UMA QUESTÃO “HIPOTÉTICA”: COMO FICARIA O ABASTECIMENTO DE ÁGUA NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO SEM AS ÁGUAS DO RIO PARAÍBA DO SUL?

Ao longo dessa semana, as postagens aqui do blog mostraram a situação complicada do abastecimento de água na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O maior manancial de abastecimento da Região, o rio Guandu, sofre com a intensa poluição em suas águas e os sistemas da ETA – Estação de Tratamento de Água, Guandu não têm sido eficientes o bastante para garantir o fornecimento de uma água de boa qualidade para a população. 

A poluição das águas, entretanto, representa apena uma parte do problema. Existem algumas “bombas relógios” armadas e que estão apenas esperando a hora certa para criarem verdadeiros desastres ambientais na calha do rio Paraíba do Sul e, por extensão, no próprio rio Guandu. Conforme apresentado na última postagem, existem dezenas de barragens de rejeitos de mineração instaladas dentro da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, algumas já classificadas com alto grau de insegurança por órgãos ambientais. Falamos também das grandes montanhas de rejeitos minerais da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda. 

Imaginemos, por exemplo, o rompimento de uma grande barragem de contenção de rejeitos da mineração. Segundo informações de um estudo de 2013 do INEA – Instituto Estadual do Ambiente, órgão do Governo fluminense, existem cerca de 300 barragens de rejeitos minerais inseridas na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. A maior parte dessas barragens fica dentro do território de Minas Gerais. Foram identificados riscos de acidentes em 12 dessas barragens, onde estão armazenados cerca de 22 bilhões de litros de resíduos minerais.   

Só para refrescar a memória dos leitores: ocorreram dois grandes acidentes desse tipo aqui no Brasil nos últimos anos – em 2015, a barragem de rejeitos do Fundão em Mariana, Minas Gerais, rompeu e vazaram 62 milhões de m³ de lama e rejeitos, provocando um grande desastre ambiental nas águas do rio Doce (vide foto). O rastro de destruição deixou 18 mortos e 1 desaparecido. Já se passaram quase seis anos e as águas do rio ainda apresentam graves problemas de contaminação. 

Em 2019, um novo acidente – a barragem da Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho, também em Minas Gerais, ruiu e despejou 180 mil m³ de lama e rejeitos minerais nas águas do rio Paraopebas, além de causar a morte de 267 pessoas. Essa barragem era classificada como “de baixo risco”. 

Nesses dois casos, a onda de lama e rejeitos minerais atingiu primeiro riachos e rios pequenos antes de atingir a calha de um rio maior. No caso do rio Doce, um detalhe interessante é que a tragédia foi minimizada pela barragem da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, instalada na calha do rio Doce, que conseguiu reter a maior parte da lama e dos rejeitos minerais. Mesmo assim, enormes volumes de rejeitos conseguiram atravessar essa barreira e se espalharam até a foz do rio em Linhares, no Espírito Santo. 

A situação do rio Paraíba do Sul guarda uma semelhança com o rio Doce – na altura da cidade de Barra de Piraí, no Estado do Rio de Janeiro, existe uma grande barragem na calha do rio – a Barragem de Santa Cecília. Concluída em 1952, essa barragem possui 15 metros de altura e foi concebida para permitir o desvio de até 60% dos caudais do rio Paraíba do Sul na direção dos sistemas de geração de energia elétrica da Light. Assim como aconteceu com a barragem da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, a Barragem de Santa Cecília provocaria a retenção de grande parte de uma eventual onda de lama e rejeitos. 

É aqui que começariam os problemas para o abastecimento de água na Região Metropolitana do Rio de Janeiro – o bombeamento de água na Usina Elevatória de Santa Cecília precisaria ser suspenso, o que criaria problemas tanto para a geração de energia elétrica quanto para o fornecimento de água para a bacia hidrográfica do rio Guandu. 

Sem o bombeamento das águas do rio Paraíba do Sul, o sistema de geração elétrica da Light só poderia contar com as águas da Represa do Ribeirão das Lages e do Reservatório de Tocos, o que reduziria muito a capacidade geradora do sistema e, principalmente, teria um forte impacto no volume dos caudais que são despejados na direção do rio Guandu, o principal manancial de abastecimento da cidade do Rio de Janeiro e de boa parte da Baixada Fluminense. 

As águas do rio Paraíba do Sul garantem o abastecimento de aproximadamente 8 milhões de pessoas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e de, pelo menos, mais 4 milhões de habitantes de cidades do interior fluminense. Existem, é claro, outros mananciais e sistemas produtores de água tratada tanto na Região Metropolitana quanto no interior do Estado – o grande problema é que se somarmos todas as demais fontes de água, chegaremos a apenas uma parte do que é fornecido pelo rio Paraíba do Sul. 

E o que poderia ser feito para garantir o abastecimento das populações numa situação extrema como essa? 

De imediato, seria necessário reduzir o volume de água fornecido à população em, pelo menos, 80%, o que não seria uma tarefa nada fácil. Entre 2014 e 2016, a Região Metropolitana de São Paulo foi obrigada a reduzir o seu consumo de água em 50%. Para os que não lembram, houve uma forte seca há época na região onde fica o Sistema Cantareira, manancial que respondia por mais de 60% do abastecimento de água dos paulistanos.  

O tamanho inicial do impacto foi equivalente à perda das águas do rio Paraíba do Sul para cariocas e fluminenses. Entretanto, ao contrário da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, São Paulo possuía outras fontes de água para o abastecimento emergencial. Esse foi o caso da pequena Represa Guarapiranga, localizada na Zona Sul da cidade de São Paulo, que chegou a responder por 50% da água fornecida para a população no auge da crise.  

Enquanto isso, grandes obras emergenciais para a construção de tubulações de transporte de água de outros reservatórios para as estações de tratamento de água foram feitas, permitindo assim aumentar gradativamente a oferta de água potável pelo sistema. Foram tempos muito complicados, mas ninguém morreu de sede. No caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, existem poucas fontes alternativas que poderiam ser usadas no fornecimento emergencial. 

Uma dessas fontes é o Aquífero Piranema, uma reserva subterrânea de água que ocupa uma área de aproximadamente 180 km² (algumas fontes chegam a falar de 500 km²) entre os municípios de Itaguaí, Queimados, Japeri e Seropédica. Esse aquífero tem capacidade de fornecer até 1,6 m³ de água por segundo para o abastecimento de populações. Porém, existem alguns problemas. 

Já faz muito tempo que essa reserva vem sendo ameaçada pela extração de areia no Distrito Areeiro Seropédica-Itaguaí. Com a abertura das cavas para extração de areia, grandes volumes de água contaminada infiltram no solo e prejudicam a qualidade do Aquífero. Outra fonte de problemas é o Aterro Sanitário de Seropédica.  

Esse aterro foi inaugurado em 2011, com o objetivo de substituir o famoso Lixão do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, e foi construído em um terreno com área total de 2 milhões de metros quadrados. Atualmente, o aterro sanitário recebe 10 milhões de toneladas diárias de resíduos sólidos gerados pelas cidades de Seropédica, Itaguaí e Rio de Janeiro. O que ninguém explica é por que as autoridades ambientais fluminenses autorizaram a construção de um aterro sanitário exatamente em cima do Aquífero Piranema. 

Outra medida importante seria a de se reduzir as perdas de água na rede de distribuição da Região Metropolitana, que hoje estão na casa dos 40%, o que permitiria maximizar o uso da pouca água disponível. Acredito também que haveria uma corrida desenfreada para a perfuração de poços artesianos. Por fim, imagino que uma boa solução seria a construção de uma grande usina para dessalinização da água do mar, o que resolveria grande parte do problema.

A grande questão seria o tempo necessário para se realizar todas essas obras – por quanto tempo a população Metropolitana conseguiria viver com um mínimo de água potável para uso no seu dia a dia? Quanto tempo essas reservas de água emergenciais poderiam ser usadas antes de se exaurirem? 

No atual e confuso cenário político/administrativo em que se encontra o Estado do Rio de Janeiro, acho que ninguém parou para pensar nisso e/ou elaborou um plano emergencial para uma situação dessas. Felizmente, falamos aqui apenas de uma hipótese, que vai se manter assim até que uma tragédia ambiental real aconteça no rio Paraíba do Sul. Que Deus nos proteja!

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