Era o final de mais uma tarde quente e agradável no distrito de Bento Rodrigues.
A roupa lavada de manhã e estendida cuidadosamente nos varais já estava quase seca. Dentro de pouco tempo, as crianças vão começar a sair do colégio, enchendo as ruas calmas com a alegria de suas vozes e seus sorrisos. O ócio da tarde vai chegando ao fim – é hora de retomar os afazeres: começar a pensar no preparo da “janta”, cuidar das criações e regar as hortas nos quintais, colocar a conversa em dia com a vizinhança. Nessas paragens das Minas Gerais, o tempo parece passar mais devagar, talvez como uma lembrança dos tempos antigos em que a vida era regida pelo lento caminhar das imensas tropas de burros, que passavam ritmada e calmamente pelo antigo caminho do ouro, a Estrada Real.
Passavam das 16 horas quando pessoas apressadas e aos gritos correram por todo o distrito, tentando avisar ao maior número de moradores que a tragédia se avizinhava: a barragem de rejeitos de mineração, conhecida como Fundão, se rompeu e uma onda de lama e resíduos de minérios avançava contra a pequena vila. Era preciso largar qualquer coisa que se estivesse fazendo e correr para os pontos mais altos do lugarejo.
É mais ou menos assim, tentando me colocar na pele de um dos moradores de Bento Rodrigues, que eu imagino aquele final de tarde de 5 de novembro de 2015 no distrito da simpática cidade de Mariana – a vida de todos mudaria para sempre em questão de minutos; para muitos, ela terminaria em questão de minutos…
O rompimento daquela barragem de rejeitos de mineração provocou o vazamento de 62 milhões de metros cúbicos de lama, ferro, manganês e outros resíduos minerais – este volume equivale a dez vezes o volume de água da Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio de Janeiro ou 80% do volume armazenado na Represa Guarapiranga em São Paulo: foi uma onda gigantesca de lama avançando impiedosamente, arrebentando e soterrando tudo e todos que encontrava pela frente. Mais de duzentas e cinquenta edificações de Bento Rodrigues foram soterradas; pelo menos 1.500 hectares de vegetação de mata ciliar foi arrancada das margens dos rios Gualaxo e do Carmo, afluentes que deságuam no Rio Doce. A onda de destruição só não foi maior por que a barragem Candonga, da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, conseguiu segurar grande parte da onda de lama e de entulhos, que nesse ponto atingiu 17 metros de altura. A lama gradativamente passou a se misturar com as águas do rio Doce e, depois de apenas cinco dias, já era percebida na foz no Oceano Atlântico, na cidade de Linhares, Espírito Santo. 19 pessoas, entre moradores de Bento Rodrigues e funcionários da mineradora Samarco, morreram no acidente. A Samarco Mineração S.A., proprietária e operadora da barragem de rejeitos, é uma empresa formada pela associação da Vale S.A. e da empresa australiana BHP Billiton Brasil LTDA.
Além do distrito de Bento Rodrigues, a onda de lama atingiu com um impacto um pouco menor as comunidades de Paracatu de Baixo, Gesteira e Barra Longa. Ao todo, 39 cidades foram afetadas nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, ao longo de um trecho de mais de 650 km da calha do rio Doce. O “acidente” (eu não gosto muito de usar essa palavra) foi classificado como o maior desastre ambiental já ocorrido no país e um dos maiores já registrado na área da mineração no mundo. Além da tragédia irreparável em perdas de vida humana e em danos bilionários ao patrimônio e a propriedade dos antigos moradores, a tragédia do rio Doce tem alguns aspectos ambientais que tornam difícil a quantificação dos prejuízos, que necessitarão de muitas décadas para uma correta contabilização e reparação – há quem diga que será necessário até um século para a recuperação do rio.
O rio Doce é o mais importante manancial de abastecimento da região Leste do Estado de Minas Gerais e Norte do Espírito Santo – a população dos municípios atravessados pelo rio ultrapassa um milhão de habitantes, o que nos dá uma ideia do impacto no abastecimento das cidades. De acordo com informações do Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, as águas do rio Doce abrigavam uma importante ictiofauna, com mais de 80 espécies descritas de peixes, sendo que 11 dessas espécies já eram classificadas em risco de extinção e 12 espécies eram endêmicas do rio – caso populações desses peixes não tenham conseguido se refugiar nos diversos afluentes do rio, elas estarão perdidas para sempre. Além de peixes, as águas do rio eram abrigo de diversas espécies de crustáceos de água doce, anfíbios, répteis, aves, plantas e toda a infinidade de vida que se pode imaginar habitando a calha de um grande rio. Milhares de pescadores e famílias de ribeirinhos tiravam seu sustento e alimentos das águas do rio Doce – como se quantifica esse tipo de prejuízo?
Produtores rurais das propriedades lindeiras também perderam a principal fonte de captação da água utiliza na irrigação das lavouras e dessedentação dos animais. É sabido que até 70% das águas de um manancial são utilizadas para fins agrícolas e agropecuários – a tragédia que se abateu sobre o rio Doce, de uma hora para outra, tirou destes produtores esta água. A salvação da lavoura e da pecuária passou a ser as pequenas minas de água e riachos, que brotam por todos os cantos – estudos indicam a existência de mais de 300 mil nascentes em toda a bacia hidrográfica do rio Doce. Mais do que nunca, a preservação destas nascentes passou a ser vital para todos.
Os números e as explicações sobre as causas da tragédia são muitos. A condenação e responsabilização dos culpados ou, digamos, profissionais que se omitiram em suas tarefas e foram coniventes com as falhas na estrutura da barragem, isto está bastante difícil de acontecer – há poucos dias atrás, a Justiça Federal suspendeu o processo por causa de irregularidades nas provas apresentadas pela Promotoria. E olhem que falta muito pouco para a tragédia completar seu segundo aniversário.
A antiga doçura do rio virou uma amarga lembrança para todos. E o nosso rio Doce, de uma hora para outra, entrou na lista dos rios mais poluídos do Brasil, ocupando involuntariamente a décima posição.
[…] muitos dos problemas ainda persistem e falta muita coisa a se fazer para recuperar a calha do Rio Doce. As empresas controladoras da Samarco Mineração, a brasileira Vale S.A. e a […]
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[…] importantíssimo curso d’água, conforme já tratamos em diversas postagens, foi literalmente reduzido a lama após o rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração em […]
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[…] novo acidente nos traz à lembrança a tragédia social e ambiental que foi provocada pelo rompimento da Barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues em Mariana, também em Minas Gerais. A semelhança é ainda maior […]
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[…] quando analisamos o rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração, como nos casos de Mariana e de Brumadinho, ou locais, como em casos de cavas de mineração de areia e em olarias. Entre […]
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[…] do Brasil inclui nomes de peso como o Tietê, Iguaçu, Paraíba do Sul, Guandu, das Velhas, Doce, Capibaribe, Ipojuca, entre muitos outros. Curiosamente, o rio Paranapanema, um rio paulista com […]
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[…] outro caso que não pode faltar nesse texto é o do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, também no Estado de Minas Gerais, ocorrido em 2015. Nesse acidente, cerca de 62 […]
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[…] de rejeitos minerais tem potencial para devastar extensas áreas a exemplo do que ocorreu em Mariana e em Brumadinho, cidades do interior de Minas Gerais. Aqui é importante lembrar que a Região […]
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[…] são a mais cabal prova disso: falo do rompimento das barragens de rejeitos de mineração em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, em 2019, ambas no Estado de Minas Gerais, a grande província mineral do […]
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[…] com barragens de rejeitos em anos recentes, ambas no Estado de Minas Gerais. Em 2015, houve o rompimento das barragens de rejeitos em Mariana, tragédia que literalmente destruiu toda a calha do rio Doce. Em 2019 ocorreu o rompimento da […]
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[…] para as fontes de água. Acidentes com depósitos de resíduos da mineração, como aconteceu em Mariana e em Brumadinho aqui no Brasil, também são um grande […]
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[…] citar dois exemplos de rios que se formaram nas “duas faces” do relevo: a Leste, temos o rio Doce, que tem algumas de suas nascentes mais distantes na Serra da Mantiqueira e que corre primeiro rumo […]
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[…] problema da mineração são os rejeitos minerais. Muito antes dos grandes acidentes com as barragens de rejeitos minerais em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, em 2019, grande parte da bacia hidrográfica do rio São Francisco já […]
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[…] devem recordar de dois grandes acidentes recentes com barragens de mineração – os casos de Mariana e de […]
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[…] Com suas nascentes nas vertentes da Serra da Mantiqueira e na Cordilheira do Espinhaço, a bacia hidrográfica do rio Doce ocupa uma área total de 83 mil km² entre o Leste do Estado de Minas Gerais e Norte do Espírito Santo. A bacia hidrográfica está totalmente inserida dentro dos domínios do bioma Mata Atlântica. De corpo d’’água com qualidade mediana, principalmente por causa de problemas criados pela mineração, o rio Doce saltou de uma hora para outra para o posto de 10° rio mais poluído do Brasil. […]
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[…] de rejeitos de mineração na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul como os que ocorreram no rio Doce em 2015 ou no rio Paraopebas em 2019, ambos os casos ocorridos em Minas Gerais. De onde é que […]
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[…] falar do rio Doce sem lembrar da tragédia que ocorreu aqui em 2015, quando o rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração em Mariana provocou uma gigantesca tragédia ambiental que, até hoje, tem consequências graves para a vida […]
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