Nas postagens anteriores mostramos o quadro preocupante do abastecimento de água na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Nas últimas semanas, centenas de milhares de moradores de bairros da cidade do Rio de Janeiro e de municípios da Baixada Fluminense tem reclamado da aparência e do gosto da água fornecida pela CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos.
O problema atual parece uma repetição do ocorreu há exato um ano atrás quando as águas do rio Guandu, principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana, foram tomadas por cianobactérias. Esses organismos liberavam grandes quantidades de geosmina, um composto orgânico a base de hidrogênio, oxigênio e carbono – essa substância dava a água uma cor, um cheiro e um sabor nada agradáveis. A ETA – Estação de Tratamento de Água, Guandu foi obrigada a utilizar grandes quantidades de carvão ativado em seus processos de tratamento para controlar a presença da geosmina na água.
Os problemas no rio Guandu estão ligados diretamente ao alto grau de poluição em suas águas. Esses problemas começam na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, rio que vem sofrendo há décadas com o lançamento de esgotos domésticos e industriais, lançamento de resíduos sólidos, extração de areia e riscos de contaminação por resíduos da mineração. Cerca de 60% do volume de águas do rio Paraíba do Sul são transpostos na direção da bacia hidrográfica do rio Guandu pelos sistemas de geração de energia elétrica da Light.
Essas águas, que já não tem uma qualidade das melhores, recebem despejos de esgotos de todos os tipos e lançamento de resíduos sólidos gerados pelos munícipios da sua bacia hidrográfica, deteriorando ainda mais a sua qualidade. A ETA Guandu, que responde por 85% da água fornecida para a população da cidade do Rio de Janeiro e por 70% do abastecimento de municípios da Baixada Fluminense, é obrigada a realizar verdadeiros “milagres” para potabilizar essa água. A unidade consome 210 toneladas de produtos químicos a cada dia.
Infelizmente, os riscos para as águas que abastecem milhões de cariocas e fluminenses não param por aí – existem verdadeiras “bombas relógios” prestes a explodir, e que podem inclusive inviabilizar o uso das águas do rio Guandu como manancial de abastecimento.
Um dos casos mais gritantes são as montanhas de rejeitos minerais gerados pela CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redondo, no Sul do Estado do Rio de Janeiro. Esses rejeitos contêm em sua composição metais pesados, que são substâncias tóxicas à saúde humana como manganês, zinco, cádmio, cromo, níquel e chumbo, entre muitas outras. A empresa possui uma área para depósito desses rejeitos, onde há uma movimentação diária de até 100 caminhões com novos descartes. A altura das montanhas de rejeitos já supera a marca dos 20 metros de altura (vide foto).
Ao redor da área de depósito desses rejeitos vivem perto de 15 mil habitantes em seis bairros, que reclamam da intensa nuvem de pó que recobre suas casas e quintais, e que satura todo o ar com partículas muito finas de poeira. Muitos desses moradores apontam problemas respiratórios em crianças e idosos de suas famílias. Apesar dos problemas criados, a CSN afirma que os rejeitos minerais não são nocivos à saúde humana. Existem inúmeros processos judiciais movidos pelas comunidades da região e órgãos ambientais contra a CSN.
Além do problema localizado, as montanhas de rejeitos em Volta Redonda representam uma grande ameaça para o rio Paraíba do Sul, que tem sua calha a passando exatamente em frente ao terreno do depósito. Com as fortes chuvas desses meses de verão, grandes volumes de água se infiltram nos rejeitos e carreiam importantes volumes de metais pesados para a calha do rio.
O risco maior, entretanto, fica por conta da possibilidade da ocorrência de um ciclo de chuvas torrenciais na região, o que poderia saturar as montanhas de rejeitos com água, levando a um processo de escorrimento de lama na direção do rio como os que já ocorreram no rompimento de represas de rejeitos minerais. Basta lembrar aqui dos acidentes com a barragem de rejeitos de Mariana em 2015 e de Brumadinho em 2019, ambas em Minas Gerais.
Outra fonte importante de problemas é criada pela mineração da areia, tanto na calha quanto nas margens de rios das bacias hidrográficas do Paraíba do Sul e do Guandu. Essas atividades destroem as matas ciliares que ainda existem nas margens dos rios, intensificando processos erosivos e a destruição de nascentes. Sedimentos em suspensão são arrastados a longas distâncias e acabam se acumulando ao longo da calha dos rios e reduzindo a profundidade dos corpos d’água.
Um exemplo de local onde a exploração de areia segue descontrolada fica na região entre os municípios de Itaguaí e Seropédica, dentro da bacia hidrográfica do rio Gaundu. Localizados a cerca de 60 km do centro da cidade do Rio de Janeiro, esses dois municípios abrigam o Distrito Areeiro de Seropédica-Itaguaí, que ocupa uma área com aproximadamente 50 km², onde operam cerca de 100 empresas mineradoras que fornecem quase 90% da areia e da brita usada pela construção civil da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Parte importante dessas empresas operam na clandestinidade e sem respeitar as mais elementares normas ambientais e de segurança no trabalho. Além dos graves danos que provocam na qualidade das águas do rio Guandu, essas atividades ameaçam o Aquífero Piranema. Essa reserva subterrânea de água ocupa uma área de aproximadamente 180 km² (algumas fontes chegam a falar de 500 km²) entre os municípios de Itaguaí, Queimados, Japeri e Seropédica. Esse aquífero tem capacidade de fornecer até 1,6 m³ de água por segundo para o abastecimento de populações.
Por fim e não menos importante, existem os riscos potenciais criados por atividades de mineração. De acordo com estudos feitos em 2013 pelo INEA – Instituto Estadual do Ambiente, órgão do Governo fluminense, existem cerca de 300 barragens de rejeitos minerais inseridas dentro da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. A maior parte dessas barragens fica dentro do território de Minas Gerais. Foram identificados riscos de acidentes em 12 dessas barragens, onde estão armazenados cerca de 22 bilhões de litros de resíduos minerais.
Vejam uma pequena lista de acidentes que já ocorreram nessas áreas de mineração:
Em 1982, houve um vazamento na barragem de rejeitos da empresa Paraibuna Metais e mais de 18 milhões de litros de lama contaminada com mercúrio e cádmio atingiram primeiro o rio Paraibuna, em Minas Gerais, e depois seguiram para o rio Paraíba do Sul, criando uma mancha de poluição de 300 km;
Em 2006, após o rompimento de uma barragem da mineradora Rio Pomba Cataguases no Município de Miraí, na região da Zona da Mata Mineira, houve o vazamento de 400 milhões de litros de rejeitos de bauxita, água e lama primeiro no rio Muriaé e que depois chegou ao rio Paraíba do Sul;
Em 2007, ocorreu um novo rompimento em uma outra barragem de rejeitos de mineração da mesma empresa, o que resultou no vazamento de mais de 2 bilhões de litros de lama misturada com bauxita e sulfato de alumínio nas águas dos rios Muriaé e Paraíba do Sul.
Felizmente, esses “acidentes”, entre muitos outros, ocorreram em áreas a jusante (correnteza abaixo) dos pontos onde ocorre a transposição das águas do rio Paraíba do Sul para os sistemas de geração de energia elétrica da Light, e que depois são despejadas na direção da bacia hidrográfica do rio Guandu.
Eu vejo a situação do abastecimento da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro como uma roleta russa – as coisas vão acontecendo e ninguém toma providências para garantir a segurança hídrica de todo esse povo. Uma hora dessas vamos ver acontecer um “acidente” fatal nessas águas e vamos assistir milhões de pessoas sem água em suas torneiras.
Como diz um velho ditado “quem avisa, amigo é”.
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