A GRANDE MAÇÃ E O RIO, OU COMO NOVA YORK VENCEU A CRISE HÍDRICA GASTANDO POUCO

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O sistema de abastecimento de águas de Nova York começou a ser implantado no século XIX, no início da década de 1830, e por cento e cinquenta anos conseguiu atender as necessidades da grande maçã, apelido carinhoso da cidade. Mas na década 1990, esse patrimônio natural esteve ameaçado. A cidade que não pára de crescer enfrentou quatro secas num curto espaço de tempo. O nível dos reservatórios caiu para 27%, enquanto o consumo crescia perigosamente – qualquer semelhança com a cidade de São Paulo e sua região de entorno não é mera coincidência.

Nova York é a maior cidade dos Estados Unidos e na época já abrigava uma população de mais de 7 milhões de habitantes. Assim como a cidade de São Paulo, Nova York é o centro de uma gigantesca região metropolitana, que na década de 1990 concentrava uma população de aproximadamente 15 milhões de habitantes. Fundada ao lado de um dos maiores portos naturais do mundo, a cidade sempre teve uma forte vocação econômica e acabou se transformando no principal centro financeiro do mundo. Com parte considerável da cidade instalada em ilhas entre a foz do Rio Hudson e o Oceano Atlântico, Nova York sempre dependeu de fontes de água externas.

Com um alto consumo, Nova York corria o risco de ter de implantar esquemas inéditos de racionamento de água. Sem tempo adequado para buscar alternativas a cidade tinha duas opções: criar novos sistemas produtores de água no alto Rio Hudson, tendo de construir uma nova rede de tubulações e também investir em estações de tratamento. A segunda alternativa era atacar o desperdício. E o que falou mais alto foi o dinheiro.

Enquanto em São Paulo o discurso dos técnicos (com claro apoio de empreiteiras) costuma pedir a ampliação dos sistemas produtores de água, Nova York seguiu por um outro caminho: redução do desperdício de água e criação de mecanismos para a proteção das áreas de borda dos grandes reservatórios já existentes nas montanhas do interior do estado.

O encarregado de realizar essa tarefa monumental foi Albert Appleton, que comandava o Departamento de Proteção Ambiental, o órgão público que cuida do abastecimento de água em Nova York. Dono do típico pragmatismo yankee, esse americano mostrou em seu trabalho que grandes problemas exigem soluções grandiosas – e soluções grandiosas não são, necessariamente, as mais dispendiosas. Tive a oportunidade de assistir uma palestra do Sr. Appleton há alguns anos atrás, onde ele orgulhosamente apresentou a sua “grande obra”.

Na época, a cidade de Nova York passava por uma crise financeira e social, com altos índices de criminalidade e fuga de empresas. Para quem não lembra ou não conhece a história, isso só começaria a mudar a partir de 1993 com a eleição do lendário prefeito Rudolph Giuliani e sua política de Tolerância Zero contra o crime – mas isto é outra história. Com poucos recursos há época, Albert Appleton não poderia dispor de US$ 5 bilhões, custo estimado para a construção de um novo sistema produtor de água – teve de se contentar com a décima parte deste valor: US$ 500 milhões.

Uma das premissas do trabalho de Albert Appleton à frente dessa empreitada colocava total prioridade na proteção dos mananciais e na economia e melhor administração do sistema como um todo – construir novas represas e sistemas de abastecimento deveria ser a última opção a ser buscada.

Uma das primeiras providências tomadas pelo Departamento de Proteção Ambiental focou justamente na proteção das áreas de mananciais. Ao longo dos anos, a prefeitura da cidade desenvolveu um projeto de aquisição de terras ao redor das represas e implantação de projetos de reflorestamento visando a proteção e recuperação dos mananciais. Também implementou uma série de acordos com os fazendeiros locais garantindo que a produção e o uso das terras não causassem impactos diretos e indiretos nas águas das represas como o carreamento de pesticidas, fertilizantes e estrume de animais. Foi estabelecida uma premiação em dinheiro aos proprietários que conservassem as áreas naturais responsáveis pelo fornecimento do serviço ambiental de produção de água. Em um post anterior, afirmei que um dos maiores problemas enfrentados pelo Sistema Cantareira em São Paulo é a falta de cuidado com as áreas de entorno dos reservatórios, que sofrem com o crescimento descontrolado das cidades e das atividades agrícolas, além do desmatamento de áreas de mananciais, lançamento de esgotos in natura em rios e córregos, coleta e disposição inadequada de lixo e resíduos sólidos, entre outros problemas – debitar a recente crise hídrica exclusivamente na conta da falta de chuvas no biênio 2014/2015 é uma simplificação excessiva dos problemas.

O resultado prático dessas ações é que a qualidade da água fornecida aos habitantes de Nova York melhorou consideravelmente – a água corre por força da gravidade diretamente das montanhas para as torneiras da cidade, sem necessitar de nenhum tipo de tratamento, com um padrão de qualidade invejável: pode-se beber a água diretamente das torneiras sem a necessidade de filtragem (entenda-se como a filtragem de patógenos – material particulado, especialmente finíssimos grãos de areia, presente na água sempre é possível de se encontrar) ou qualquer tipo de tratamento. A pressão natural das tubulações de água é tão forte que ela atinge até o sexto andar dos edifícios sem a necessidade de qualquer tipo de bombeamento – essa característica, em conjunto com dispensa do tratamento da água, reduz muito os custos operacionais do sistema.

Continuaremos no próximo post.

Por: Fernando José de Sousa  –  16/07/2016

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5 Comments

  1. […] O grande canteiro de obras já em andamento fica a meio caminho entre a cidade do Cairo e o Porto de Suez. Entre as obras iniciais destacam-se a construção de hotéis, residências e centros de convenções. De acordo com os planos do Governo, a nova capital, que ainda não tem nome, ocupará uma área total de 750 km², praticamente o mesmo tamanho da cidade de Nova York.  […]

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