TRÊS MARIAS: A MAIOR REPRESA COM BARRAGEM EM ATERRO DO MUNDO DA SUA ÉPOCA

Represa de Três Marias

A Represa de Três Marias (vide foto), no Alto rio São Francisco, foi concluída em 1961 e já foi entrando para o “livro dos recordes” na época: com cerca de 2,7 km de extensão, era a represa com maior barragem do mundo construída pelo sistema de aterro. Com 76 metros de altura, a barragem formou uma represa com aproximadamente 1.100 km² e capacidade para armazenar cerca de 21 bilhões de m³ de água. Entre as principais justificativas para a construção da represa estava a regularização dos caudais do rio São Francisco nos meses de seca, o que garantiria à época a continuidade dos importantes serviços de navegação, além da operação contínua das Usinas Hidrelétricas de Paulo Afonso

Dentro do conceito de uso múltiplo das águas do rio, Três Marias também abrigava uma Usina Hidrelétrica, com capacidade inicial de geração de 65 MW e com linhas de transmissão de 300 mil Volts para o sistema elétrico da região Central de Minas Gerais e de 138 mil Volts para a região Norte do Estado, para a região de Patos e Patrocínio e, eventualmente, interligando com a linha de transmissão de Peixotos a Araxá. A potência instalada da Hidrelétrica foi sendo ampliada, atingindo uma capacidade total de 396 MW

Quando comparada a outras usinas hidrelétricas com área de lago semelhante, a produção de energia elétrica em Três Marias é considerada muito baixa. Uma comparação possível, mas não totalmente perfeita devido à diferença entre os caudais do rio Paraná em relação ao rio São Francisco, é com a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, na divisa entre os Estados de São Paulo e do Mato Grosso do Sul. Essa Usina possui um lago com uma área de 1.195 km² e têm uma potência instalada total de 3,44 mil MW. No mesmo rio São Francisco, a Usina Hidrelétrica de Xingó, na divisa entre os Estados de Alagoas e de Sergipe, que tratamos na nossa última postagem, tem uma potência instalada de 3,16 mil MW, contando ainda com espaço para a instalação de novos grupos geradores e aumento da capacidade de produção.  

O empreendimento está localizado no Município de Três Marias, a cerca de 280 km da capital do Estado, Minas Gerais, uma distância considerável para a péssima qualidade das estradas na época da construção. Contam as histórias do lugar que havia uma hospedaria familiar próxima ao rio São Francisco, que era administrada por três irmãs: Maria Francisca, Maria das Dores e Maria Geralda. O local era conhecido popularmente com a Hospedaria das Três Marias. Certo dia, as três irmãs foram nadar no rio, sendo surpreendidas por uma repentina “cabeça de enchente”, que chegou aumentando bruscamente a correnteza e o volume das águas do São Francisco. A três irmãs acabaram morrendo afogadas e toda a região passou a ser conhecida pelo nome de Três Marias

O rio São Francisco, como já comentamos em diversas postagens anteriores, têm suas nascentes localizadas, majoritariamente, em áreas de Cerrado, um bioma que apresenta apenas duas estações distintas – um período de seca e outro de fortes chuvas. Na época das chuvas, esses rios apresentam caudais substanciais, que lançam grandes volumes de água na calha do rio São Francisco, que tem seu nível fortemente elevado. Quando chega o período da seca, os afluentes e rios formadores do São Francisco minguam e os caudais do rio baixam consideravelmente. Em diversos pontos, a calha do rio São Francisco passava a apresentar grandes afloramentos rochosos, como na região de Pirapora, no Norte de Minas Gerais, além de inúmeros bancos de areia. Esses obstáculos se transformavam em verdadeiras armadilhas para as embarcações. 

Um dos principais trechos navegáveis do rio São Francisco ligava as cidades de Pirapora, no Norte de Minas Gerais, a Juazeiro, no Norte da Bahia, e Petrolina, em Pernambuco, um caminho de águas com mais de 1.350 km de extensão. Antes da abertura de grandes rodovias e da popularização dos transportes rodoviários, o Velho Chico ou, o “rio da integração nacional”, era uma importante via para o transporte de cargas e de passageiros, com inúmeras empresas e embarcações operando no rio. Um dos símbolos mais contemporâneos dessa fase é o navio vapor Benjamin Guimarães que, ao longo de grande parte do século XX operou nesse trecho do São Francisco. O lendário vapor, tombado pelo Patrimônio Histórico e Cultural do Estado de Minas Gerais, hoje jaz ancorado em um estaleiro aguardando uma reforma e melhorias nos caudais do rio São Francisco. 

Grupos políticos de Minas Gerais e da Bahia, preocupados com os problemas criados no período da seca e com as profundas repercussões econômicas desencadeadas em toda a calha do rio São Francisco, trabalharam fortemente junto à CVSF – Comissão do Vale do São Francisco, uma autarquia criada em 1948 para tratar de questões para o desenvolvimento da região. Também houve um forte lobby junto ao Governo Federal, que na época do início da construção da Represa de Três Marias – 1957, estava nas mãos do mineiro Juscelino Kubitschek. Essa combinação de esforços resultou num projeto que atendia tanto as necessidades de regularização das vazões do rio São Francisco quanto a necessidade de geração de energia elétrica para um país em forte desenvolvimento econômico no período. 

A construção de Três Marias foi fruto de um acordo entre a CEMIG – Centrais Elétricas de Minas Gerais, que depois teve seu nome alterado para Companhia Energética de Minas Gerais, e da CVSF. A energia elétrica produzida na Usina Hidrelétrica seria direcionada principalmente para empresas do setor metalúrgico de Minas Gerais, em especial, as empresas Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, Companhia Siderúrgica Mannesmann e USIMINAS, além de outras empresas menores dos setores de alumínio e zinco. Além dos benefícios diretos criados pela energia elétrica gerada em Três Marias, os defensores da obra fizeram um grande trabalho de divulgação junto aos seus eleitores sobre os benefícios criados pelo controle das vazões do rio São Francisco no combate às secas frequentes na Região Norte de Minas Gerais e no sertão Nordestino. Com a estabilidade dos caudais do rio, grandes projetos de irrigação poderiam ser desenvolvidos em todo o semiárido brasileiro. A navegação também estava garantida. 

Para a realização desse verdadeiro “mega projeto” na época, foram mobilizados cerca de 3.500 trabalhadores, organizados em dois turnos de dez horas, e 500 técnicos especializados, onde se incluíam engenheiros, capatazes e pessoal administrativo. Para comportar tanta gente em uma região tão isolada, foi construída uma cidade temporária para acomodar cerca de 10 mil habitantes. Essa estrutura era dotada de diversos serviços públicos como escolas e hospital, além de centro comercial e clube. Contava também com 26 grandes alojamentos para solteiros, 122 residências e 2 centros administrativos. Foi criada também uma vila com 650 casas para trabalhadores casados, que se tornaria o embrião da cidade de Três Marias. Como é comum nesse tipo de empreendimento, trabalhadores de todo o país foram atraídos para a obra e, grande parte, acabou fixando residência na região depois de concluídos os trabalhos. 

Já na década de 1970, com a construção de inúmeras rodovias e com a popularização dos transportes de carga por caminhão e de passageiros por meio de ônibus, a navegação nas águas do rio São Francisco perdeu relevância. A construção de usinas hidrelétricas em outros grandes rios brasileiros, pouco a pouco também passou a ofuscar a importância da Usina Hidrelétrica de Três Marias. Por fim, o avanço das frentes agrícolas pelo Cerrado comprometeu imensamente os caudais do rio São Francisco – na forte seca que atingiu grandes áreas do Brasil Central há poucos anos atrás, o volume da Represa de Três Marias chegou a cair ao nível de 2,57%. Felizmente, a represa está se recuperando bem e já supera o nível de 70% este ano

Enfim, Três Marias é um símbolo da grandiosidade de outrora e da decadência atual do nosso Velho Chico. Lamentável.

Ver também:

CEMIG ANUNCIA A ABERTURA DAS COMPORTAS DA REPRESA DE TRÊS MARIAS E DEPOIS RECUA

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