UM ”ICEBERG” QUE ATENDE PELO NOME DE CEDAE

CEDAE

Icebergs são gigantescas montanhas de gelo flutuante que representam um enorme risco para os navios (o Titanic que o diga). Normalmente se consegue ver apenas a ponta do iceberg acima da superfície da água, mas o verdadeiro risco está submerso: 80% da massa de gelo fica abaixo da superfície do mar. Se você assistiu ao filme Titanic, que conta a história do famoso transatlântico que afundou em 1912, vai lembrar que foi o impacto contra o gelo submerso que rasgou a estrutura de aço da embarcação, resultando no naufrágio do navio e na morte de 1.514 pessoas (número oficial).  

Comecei a postagem de hoje citando o iceberg como uma analogia ao que está com a CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro. Conforme mostramos em diversas postagens, as torneiras de muitos cariocas e fluminenses (estimativas falam de mais de 1,5 milhão de pessoas) têm recebido uma água turva e malcheirosa. Ao longo das postagens, mostramos os diversos problemas que acometem o rio Guandu, o principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que sofre com os males de uma poluição crônica já há várias décadas. Os problemas no abastecimento local de água, infelizmente, parecem ser muito mais profundos e, como um grande iceberg, estão escondidos sob a “superfície” das águas. 

Há cerca de duas semanas, relembrando um pouco a cronologia dos fatos, moradores de diversas localidades da Região Metropolitana passaram a reclamar da baixa qualidade das águas que chegavam às suas torneiras. As amostras de água apresentadas em diversas reportagens iam de um tom cor de chá fraco até casos com água barrenta. Representantes da CEDAE, em resposta aos questionamentos feitos por jornalistas, afirmavam que o excesso de poluição no rio Guandu estava prejudicando o tratamento da água na ETA – Estação de Tratamento de Água, homônima, mas insistiam que a água estava potável e que poderia ser consumida sem medo. 

As reclamações e as reportagens mostrando os problemas entraram numa espiral crescente. Na noite da última terça-feira, dia 14 de janeiro, o presidente da CEDAE, Hélio Cabral, anunciou a exoneração do chefe da ETA do Guandu, Júlio Cesar Antunes, uma medida que indicaria uma mudança nos procedimentos operacionais rumo à solução do problema. Também foi anunciado o início do uso de carvão ativado como elemento de filtragem extra para a água, medida que tende a eliminar os problemas criados pela presença de algas na água bruta. Mudanças são sempre bem-vindas e torçamos pelos bons resultados. 

O aparente “jogo de cena” político, entretanto, talvez não seja suficientemente profundo para resolver os problemas internos que a CEDAE vem vivendo neste último ano. O Estado do Rio de Janeiro, com imagino ser do conhecimento de todos, vem sofrendo há muitos anos de todos os males derivados de desmandos na administração pública, corrupção, perda de arrecadação fiscal, entre muitos outros. Dois ex-governadores do Estado, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, estão presos e outros dois, Anthony Garotinho e Rosinha Matheus, só estão livres graças a uma série de habeas corpus. As acusações contra eles são inúmeras: desvio de dinheiro público, prevaricação, concorrências fraudulentas, superfaturamento de obras, entre muitas outras. 

A CEDAE, uma empresa de economia mista que tem como principal acionista o Governo do Estado do Rio de Janeiro, é claro que não ficaria imune a tantos problemas. Com a chegada ao poder do Governador Wilson Witzel, um ex-juiz federal “linha dura”, em janeiro de 2019, uma série de mudanças e “limpezas” na máquina pública que foram prometidas durante a campanha passaram a ser colocadas em prática. 

O novo presidente da Estatal, Hélio Cabral, começou a mostrar serviço já nos primeiros meses de trabalho, quando demitiu 54 funcionários que ocupavam cargos de alto nível na empresa. Entre os demitidos estavam engenheiros, analistas de qualidade da água, contadores e administradores, além de um economista, um arquiteto e um geólogo. A grande maioria desses funcionários trabalhava na empresa há mais de 25 anos. A nova direção da CEDAE alegou que esses funcionários ganhavam altos salários, entre R$ 35 mil e R$ 80 mil, e ocupavam cargos apenas por indicação política. Com a saída desses funcionários, a empresa economizaria até R$ 100 milhões por ano. 

De acordo com reportagem do jornal Extra, a nova administração da CEDAE adotou uma série de medidas administrativas entre janeiro e agosto, visando maior eficiência e redução de custos:

Na área de gestão de pessoas, como redução de 37,1% dos cargos em comissão, que já resultaram na economia do equivalente a 12% nas despesas com pessoal. As despesas administrativas também foram reduzidas, com a diminuição de 25% dos gastos com transporte administrativo; de 20,9% da despesa com combustíveis; e de 44,2% do número de telefones móveis e mini-modems corporativos.” 

A empresa também criou um PDV – Programa de Demissão Voluntária, voltado para os funcionários com interesse em deixar a empresa mediante o recebimento de uma boa indenização trabalhista. O quadro de funcionários da CEDAE apresentava cerca de 5.200 empregados em novembro de 2019 e a empresa trabalhava com a expectativa de desligar cerca de 800 funcionários ou 15% da força de trabalho.

Em duas ocasiões ao longo da minha carreira profissional passei por processos vigorosos de reestruturação de empresas, onde vi muitos colegas de trabalho serem demitidos sumariamente e “sem dó” ou então induzidas a aceitar uma “demissão” voluntária – quem consegue sobreviver à degola fica traumatizado e são necessários meses até que as rotinas se restabeleçam e as coisas voltem à normalidade (se é que é possível voltar a ela). Aparentemente, muitos dos problemas que a CEDAE vem apresentando nessas duas últimas semanas estão ligados a esse clima interno de mudanças. Sendo até um pouco leviano, chego a pensar que a súbita perda de qualidade da água fornecida pela empresa aos consumidores foi fruto de descuidos propositais de funcionários – falo da boa e velha sabotagem. Por hora, porém, não há como comprovar isso.

Digo isso por que a empresa foi eleita no ranking ‘Melhores e Maiores” da Revista Exame como a “Melhor Empresa de Infraestrutura do País em 2019”, repetindo o feito de 2018 – em 2017, a empresa ficou em quarto lugar. O levantamento incluiu análises do crescimento de vendas líquidas, lucro líquido, patrimônio líquido, margens das vendas, rentabilidade e riqueza gerada por empregado, entre outros dados. Ou as informações fornecidas pela empresa à Revista Exame foram fraudulentas, como foram diversos dos Governos fluminenses anteriores, ou então os problemas estão mesmo sendo criados por funcionários – uma empresa “campeã” não desanda de uma hora para outra. 

Como estudioso dos problemas de saneamento básico e do meio ambiente, e também pelas ligações históricas da minha família com a cidade do Rio de Janeiro, faço votos para que se chegue a uma solução dessa verdadeira “novela” no menor tempo possível. Com a sensação térmica na Região Metropolitana do Rio de Janeiro superando a casa dos 50° C em alguns dias desse verão, é no mínimo desumano privar a população local do acesso a água de boa qualidade. 

A ÁGUA NOSSA DE CADA DIA, OU AINDA FALANDO DO RIO GUANDU

Fontes de água

Quem está acompanhando as últimas postagens aqui do blog já percebeu as dificuldades e os problemas para o abastecimento de água das populações da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Assim como acontece em outras grandes regiões metropolitanas como São Paulo, Nova York e Los Angeles, os mananciais de água ficam a centenas de quilômetros de distância e são necessárias grandes obras de engenharia para transportar essa água até os consumidores finais. 

No caso do Rio de Janeiro, a principal fonte de água é o sofrido rio Guandu, um manancial com nascentes na Região Serrana do Estado, que por sua vez recebe grandes volumes de água transpostos da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba do Sul. Conforme apresentamos em postagens anteriores, esses sistemas de transposição de águas entre as bacias hidrográficas foram construídos ao longo de grande parte do século XX com o objetivo de reforçar a geração de energia elétrica no Estado do Rio de Janeiro – a água que “sobra” nesses processos é lançada na direção do rio Guandu e usada para o abastecimento de aproximadamente 9 milhões de pessoas

Falamos muito também dos problemas de poluição das águas que já começam ao longo da calha do rio Paraíba do Sul e depois se acentuam na bacia hidrográfica do rio Guandu. Para conseguir tratar e potabilizar essas águas poluídas, a CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro, precisa fazer uma verdadeira “alquimia”. Prestem atenção nesta lista de produtos químicos: 

140 toneladas de sulfato de alumínio, 20 toneladas de cloreto férrico, 25 toneladas de cal virgem, 15 toneladas de cloro, 10 toneladas de ácido fluo silícico (o famoso flúor), entre outros produtos.” 

Em muitas pequenas e média cidades brasileiras, essa é a compra de insumos para vários meses de operação de suas ETAs – Estações de Tratamento de Água. No caso da ETA do Guandu, esse é o consumo diário da unidade para conseguir tratar todo o volume de água potável ali produzido. 

Considerada a maior estação de tratamento de água em produção contínua do mundo pelo Guinness Book, o livro dos recordes, em 2007, a ETA do Guandu produz uma média de 43 mil litros de água potável a cada segundo. Com essa produção toda, já seria de se esperar um grande consumo de produtos químicos nas suas operações. A intensa poluição das águas do rio Guandu, entretanto, é quem ajuda a turbinar esses números. 

Entre o final de maio e o início de junho de 2018, acho que muitos de você devem se lembrar, os caminhoneiros realizaram uma grande greve em todo o Brasil em protesto contra o aumento do preço do óleo diesel. Esse movimento prejudicou fortemente a economia do país e muitos produtos começaram a faltar no mercado, inclusive os produtos químicos consumidos pela ETA do Guandu. Se essa greve tivesse se estendido por um tempo maior, a população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro teria ficado com as torneiras secas, o que só demonstra como o tratamento e a importância dessas unidades são críticas para a nossa sociedade. 

Além do uso intensivo de produtos químicos, bombear essa quantidade tamanha de água requer o uso de muita energia elétrica – são dezenas de grupos de motobombas elétricas, onde são consumidos cerca de 45 mil MWh. Para que vocês tenham ideia do que é isso, tal quantidade de energia elétrica é suficiente para abastecer uma cidade com perto de 500 mil habitantes. 

Os processos de tratamento da água bruta, nome que se dá a água retirada dos mananciais, começam com processos mecânicos, onde o objetivo é a retirada de lixo flutuante, resíduos sólidos e sedimentos como a areia.  No caso de águas poluídas como as do rio Guandu, esses processos são bem intensos. Vejam: 

Peneiramento/Gradeamento: Elimina as sujeiras maiores (folhas, galhos e lixo) através da filtragem por grades e telas; 

Sedimentação ou Decantação: A água bruta é armazenada em tanques, onde pedaços de impurezas que não foram retirados com o peneiramento são depositados no fundo dos tanques pela ação da gravidade; 

Aeração: Ar comprimido é injetado nos tanques com o intuito de retirar substâncias responsáveis pelo mau cheiro da água como o ácido sulfídrico (substância liberada pela decomposição de esgotos) e substâncias voláteis. 

Concluído essa fase de tratamento inicial, a água precisa passar por uma série de processos químicos para a remoção das impurezas e destruição de bactérias e outros microrganismos nocivos à saúde humana. É aqui onde todo o volume de produtos químicos relacionados começam a ser utilizados: 

Oxidação: O primeiro passo é oxidar os metais presentes na água, principalmente o ferro e o manganês, que normalmente se apresentam dissolvidos na água bruta. Para isso, injeta-se cloro ou produto similar, pois tornam os metais insolúveis na água, permitindo, assim, a sua remoção nas outras etapas de tratamento; 

Coagulação: A remoção das partículas de sujeira se inicia no tanque de mistura rápida com a dosagem de sulfato de alumínio ou cloreto férrico. Estes coagulantes têm o poder de aglomerar a sujeira, formando flocos. Para potencializar o processo adiciona-se cal virgem; 

Floculação: Na floculação, a água já coagulada movimenta-se de tal forma dentro dos tanques que os flocos se misturam, ganhando peso, volume e consistência; 

Decantação: Na decantação, os flocos formados anteriormente separam-se da água, sedimentando-se, no fundo dos tanques; 

Filtragem: A água ainda contém impurezas que não foram sedimentadas no processo de decantação. Por isso, ela precisa passar por filtros constituídos por camadas de areia ou areia e antracito (variedade de carvão mineral compacto e duro) suportadas por cascalho de diversos tamanhos que retêm a sujeira ainda restante; 

Desinfecção: A água já está limpa quando chega a esta etapa. Mas ela recebe ainda mais uma substância: o cloro. Este produto é um poderoso bactericida que elimina os microrganismos nocivos à saúde ainda presentes na água, garantindo também a sua qualidade nas redes de distribuição e nas caixas de água dos consumidores. 

Fluoretação: Finalizando o tratamento, a água recebe uma dosagem de composto de flúor (ácido fluo silícico), em atendimento a portaria do Ministério da Saúde. O flúor reduz a incidência de cáries nos dentes, especialmente no período da sua formação, que vai da gestação até a idade de 15 anos. 

Quando os níveis de poluição de um manancial ultrapassam o que podemos chamar de “níveis máximos da escala”, como vem acontecendo no rio Guandu nesse verão, esses processos de tratamento convencionais não conseguem deixar a água cristalina e sem cheiro – são necessários alguns processos de tratamento extras. Os esgotos domésticos presentes na água são ricos em matéria orgânica, que dissolvida na água provoca a eutrofização, o fenômeno do crescimento excessivo de plantas aquáticas através de uma super fertilização. Quando há um excesso de micro algas na água, os processos de tratamento não conseguem ser 100% eficientes e resíduos dessas plantas aquáticas aparecem na água distribuída para a população, alterando a cor e o cheiro do líquido. 

É aqui que chegamos a um ponto fundamental da discussão: ou se aumentam e se melhoram os processos de tratamento da água nas ETAs, o que vai garantir uma purificação adequada da água, ou se faz o que já deveria estar sendo feito há muito tempo – passar a cuidar com muita atenção e carinho das fontes de água, evitando o lançamento de esgotos e lixo nos rios, lagos e represas. 

Na minha modesta opinião, essa última alternativa é a melhor, mais barata e, sem qualquer dúvida, a mais saudável para todos. Salvem o rio Guandu! 

 

PS: A CEDAE exonerou o chefe da ETA – Estação de Tratamento de Água, do Guandu, Júlio César Antunes, na noite da terça-feira, dia 14, em função dos muitos problemas que a unidade vem apresentando há mais de 10 dias

AS “CONTRIBUIÇÕES” FLUMINENSES PARA A DEGRADAÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO GUANDU, OU A CULPA NÃO É SÓ DO RIO PARAÍBA DO SUL

Distrito Areeiro de Serpédica-Itaguaí

Na postagem anterior, nós afirmamos que parte dos problemas ligados à má qualidade da água distribuída para uma parcela significativa da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro tem origem na poluição do rio Paraíba do Sul, manancial responsável por mais de 60% das águas transpostas para o rio Guandu. Lançamentos de grandes volumes de esgotos domésticos e industriais sem tratamento, destruição de matas ciliares e extração de areia, estão na origem desse problema. Entretanto, essa é apenas uma parte da tragédia ambiental. 

Dentro da sua própria bacia hidrográfica, o tratamento dispensado ao precioso líquido no rio Guandu não é dos melhores – esse rio, principal manancial de abastecimento do Estado, figura como o 15° rio mais poluído do país, fazendo companhia a verdadeiros ícones da degradação ambiental como os rios Tietê, Iguaçu, Ipojuca e das Velhas, entre outros, os ocupantes das primeiras posições dessa lamentável lista de corpos d’água poluídos. 

A transposição de águas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul em direção da Bacia Hidrográfica do rio Guandu teve início em 1903, quando a concessionária dos serviços de geração e de distribuição de energia elétrica no Estado do Rio de Janeiro, a Light and Power Company, iniciou a construção do Complexo de Lajes. Uma das primeiras intervenções hidráulicas desse complexo passou a desviar parte dos caudais do rio Piraí, um afluente do rio Paraíba do Sul, na direção da Reservatório de Lajes. Em intervenções posteriores, a Light construiu a Barragem de Santa Cecília no rio Paraíba do Sul, o que passou a permitir a transposição de cerca de metade dos caudais desse rio para reforçar a alimentação dos reservatórios de suas usinas hidrelétricas. 

Graças a todo um conjunto de obras para o aumento da disponibilidade de água nos sistemas geradores de energia elétrica da Light no Estado do Rio de Janeiro, a vazão na Bacia Hidrográfica do rio Guandu aumentou de históricos 25 m³ por segundo para até 160 m³ por segundo. Esse providencial “efeito colateral” da geração de energia elétrica literalmente salvou grande parte da população fluminense e carioca de séculos de carência de fontes de abastecimento de água, conforme apresentamos em postagens anteriores. 

Infelizmente, como é uma espécie de regra aqui no Brasil, essas “águas sagradas” não receberam o cuidado e a atenção merecido. O crescimento desordenado de cidades localizadas dentro da Bacia Hidrográfica do rio Guandu teve como consequência o aumento dos volumes de esgotos e de resíduos sólidos lançados nas águas. Resíduos de fertilizantes e de defensivos agrícolas usados em grandes quantidades em áreas agrícolas também passaram a ser carreados pelas chuvas em direção da calha dos rios formadores da bacia hidrográfica. 

A poluição de origem industrial também cresceu fortemente ao longo de todo o século XX, contribuindo fortemente para a degradação das águas de toda a Bacia hidrográfica do rio Guandu. Um verdadeiro ícone dessa poluição dentro do Estado do Rio de Janeiro é a CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, localizada na cidade de Volta Redonda. Durante décadas, a CSN despejou, direta e indiretamente, centenas de toneladas de poluentes nas águas do rio Paraíba do Sul – grande parte desses poluentes acabavam sendo transferidos para a Bacia Hidrográfica do rio Guandu através dos sistemas de transposição de águas da Light

Um dos grandes focos de problemas ambientais no rio Guandu é o Distrito Areeiro de Seropédica-Itaguaí, um dos maiores do Brasil e que está inserido dentro da bacia hidrográfica do manancial. Até a década de 1960, a economia dessa região tinha como base a agricultura, com destaque especial para a produção de laranjas. Com o crescimento das atividades de mineração, a agricultura foi perdendo relevância e a produção mineral passou a responder pela maior parte das receitas dos municípios da região. Esse crescimento descontrolado da mineração passou a criar uma série de problemas ambientais, sentidos especialmente nos recursos hídricos (vide foto). 

Seropédica e Itaguaí são dois municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, distantes cerca de 60 km do centro da capital do Estado. Até 1995, eles formavam um único município – Itaguaí; o distrito de Seropédica foi então desmembrado, passando a constituir um município independente. Entre esses dois municípios encontramos o Distrito Areeiro de Seropédica-Itaguaí, que ocupa uma área com aproximadamente 50 km², onde operam cerca de 100 empresas mineradoras, que fornecem quase 90% da areia e da brita usada pela construção civil da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.  

Além dos inúmeros problemas ambientais criados pelas cavas de extração de areia nas águas da Bacia Hidrográfica do rio Guandu, as atividades mineradoras também causam problemas no Aquífero Piranema. Esse aquífero ocupa uma área de aproximadamente 180 km² (algumas fontes chegam a falar de 500 km²) entre os municípios de Itaguaí, Queimados, Japeri e Seropédica. O Aquífero Piranema tem capacidade de fornecer até 1,6 m³ de água por segundo e tem como principal área de ocorrência o Distrito Areeiro. De acordo com estudos geológicos, o Aquífero Piranema é uma reserva estratégica de água e tem potencial para atender o abastecimento de água de toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro por um mês.   

As cavas de extração de areia ficam inundadas com as águas do Aquífero Piranema e assim ficam expostas ao contato com diversos poluentes, entre eles os combustíveis que vazam das bombas de sucção instaladas nas dragas e também pelos diversos rejeitos de mineração. Esses poluentes provocam uma deterioração na qualidade das águas, que são sentidas por moradores de diversos bairros vizinhos, que dependem exclusivamente da água retirada de poços para o abastecimento de suas casas.  

Para completar o quadro de falta de cuidado com os recursos hídricos regionais, foi construído um grande aterro sanitário no município de Seropédica, ocupando terrenos acima do Aquífero. O aterro recebeu a ingrata missão de substituir o famoso lixão do Jardim Gramacho, fechado em 2011. Atualmente, esse aterro sanitário recebe 10 milhões de toneladas diárias de resíduos sólidos gerados pelas cidades de Seropédica, Itaguaí e Rio de Janeiro. 

A somatória de tanta falta de cuidados com os recursos hídricos no Estado se reflete na péssima qualidade da água bruta que chega na ETA – Estação de Tratamento de Água, do Guandu, localizada em Nova Iguaçu. Essa unidade produz até 43 mil m³ de água tratada por segundo e abastece cerca de 80% da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Dezenas de toneladas de produtos químicos precisam ser utilizados diariamente nos processos de tratamento da água captada no rio Guandu, que antes precisa passar por processos de gradeamento e pré-filtragem para a remoção de grandes quantidades de lixo flutuante, resíduos sólidos e muita areia. 

Com os dias de forte calor do verão e também com muita chuva, a qualidade das águas do rio Guandu pioram ainda mais e os sistemas de tratamento não conseguem deixar a água incolor e sem cheiro. É por isso que muitos moradores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro estão se queixando, e com razão, da péssima qualidade da água que chega nas suas torneiras. 

A TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO PARAÍBA DO SUL PARA O RIO GUANDU, OU A GÊNESE DE UM GRANDE PROBLEMA AMBIENTAL

Rio Paraíba do Sul

Na última postagem falamos rapidamente dos problemas com a qualidade da água fornecida aos consumidores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que está chegando nas torneiras com uma cor escura e com um cheiro estranho. Esse tipo de problema normalmente é causado pela presença de algas e cianobactérias em fontes de abastecimento de água contaminadas por esgotos.  

Com a chegada dos meses de verão e de fortes períodos de chuvas, há uma tendência de aumento na quantidade de lixo e detritos carreados para a calha dos rios e represas. O forte calor também atua com um “combustível” para o crescimento de algas e multiplicação de bactérias – os sistemas de tratamento e produção de água não conseguem eliminar completamente esses contaminantes. O resultado é uma água tecnicamente potável, porém com um aspecto e cheiro ruim. 

No caso da cidade do Rio de Janeiro e de alguns municípios da Baixada Fluminense, a origem do problema está na intensa poluição do rio Guandu, o principal manancial de abastecimento de água da Região Metropolitana. O rio Guandu fornece aproximadamente 85% da água consumida pela população da cidade do Rio de Janeiro e  por cerca de 70% do consumo das populações da Região da Baixada Fluminense, especialmente nos municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti, Belford Roxo, Nilópolis, Itaguaí, Queimados e Mesquita. Porém, conforme já apresentamos, esse rio está com suas águas altamente poluídas

Entre outros problemas, o rio Guandu sofre com a baixa qualidade das águas do rio Paraíba do Sul, seu principal “fornecedor” de águas. Ao longo de várias décadas, a Light, empresa canadense de geração e distribuição de energia elétrica, realizou diversas obras hidráulicas para transposição das águas da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul em direção da bacia hidrográfica do rio Guandu. Essas águas passaram a ser usadas na geração de energia elétrica em diversas hidrelétricas da empresa no interior do Estado do Rio de Janeiro. Depois de utilizadas, essas águas correm na direção do rio Guandu e garantem o abastecimento de grande parte das populações da Região Metropolitana do Estado. 

O rio Paraíba do Sul é um curso d’água bastante discreto, sendo formado pela junção das águas de pequenos rios com nascentes nas montanhas da Serra do Mar, no Estado de São Paulo. Em tempos geológicos distantes, ele era um dos muitos afluentes formadores do  famoso rio Tietê. Graças ao afundamento de um grande bloco de rochas por forças tectônicas, o que resultou na atual configuração física do Vale do Paraíba, o rio  mudou o seu curso para o Norte e depois para o Leste, passando a correr na direção do Rio de Janeiro, onde se tornou o mais importante curso d’água do Estado. No seu caminho em direção ao Oceano Atlântico, o rio delimita grande parte da divisa entre os Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. 

Apesar de não ser um rio grande e caudaloso como seus congêneres da gigantesca Bacia Amazônica, o Paraíba do Sul sempre cumpriu o seu papel como fonte de abastecimento de água de populações, para irrigação, indústrias e também para a geração de energia elétrica. Estimativas oficiais afirmam que o rio responde pelo abastecimento de 14 milhões de pessoas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e, principalmente, Rio de Janeiro – são 12 milhões de pessoas no Estado, onde 8 milhões moram na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Mesmo com essa importância ímpar, o rio Paraíba do Sul vem sendo maltratado há várias décadas com o lançamento de grandes volumes de esgotos sem tratamento, além de receber despejos de muito lixo e resíduos sólidos de todos os tipos, resíduos de fertilizantes e de agrotóxicos, além de sofrer com a degradação de margens e destruição de matas ciliares por atividades de mineração – principalmente de areia para a construção civil. O rio Paraíba do Sul é classificado como o 5° rio mais poluído do Brasil.

De acordo com a Ana – Agência Nacional de Águas, de um total estimado de 365 milhões de m³/ano de efluentes domésticos lançados na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, apenas 54,5 milhões de m³/ano ou apenas 15% do total de efluentes recebem um tratamento adequado. Quando este dado é analisado a partir das informações de cada Estado, percebe-se uma enorme discrepância nos índices de tratamento: enquanto os municípios da área paulista da bacia hidrográfica tratam, em média, 54,3% dos efluentes domésticos, no Estado de Minas Gerais o valor cai para 7,2% e no Rio de Janeiro são 5,7%.  

Esta distorção também pode ser vista quando se compara a diferença entre os níveis de tratamento de esgotos domésticos entre municípios de uma mesma região: enquanto São José dos Campos, uma das mais importantes cidades do Vale do Paraíba, trata 89% de seus esgotos domésticos, na cidade de Cruzeiro, distante apenas 128 quilômetros a jusante (correnteza baixo), o índice de tratamento cai a 0%, o que mostra que a preocupação com o saneamento básico não é uma unanimidade nem nacional nem regional. 

Outra fonte importante de poluição nas águas do rio Paraíba do Sul são as indústrias. A região atravessada pelo rio está entre as mais industrializadas do país, destacando-se o Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo, e a cidade de Volta Redonda, no Estado do Rio de Janeiro, onde está localizada a CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, a maior usuária individual de águas do rio, com um consumo de 10 m³/s, equivalente a toda a demanda industrial no trecho paulista do rio. Entre outros problemas, essa intensa poluição das águas tem colocado diversas espécies de peixes em risco de extinção, como é o caso da piabanha.

Fundada em 1946, a CSN foi, durante décadas, uma das maiores poluidoras das águas do Paraíba do Sul. Felizmente, com os avanços da legislação ambiental e das ações de fiscalização nos últimos anos, houve uma grande evolução no controle dos despejos de poluentes pela empresa. Mesmo assim, estudos realizados na região têm encontrado contaminações no solo e nas águas subterrâneas com substâncias tóxicas e cancerígenas como bifenilas policloradas (PCBs), cromo, naftaleno, chumbo, benzeno, dioxinas, furanos e xilenos, resíduos que foram descartados clandestinamente pela empresa  em aterros ilegais antes do ano 2000 e que até os dias atuais contaminam as águas do rio Paraíba do Sul

Também precisamos falar rapidamente dos problemas criados pela extração de areia na calha e margens do rio. Durante várias décadas, os areais do Vale do Paraíba foram a principal fonte desse insumo para a indústria da construção civil das Regiões Metropolitanas de São Paulo e de Campinas. Sem maiores preocupações com a fiscalização das autoridades estaduais, os areeiros devastaram imensas áreas de matas ciliares para atingir os valiosos depósitos de areia e deixaram no seu lugar gigantescas crateras, que foram abandonadas após o esgotamento do recurso. Sem qualquer compromisso com a recuperação dessas áreas, esses areeiros simplesmente partiam em busca de “terras virgens” para a instalação de novas cavas. Só bem recentemente, após o endurecimento da legislação ambiental no país, é que a atividade passou a ter um controle maior.

Cavas de areia no rio Paraíba do Sul

De acordo com estudos da AGEVAP – Associação Pró-Gestão da Bacia Hidrográfica do rio Paraíba do Sul, somente para atender as determinações do Código Florestal e garantir a recuperação mínima da cobertura vegetal na região (vide foto no alto), será necessário o plantio de 583 mil hectares de matas, algo equivalente a 147 vezes a área da Floresta da Tijuca. Os custos estimados para essa iniciativa superam a casa de RS 1 bilhão. Também se fazem necessários pesados investimentos em sistemas de coleta e tratamento de esgotos, de coleta e destinação de resíduos sólidos, no tratamento de efluentes industriais, entre outras iniciativas, visando a recuperação dos caudais e da qualidade das águas do rio Paraíba do Sul.

Enquanto nada disso é feito, as águas sofridas e poluídas do rio Paraíba do Sul continuam sendo responsáveis por mais de 60% dos caudais transferidos para a bacia hidrográfica do rio Guandu e pelo abastecimento de milhões de cariocas e fluminenses. Continuaremos no assunto na próxima postagem. 

OS PROBLEMAS COM A ÁGUA “POTÁVEL” NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO

Água potável no Rio de Janeiro

No início desta última semana, enquanto pesquisava vídeos na internet, me deparei com um link que permitia assistir um dos principais telejornais matutinos da cidade do Rio de Janeiro. Curioso, cliquei no link e passei a acompanhar as reportagens. Além de mostrar o grande número de turistas que estavam curtindo as praias locais nessas férias de verão, as reportagens falavam dos muitos problemas de infraestrutura da cidade. Uma reportagem que se destacou apresentava moradores de alguns bairros do subúrbio, que nós paulistanos chamamos de periferia, mostrando a cor escura da água “potável” que estava saindo de suas torneiras (vide foto). 

A certa altura da matéria, um outro repórter entrevistava ao vivo um diretor da CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro, que jurava de “pés juntos” que aquela água era “100% potável e que poderia ser bebida e usada com total segurança”. A partir daquele momento, passei a observar um grande número de acessos a este blog, com leitores buscando informações sobre o rio Guandu, o principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. 

Relembrando um pouquinho da história local, a Baía da Guanabara foi descoberta em 1° de janeiro de 1502 pela expedição exploratória de Gaspar Lemos. Algumas fontes históricas afirmam que os exploradores imaginaram que a baía alongada era a foz de um grande rio e por isso a região acabou sendo batizada com o nome de Rio de Janeiro. Após um breve período de ocupação por franceses, a região foi retomada por tropas lideradas por Estácio de Sá, que fundou no local a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em 1º de março de 1565. Apesar da palavra “rio” fazer parte do nome da região, os moradores locais sempre tiveram problemas com o abastecimento de água. 

Dotada de belezas deslumbrantes em seus horizontes como a Baía da Guanabara, as elegantes montanhas e as muitas praias de águas mornas, a região onde foi fundada a cidade do Rio de Janeiro sempre careceu de fontes abundantes de água potável. Durante os dois primeiros séculos da história da cidade, as nascentes de águas que vertiam das montanhas conseguiram atender satisfatoriamente a população, apesar de alguns problemas durante a época das secas. A partir de 1808, quando a Família Real Portuguesa e sua corte vieram se refugiar no Brasil fugindo das tropas invasoras de Napoleão Bonaparte, a cidade do Rio de Janeiro sofreu uma verdadeira explosão populacional, agravando os problemas de abastecimento de água. 

As antigas nascentes nas montanhas e serras há muito já vinham sofrendo com a destruição da cobertura florestal e já não tinham produção de água suficiente para atender as necessidades crescentes da população da cidade. Data da década de 1820 a decisão de se desapropriar as primeiras terras na região da Tijuca para reflorestar as nascentes de água potável, cada vez mais escassas. Acreditava-se, de forma empírica, que o reflorestamento aumentaria o volume dos riachos. E foi revegetando as encostas da Tijuca que se reparou, em parte, os danos causados pela remoção indiscriminada de toda a sua vegetação para se produzir, sucessivamente, cana-de-açúcar, café, lenha e carvão vegetal e, finalmente, abrigar a produção de alimentos e a criação de animais destinados ao consumo da crescente população.  

Ao longo das décadas de 1820 e 1830, a cidade do Rio de Janeiro enfrentou vários períodos de seca prolongada, com grande escassez de água potável e grandes problemas para a dispersão do esgoto residencial que se acumulava nos canais. Surgia na opinião pública da cidade uma forte pressão sobre os governantes para a adoção de políticas para o aumento da capacidade dos sistemas de produção de água. A partir de 1845 inicia-se, de fato, o trabalho sistemático de recomposição florestal das encostas da Tijuca e as desapropriações de fazendas se intensificaram. As primeiras experiências de reflorestamento haviam apresentado ótimos resultados e partia-se, agora, para um aumento na escala nas intervenções florestais. 

A partir de 1861, por ordem do imperador Dom Pedro II, grandes fazendas na região da Tijuca foram desapropriadas e iniciou-se um processo contínuo de reflorestamento em grande escala. A realização deste trabalho foi confiada ao Major Manuel Gomes Archer que, de forma totalmente amadorista e sem nenhum critério científico, iniciou os trabalhos de plantio de árvores.  

Contando com uma pequena equipe de trabalhadores, entre escravos e assalariados, foram plantadas ao longo de 13 anos mais de 100 mil mudas de árvores, especialmente de espécies da Mata Atlântica, que ainda resistia em pequenos fragmentos florestais. Ao longo de várias décadas, os trabalhos de reflorestamento foram sendo ampliados e a oferta de água potável se estabilizou – o abastecimento da crescente população ficou garantido até a criação de novos sistemas produtores a partir do final do século XIX. A salvadora Floresta da Tijuca, com uma área total de quase 4 mil hectares atualmente, é considerada a maior floresta urbana artificial do mundo

A solução “definitiva” para resolver a demanda por água potável na cidade do Rio de Janeiro e em alguns municípios da Baixada Fluminense passou a ser resolvida com a construção de usinas hidrelétricas no interior do Estado do Rio de Janeiro pela empresa canadense Light and Power. Desde de sua chegada ao Brasil nos últimos anos do século XIX, a Light já vislumbrava o mercado de geração e distribuição de eletricidade no Rio de Janeiro e, desde 1903, já realizava estudos técnicos para a implantação de usinas hidrelétricas no Estado. Após obter a concessão para operar no Rio de Janeiro em 1905, a Light iniciou a construção da Represa de Ribeirão das Lajes e da Usina de Fontes, inauguradas em 1908.  

Até a década de 1950, a Light realizou diversas obras visando aumentar sua capacidade geradora, inaugurando novos reservatórios, usinas e, especialmente, estações de bombeamento que captavam água da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul que, após a passagem por diversos grupos geradores de eletricidade, eram lançadas na bacia do Rio Guandu (mais de 60% das águas deste rio são retiradas da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul). Graças à todas essas obras de engenharia, a vazão do Rio Guandu passou dos históricos 25 m³/s para até 160 m³/s, um volume de água que passaria a ser fundamental para o abastecimento da cidade do Rio de Janeiro e municípios da Baixada Fluminense.  

O desconhecido rio Guandu, que até então era um típico riozinho com nascentes no alto da serra e foz na Baía de Sepetiba, acabou sendo transformado no principal manancial de abastecimento do Estado do Rio de Janeiro. O sistema produtor de águas do rio Guandu atende aproximadamente 85% da população da cidade do Rio de Janeiro e cerca de 70% das populações da Região da Baixada Fluminense, especialmente nos municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti, Belford Roxo, Nilópolis, Itaguaí, Queimados e Mesquita

Infelizmente, como é usual em nossas relações com os rios e outros corpos d’água aqui no Brasil, o Rio Guandu passou a sofrer com a alta carga de esgotos in natura lançadas por dezenas de cidades, vilarejos e indústrias ao longo de seu curso. O rio também passou a ser o destino final de toneladas de fertilizantes e defensivos químicos de áreas agrícolas, que acabam carreadas para a sua calha pelas chuvas. Grandes volumes de lixo e resíduos sólidos de todos os tipos, descartados sem maiores cuidados pela população, completam o quadro de desolação das águas. Nas últimas décadas, o rio Guandu entrou para a lista dos rios mais poluídos do país, fazendo companhia aos rios Tietê, Iguaçu, Ipojuca, das Velhas e tantos outros corpos d’água destruídos pela ação humana. 

É justamente essa intensa poluição quem está por trás da cor escura da água “potável” que está chegando às torneiras de cariocas e fluminenses. Explicaremos isso melhor na próxima postagem. 

AS “CABEÇAS D’ÁGUA” EM GUAPÉ E AS TRÁGICAS MORTES DE TURISTAS

Cabeça d'água

Na última quarta-feira, dia 1° de janeiro, um grupo de turistas que visitava o Parque Ecológico do Paredão, localizado a cerca de 15 km da cidade de Guapé, no Estado de Minas Gerais, foi surpreendido por uma forte “cabeça d’água” – três pessoas morreram afogadas. A “cabeça d’água” ou “cabeça de água” é um fenômeno provocado por fortes chuvas localizadas, o que resulta num aumento rápido e violento do nível de um rio ou cachoeira, o que pode surpreender banhistas mais distraídos. 

O Parque Ecológico do Paredão é famoso por suas cachoeiras, que atraem um grande número de banhistas nos dias quentes do verão, justamente a época em que as fortes chuvas são comuns e também a formação repentina das “cabeças d’água”. Os turistas que morreram no Parque estavam em uma cachoeira localizada em um grotão, uma fenda aberta entre paredões rochosos, e não tiveram chance de fugir com a chegada brusca de um grande volume de água, que inundou rapidamente o local e arrastou as vítimas. A foto que ilustra esta postagem mostra uma cachoeira em um dia tranquilo e a o mesmo local após ser atingido por uma “cabeça d’água”. Observe na foto que há um grupo de banhistas ilhados em uma pedra.

Quando eu era adolescente, talvez com 14 ou 15 anos de idade, testemunhei um desses fenômenos no rio Branco de Cima, um curso de água localizado no extremo Sul do Município de São Paulo dentro do Parque Estadual da Serra do Mar. Eu participava de um clube de escoteiros há época e estávamos realizando uma caminhada por uma das trilhas da região, famosa por possuir um dos maiores e mais ricos fragmentos preservados da Mata Atlântica.  

Nosso grupo estava terminando a decida da Trilha dos Índios, um declive de mais de 500 metros entre o alto do Planalto de Piratininga e a planície costeira, quando desabou um fortíssimo temporal. Em menos de dez minutos, testemunhamos o nível do pacato rio Branco de Cima subir mais de 2 metros e se transformar num violento e assustador turbilhão de águas. Nossa trilha naquele dia nos levaria a cruzar o rio e sempre me perguntei o que teria acontecido com nosso grupo se tivéssemos sido surpreendidos por aquela “cabeça d’água” no meio da travessia … 

Mortes de banhistas devido a essas enchentes repentinas ocorrem com relativa frequência em regiões interioranas do país, onde são comuns as tempestades de verão. Sem contar com praias para se refrescar nos dias quentes, as populações buscam os pequenos rios, especialmente aqueles com trechos de cachoeiras, onde é comum a formação de piscinas naturais. Enquanto os banhistas se divertem distraidamente, um temporal localizado pode estar caindo a poucos quilômetros de distância e selando a sorte dessas pessoas. 

Foi exatamente o que aconteceu com as lendárias Três Marias – as irmãs Maria Francisca, Maria das Dores e Maria Geralda, que viviam nas margens do rio São Francisco, no local onde existe atualmente a Represa de Três Marias. Contam as histórias do lugar que havia uma hospedaria familiar que era administrada pelas três irmãs. O local era conhecido popularmente com a Hospedaria das Três Marias. Certo dia, as três irmãs foram nadar no rio, sendo surpreendidas por uma repentina “cabeça d’água”, que chegou aumentando bruscamente a correnteza e o volume das águas do São Francisco. A três irmãs acabaram morrendo afogadas e toda a região passou a ser conhecida pelo nome de Três Marias. 

Se você fizer uma rápida pesquisa na internet, encontrará diversas notícias de mortes provocadas por “cabeças d’água por todo o país. No final de janeiro de 2017, um homem morreu afogado e outros três ficaram ilhados no rio Nhundiaquara, no litoral do Estado do Paraná. O grupo se refrescava no rio quando foi surpreendido pelo aumento brusco do nível da água, que além da força da correnteza arrastava uma grande quantidade de detritos.  

No final de 2018, cinco pessoas morreram afogadas na Cachoeira do Zé Pereira, na região da Serra da Canastra, interior de Minas Gerais. Essa é uma região repleta de cachoeiras e rios de águas cristalinas, que atraem milhares de banhistas nos dias mais quentes. Os acidentes com as “cabeças d’água” são muito frequentes na região e as unidades do Corpo de Bombeiros costumam ficar em alerta máximo nas temporadas de verão. 

Um outro caso que teve forte repercussão na imprensa ocorreu em janeiro de 2019 no município de Itatiaia, na região serrana do Estado do Rio de Janeiro. Uma forte chuva atingiu o Parque Nacional de Itatiaia, levando a um rápido aumento do nível do rio Campo Belo. A enchente chegou rapidamente a um trecho de cachoeiras do rio, chamado pelos locais de Paraíso Perdido, pegando de surpresa um grupo de turistas que estava no local – 4 pessoas morreram afogadas. 

Muita gente, inclusive nos meios jornalísticos costuma confundir as “cabeças d’água com as trombas d’água, um fenômeno diferente que é formado quando fortes ventos em rotação atingem um corpo d’água e formam uma coluna de água no ar. As trombas d’água costumam durar poucos minutos e desaparecem repentinamente, sem causar maiores estragos. Já os estragos provocados pelas bruscas enchentes criadas pelas “cabeças d’água” costumam se estender por dezenas de quilômetros de margens, deixando muita destruição pelo seu caminho. 

Uma das formas de se evitar acidentes mais graves provocados por essas enchentes seria a instalação de sensores de nível ao longo das calhas de rios onde as cabeças d’água costumam ocorrer com maior frequência. Ao menor sinal de aumento do nível e da intensidade das correntezas, esses sensores disparariam alarmes de alerta para os banhistas. Infelizmente, vivemos no país das tragédias anunciadas e é difícil imaginar que alguma autoridade venha a se preocupar com a criação de sistemas de segurança deste tipo. 

Na falta de sistemas de alerta automáticos, cabe aos banhistas de plantão um olhar apurado para o horizonte na busca de nuvens escuras de tempestades. Caso se aviste ou se suspeite de alguma chuva mais forte na região, se afaste da água e procure um ponto mais alto para se abrigar. Esse cuidado poderá prejudicar o seu banho refrescante no rio ou na cachoeira, mas poderá salvar a sua vida. Uma enchente criada por uma “cabeça d’água” costuma ser muito rápida – se você for atingido por uma delas, mal terá tempo de iniciar uma reza antes de ser arrastado pela força das águas. 

Cuidem-se e curtam o verão!

480 MILHÕES DE ANIMAIS JÁ MORRERAM NOS INCÊNDIOS FLORESTAIS DA AUSTRÁLIA

Cavalo fugindo de incêndio na Austrália

Os incêndios florestais no Sul e Sudeste da Austrália continuam consumindo grandes extensões de matas e florestas – cerca de 4 milhões de hectares já foram destruídos. A grande quantidade de fuligem e cinzas resultantes dos incêndios também estão colocando sob risco as represas que abastecem grandes cidades do Estado de Nova Gales do Sul, o mais impacto pela tragédia. As últimas notícias do país, divulgadas há pouco pela edição digital da Revista Veja ampliam ainda mais o tamanho da tragédia – perto de meio bilhão de animais já morreram, vitimados pelos incêndios e pela fumaça. O destaque trágico é a população de coalas, espécie de mamífero marsupial nativo do país, que já perdeu quase um terço do total de animais. Leiam a íntegra da matéria:

 

Meio bilhão de animais foram mortos nos incêndios na Austrália

Cerca de 30% da população de coalas foi dizimada pelas chamas desde setembro e, ao todo, 17 pessoas perderam suas vidas

“Ecologistas da Universidade de Sydney, na Austrália, estimam que cerca de 480 milhões de animais – incluindo mamíferos, pássaros e répteis – morreram em decorrência dos incêndios florestais que assolam o país desde setembro. Milhares de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas e, até o momento, 17 mortes humanas foram confirmadas. Cerca de 4 milhões de hectares foram destruídos pelas chamas.

Os coalas foram uma das espécies mais atingidas pelas chamas. A ministra do Meio Ambiente, Sussan Ley, disse em uma entrevista para a rádio ABCque 8.000 foram mortos, o que abrange 30% da população desses animais em Nova Gales do Sul, o Estado australiano que mais sofre com os incêndios.

Vídeos e fotos de animais correndo por suas vidas ou pedindo água à humanos tomaram as redes sociais da Austrália. Em um vídeo publicado pela imprensa local, cangurus são avistados fugindo às pressas das chamas que se alastravam rapidamente. Em outro, bombeiros dão água a um coala sedento em uma área próxima do fogo.

Em novembro de 2019, um vídeo do resgate de um coala viralizou nas redes sociais. As imagens mostraram uma mulher entrando na floresta em chamas após ter avistado o animal vagando e chorando por conta dos ferimentos. Batizado como Ellenborough Lewis, o coala foi sacrificado pouco tempo depois por causa das queimaduras sofridas.

 

Fuga de milhares

O governo australiano iniciou o deslocamento de milhares de pessoas em várias cidades da costa sudeste da Austrália e declarou estado de emergência no Estado de Nova Gales do Sul.

“A prioridade hoje é combater incêndios e deixar as pessoas em segurança”, disse o primeiro-ministro, Scott Morrison, a repórteres em Sydney. “Há partes tanto de Vitória quanto de Nova Gales do Sul que foram completamente devastadas, com perda de energia e comunicações”.

Oito pessoas foram mortas por incêndios florestais nos dois Estados desde segunda-feira 31, e mais 18 ainda estão desaparecidas. Atualmente, o governo apenas confirma 17 mortes, no total.

Morrison é criticado dentro de seu país. Negacionista da mudança climática, disse que não voltará atrás em sua política ambiental. Em uma visita a cidade de Cobargo, onde três pessoas morreram e dezenas perderam suas casas, o primeiro-ministro foi chamado de “idiota” e informado que não era bem vindo. Morrison abandonou rapidamente o local.

A Austrália vive uma das suas piores crises climáticas com os incêndios florestais e uma onda de calor que atinge facilmente os 40° durante o dia. A fumaça liberada pelas labaredas transformou o dia em noite em Sydney, uma das principais cidades do país.

A fuligem transformou o azul do céu da cidade de Mallacoota em vermelho, tal qual um cenário apocalíptico, enquanto milhares de pessoas abandonavam suas casas.

Mas a fumaça não ficou restrita à Austrália. Na Nova Zelândia, a fuligem dos incêndios posou sobre as geleiras localizadas na porção sul do país. Montanhistas registraram na quarta-feira 1 a súbita mudança da cor da neve: do branco ao marrom.

Não há trégua à vista para os bombeiros que combatem as chamas. A previsão é que as temperaturas no país ultrapassem os 40° no fim de semana, o que pode ocasionar o aumento das labaredas. Até o momento, 916 casas foram destruídas, 363 danificadas e 8.159 foram salvas, segundo o Serviço de Incêndio Rural.”

(Com Reuters)