O RISCO DE EXTINÇÃO DA PIABANHA DO RIO PARAÍBA DO SUL

Piabanha

A degradação dos recursos hídricos é uma triste realidade em praticamente todas as regiões do mundo. Entre os principais vilões dessa verdadeira tragédia socioambiental estão os desmatamentos, a poluição das águas por esgotos domésticos e industriais, a agricultura, a construção de represas de usinas hidrelétricas, a mineração, entre outras atividades humanas. De todas as criaturas vivas que tem as águas como habitat, onde se incluem mamíferos aquáticos, crustáceos, répteis e anfíbios, os peixes estão entre os que mais sofrem os impactos. Uma espécie brasileira que exemplifica esse drama é a piabanha do rio Paraíba do Sul

O rio Paraíba do Sul tem pouco mais de 1.100 km de extensão e atravessa três dos mais importantes Estados brasileiros: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Apesar de estar muito longe da lista dos maiores rios do país, o Paraíba do Sul se destaca como um dos rios mais importantes – suas águas são responsáveis pelo abastecimento de mais de 16 milhões de pessoas em dezenas de cidades nesses três Estados. No Estado do Rio de Janeiro, o rio Paraíba do Sul é o maior e mais importante manancial de abastecimento da população. Na cidade do Rio de Janeiro e em alguns municípios da Baixada Fluminense, as águas do rio Paraíba do Sul, que são desviadas através de um complexo sistema de transposição entre bacias hidrográficas e conduzidas através do rio Guandu, cerca de 12 milhões de pessoas recebem essas águas todos os dias através de suas torneiras

Apesar dessa importância ímpar, o Paraíba do Sul é considerado o 5° rio mais poluído do país. São imensos volumes de esgotos domésticos e industriais lançados em suas águas todos os dias, além de resíduos de mineração, de pesticidas e fertilizantes agrícolas e, muito pior – 5 barragens dividiram a sua calha em segmentos isolados, prejudicando o livre fluxo das comunidades aquáticas ao longo do rio. 

Para que todos comecem a entender o drama de muitas dessas espécies aquáticas, vejam o significado do nome do rio – a palavra paraíba é de origem tupi e indica “um local pedregoso ou áspero”, uma definição muito precisa de um rio de correntezas fortes, com leito pedregoso e muito encachoeirado. As nascentes dos rios Paraibuna e Paraitinga, formadores do rio Paraíba do Sul, estão localizadas numa altitude de 1.800 metros na Serra da Bocaina, interior do Estado de São Paulo. Extensos trechos do rio apresentam (ou apresentavam) águas com correnteza forte e calha acidentada, características que favorecem a sobrevivência de peixes musculosos e possuidores de grande habilidade para vencer obstáculos ao nadar contra a correnteza.

A piabanha (Brycon insignis), que em algumas fontes é chamada de piabinha, um peixe voraz e extremamente adaptado a águas correntes e frias, é uma espécie de peixe típico do rio Paraíba do Sul. A espécie pode atingir um comprimento de 80 cm e um peso de até 10 kg, tendo sido uma das espécies comerciais mais importantes do rio (vide foto). Histórias de antigos pescadores contam que a piabanha é um peixe brigador quando pego no anzol, dando muito trabalho para ser retirado da água

Como acontece com outras espécies de peixes migratórios, a piabanha precisa subir o rio, lutando ferozmente contra a correnteza e as quedas d’água na época das cheias, em busca de lagoas marginais com águas calmas nas cabeceiras dos rios, ambientes ideais para a sua reprodução. De acordo com observações científicas, a desova do peixe ocorre entre os meses de dezembro e fevereiro – suas ovas são incubadas em remansos e várzeas. Predadora voraz, a piabanha come de tudo: peixes pequenos na fase juvenil e frutos, flores e sementes na fase adulta. 

De acordo com dados da antiga Divisão de Proteção e Produção de Peixes e Animais Silvestres, um departamento de proteção à vida silvestre que existia no governo paulista, no ano de 1951 foram pescadas 373 toneladas de peixes de 26 espécies diferentes no trecho paulista do rio Paraíba do Sul – deste total, 15 toneladas eram de piabanhas; em 1950, foram pescadas 24 toneladas de peixes desta espécie; atualmente, a piabanha está praticamente extinta nas águas do rio Paraíba do Sul dentro dos limites do Estado de São Paulo e só são encontradas em alguns trechos do rio e em alguns afluentes no Estado do Rio de Janeiro. Além da poluição das águas, são as barragens construídas ao longo do rio Paraíba do Sul as principais responsáveis pelo desaparecimento da espécie a montante do rio. 

Com a construção da barragem da Usina Hidrelétrica Ilha dos Pombos no rio Paraíba do Sul em meados da década de 1920, criou-se o primeiro obstáculo para a subida de peixes como a piabanha em direção as nascentes dos rios. Na área da barragem, onde as águas são calmas e repletas de sedimentos, formou-se um tipo de ambiente diferente, definido em biologia como lêntico ou de águas paradas (águas correntes formam os chamados ambientes lóticos), com características adequadas para outras espécies de peixes. A concentração de partículas de sedimentos em suspensão nas águas de ambientes lênticos dificulta a penetração da luz solar, o que reduz a produção e o crescimento de plantas aquáticas, fonte primária da cadeia alimentar do rio; o ambiente também passa a apresentar concentrações menores de oxigênio dissolvido na água – as espécies nativas, habituadas a outras condições ambientais, ou morrem ou migram para outros trechos do rio.  

Esses novos ambientes aquáticos se mostraram adequados à introdução de novas espécies, como o dourado (Salminus maxillosus), originário da bacia do rio Paraná e introduzido na bacia do rio Paraíba do Sul em 1946, além de tilápias e bagres de origem africana e tucunarés da bacia do rio Amazonas, entre outras. O isolamento das populações de peixes de uma mesma espécie em diferentes ambientes por causa das barragens das represas, resultou, no longo prazo, numa redução da diversidade genética dos indivíduos, característica essencial para a sobrevivência de uma espécie. A soma de todos estes problemas resultou numa redução drástica dos estoques de peixes em diversos trechos do rio Paraíba do Sul. Sem considerar o prejuízo biológico para o ecossistema fluvial, irreversível para muitas espécies, essa redução dos volumes de peixes inviabilizou as atividades de milhares de pescadores profissionais que tiravam o seu sustento das águas do rio Paraíba do Sul. 

Só para relembrar a importância da pesca na calha do Paraíba do Sul, um dos eventos religiosos mais importantes da história do Brasil ocorreu em 1717, quando um grupo de pescadores retirou com suas redes, em ocasiões e lugares diferentes, os fragmentos de uma imagem de Nossa Senhora das águas do rio. Esse evento, considerado milagroso, deu origem ao culto à Nossa Senhora Aparecida, que foi transformada na padroeira do Brasil. No local dessa descoberta, que foi um dos mais piscosos entre todos os rios brasileiros, uns poucos pescadores, que ainda insistem na profissão, têm de se esforçar muito para capturar alguns poucos peixes atualmente. 

Além de peixes como a piabanha, existe uma lista com 40 espécies de vertebrados ameaçadas de extinção na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. A lista inclui quelônios (tartarugas aquáticas), lagostas e camarões de água doce, estas últimas são espécies de grande valor comercial. Uma das espécies em sério risco de extinção é o cágado-de-hogei, uma espécie só encontrada na bacia do rio Paraíba do Sul, fato que causa muita preocupação entre os especialistas e autoridades ambientais. A escassez de peixes nas águas do Paraíba do Sul é tão intensa que, em alguns trechos, os exemplares comercializados em mercados ou servidos em restaurantes de cidades nas margens do rio são espécies exóticas criadas em cativeiro. 

Uma das alternativas para a resolução destes problemas seria a adoção das chamadas “escadas para peixes”, que permitem que os animais consigam transpor os obstáculos físicos ao longo do curso do rio, além da adoção de programas de captura e transporte de peixes de uma região para outra. Infelizmente, há uma diversidade de atores diferentes atuando na bacia do rio Paraíba do Sul: empresas geradoras de energia (Light, CESP, CEMIG, entre outras), de governos estaduais e municipais, de empresas usuárias das águas do rio e populações. Sem conseguir que todos se articulem de maneira organizada, o rio continua sofrendo imensamente. 

Em meio a todos esses grandes problemas, infelizmente, as piabanhas do rio Paraíba do Sul viraram história de pescador… 

3 Comments

  1. […] Outra fonte importante de poluição nas águas do rio Paraíba do Sul são as indústrias. A região atravessada pelo rio está entre as mais industrializadas do país, destacando-se o Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo, e a cidade de Volta Redonda, no Estado do Rio de Janeiro, onde está localizada a CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, a maior usuária individual de águas do rio, com um consumo de 10 m³/s, equivalente a toda a demanda industrial no trecho paulista do rio. Entre outros problemas, essa intensa poluição das águas tem colocado diversas espécies de peixes em risco de extinção, como é o caso da piabanha. […]

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