabesp – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, o nível do Sistema Cantareira hoje, dia 8 de fevereiro, está em 44,8% da sua capacidade máxima. No último mês de dezembro, porém, o Sistema chegou a operar em 34% da sua capacidade, o mais baixo nível desde a grande crise hídrica que assolou os paulistanos entre os anos de 2014 e 2015. As lembranças traumáticas daqueles meses de “racionamento branco” nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e de Campinas ainda estão muito vivas na memória das populações. 

As preocupações com o Sistema Cantareira ficam ainda maiores quando observamos os dados pluviométricos da região onde ficam as nascentes dos seus principais rios formadores: desde 2019, o volume de chuvas está 20% abaixo das médias históricas. E como “gato escaldado tem medo de água fria”, luzes de alerta e de muita preocupação não param de “piscar” na cabeça de muita gente. 

O Sistema Cantareira foi idealizado no início da década de 1960, quando as autoridades concluíram que a Região Metropolitana de São Paulo necessitava de um maior volume de água. Foram realizados diversos estudos técnicos visando encontrar novas fontes de abastecimento. Surgiram então dois projetos: o Sistema Cantareira, com produção de 33 m³/s de água a um custo orçado em US$ 1 bilhão em valores há época, e o Sistema do Juquiá, localizado no Vale do rio Ribeira de Iguape, com uma capacidade de produção de 70 m³/s de água a um custo de US$ 6 bilhões.  

Por razões econômicas e operacionais, a escolha recaiu sobre Sistema Cantareira. O projeto do Sistema do Juquiá foi engavetado, pois, além do alto custo de construção, implicaria em maiores gastos operacionais com os sistemas de bombeamento que trariam a água de uma distância de mais de 200 km e que teriam de vencer um desnível no relevo de mais de 800 metros. 

O Sistema Cantareira está localizado na Região Nordeste do Estado de São Paulo, encravado entre a Serra da Cantareira e a Serra da Mantiqueira, e que é conhecida pelo simpático nome de Região Entre Serras e Águas. O Sistema é formado cinco reservatórios: Jaguari, Jacareí, Cachoeira e Atibainha, todos na Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba, além do reservatório Paiva Castro, que fica dentro da bacia hidrográfica do Alto Tietê. Além desses reservatórios principais, o Sistema possui um pequeno reservatório intermediário no alto da Serra da Cantareira – Águas Claras.  

O Sistema Cantareira foi projetado com as represas em altitudes diferentes em função da topografia da região. Graças a isso, o Sistema utiliza a força da gravidade para conduzir as águas desde as represas de Jaguari e Jacareí, na região de Bragança Paulista, passando para as represas de Cachoeira, Atibainha e Paiva Castro. Um sistema de túneis conduz a água até Estação Elevatória Santa Inês, que bombeia as águas para o reservatório de Águas Claras na Serra da Cantareira. Entre as represas e as torneiras, essas águas chegam a percorrer até 160 km. 

A partir do reservatório de Águas Claras, a água é enviada para a Estação de Tratamento do Guaraú, na zona norte da cidade de São Paulo. Após o tratamento, a preciosa água chega aos lares, indústrias, escritórios e comércios de grande parte da Região Metropolitana. As águas que vertem das represas Jaguari, Jacareí, Cachoeira e Atibainha também seguem na direção do rio Piracicaba, um dos principais mananciais de abastecimento da Região Metropolitana de Campinas. 

Antes da grande crise hídrica de 2014, era muito comum os reservatórios do Sistema Cantareira atingirem níveis entre 80% e 100% de sua capacidade máxima. Em vários anos, inclusive, os reservatórios “sangravam”, ou seja, os vertedouros das barragens deixavam passar as águas excedentes. Após a crise hídrica, o nível máximo dos reservatórios tem ficado em valores entre 60% e 70% da capacidade máxima

De acordo com informações dadas em entrevista pelo Professor Pedro Côrtes do Instituto de Energia e Ambiente da USP – Universidade de São Paulo, parte do problema se deve à redução do volume de chuvas na região dos mananciais que formam o Sistema Cantareira. Esse problema está ligado diretamente aos desmatamentos na região da Floresta Amazônica, região de origem dos chamados “rios voadores”, grandes nuvens de chuvas que atravessam o país e vem cair na Região Sudeste.  

Outra causa é o crescimento do consumo de água nas Regiões Metropolitanas, o que impede uma recuperação mais forte dos níveis dos reservatórios. Caso os reservatórios do Sistema Cantareira não consigam acumular volumes expressivos de água durante o período das chuvas, os níveis das represas cairão perigosamente durante o período da seca e apresentarão as mesmas imagens dramáticas da última grande crise hídrica. 

Felizmente, muitas providências foram tomadas desde aqueles tempos. A primeira delas foi a construção do sistema de transposição que permite o bombeamento de águas desde a represa do Jaguari, na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, na direção da Represa do Atibainha, que forma o Sistema Cantareira. Inaugurado em 2018, esse sistema segue as regras de compartilhamento das águas do rio Paraíba do Sul entre os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.  

Apesar da plena legalidade, sempre que se executam operações de retirada de água da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul para reforçar o Sistema Cantareira, outros usuários ficam preocupados – especialmente no Estado do Rio de Janeiro. Só para relembrar – cerca de 85% da água usada no abastecimento da cidade do Rio de Janeiro e de mais de 70% em cidades da Baixada Fluminense, vem da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. 

Também foram realizadas obras para melhorar a interligação entre as diversas represas formadoras do sistema de abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo. Relembrando a crise hídrica que começou em 2014 – enquanto as represas do Sistema Cantareira estavam secando, outras represas do sistema tinham água, porém, faltavam tubulações que permitissem o transporte da água na direção das ETAs – Estações de Tratamento de Água. Há época, obras emergenciais tiveram de ser feitas a “toque de caixa” para corrigir essas deficiências. 

Apesar da situação ser preocupante, as chances de um colapso no sistema de abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo hoje são mínimas. Além do mais, outros reservatórios da Região como o Guarapiranga, Alto Tietê, Rio Grande e São Lourenço, entre outros, estão com bons níveis e prontos para reforçar o sistema de distribuição. Mas, como diz um velho ditado, “cuidado e canja de galinha não fazem mal a ninguém”! Precisamos acompanhar toda essa situação com muita cautela. 

Essa questão deve ser encarada com um grande lembrete para todos nós: a água é um elemento cada vez mais raro e caro em nosso mundo. Diferentemente do que fomos ensinados a acreditar, que a água cai dos céus é não custa nada, o acesso a água potável para seus múltiplos usos está ficando cada vez mais complicado em um mundo com cada vez mais pessoas precisando de água, alimentos e energia. 

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