OS PROBLEMAS AMBIENTAIS DO RIO PARANAPANEMA, OU FALANDO DO SURUBIM PIRAJUENSE

Hidrelétrica de Ourinhos

A maioria dos grandes rios brasileiros que estão fora da Região Amazônica, sofrem cada vez mais com problemas de poluição em suas águas. Os rios que atravessam as nossas grandes cidades recebem cargas cada vez maiores de esgotos in natura, sem qualquer tipo de tratamento. Nas regiões com forte predomínio de atividades agropecuárias, são os resíduos de agrotóxicos e de fertilizantes que acabam carreados para os rios, causando toda a sorte de impactos ambientais. Já em regiões mineradoras, os rejeitos minerais é que são os grandes vilões dos rios. 

A lista dos rios mais poluídos do Brasil inclui nomes de peso como o Tietê, Iguaçu, Paraíba do Sul, Guandu, das Velhas, Doce, Capibaribe, Ipojuca, entre muitos outros. Curiosamente, o rio Paranapanema, um rio paulista com mais de 900 km de extensão, não tem seu nome nem cogitado para entrar nessa lista. Ao contrário, ele é considerado o grande rio mais limpo do Estado de São Paulo e, de quebra, do Paraná, uma vez que grande parte do rio corre na divisa entre esses dois Estados

O rio Paranapanema nasce discretamente nas encostas da Serra de Agudos Grandes, no Sul do Estado de São Paulo, a 900 metros de altitude. Nessa região, que é a mais escassamente povoada do Estado, existem grandes remanescentes florestais, algo que garante a “saúde” e a vitalidade do curso alto do rio. Margens cobertas com vegetação nativa de Mata Atlântica, uma paisagem cada vez mais rara, onde se avistam macacos, antas, capivaras, lontras e uma infinidade de aves. Esse trecho, que tem aproximadamente 180 km, é conhecido como Alto rio Paranapanema e se caracteriza por águas rápidas e muitas corredeiras. 

Repentinamente, as fortes corredeiras se transformam nas águas paradas da Represa de Jurumirim, um reservatório com uma área de espelho d’água com quase 450 km², equivalente a quatro vezes a área da Baía da Guanabara. A Jurumirim resume os impactos ambientais que a construção de barragens de usinas hidrelétricas pode provocar num grande rio como o Paranapanema. 

O primeiro impacto, como já comentamos, é a brusca mudança nas características do curso d’água: as fortes correntezas do rio, que formam os chamados ambientes lóticos, subitamente se transformam num meio com águas paradas ou baixíssimas velocidades de correntezas, chamados na biologia de ambientes lênticos. Essa brusca mudança nos ambientes tem reflexos diretos na vida dos seres aquáticos. Diversas espécies de peixes, citando um único exemplo, possuem uma conformação física adaptada para “lutar” continuamente contra a força da correnteza. Esses animais costumam ter suas áreas de procriação em recantos tranquilos próximos ao alto das cabeceiras do rio. Na época conhecida como piracema, esses peixes sobem os rios nadando contra a força das corredeiras até atingir essas áreas de procriação. Essa verdadeira jornada, funciona como um processo de seleção natural, onde só os mais fortes da espécie vão conseguir gerar descendentes. 

Com a construção de barragens e a formação de represas, esse fluxo migratório dos peixes ao longo da calha do rio é interrompido, dividindo os animais em diferentes grupos – um grupo que vive abaixo da represa e outro que vive na área represada. Essa divisão dos animais em grupos separados terá como primeira consequência um enfraquecimento genético da espécie, algo que, a longo prazo, reduzirá a capacidade de sobrevivência da espécie. O grupo de peixes que ficou preso abaixo da represa não conseguirá alcançar as suas antigas áreas de reprodução, passando a depender da sorte para encontrar algum recanto com águas calmas, onde as ovas fertilizadas consigam eclodir e os alevinos encontrem nichos protegidos. 

Na área das águas paradas da represa, peixes acostumados com a vida em águas rápidas ficam, literalmente, perdidos. O fluxo da correnteza atua com uma espécie de bússola para esses peixes, informando a direção em que devem nadar. Dentro das águas paradas da represa, esses peixes não sabem para qual direção nadar e passam a depender da sorte para capturar alguma presa. Para as espécies de peixes habituadas a vida em ambientes lênticos, os efeitos são justamente contrários – com o aumento da quantidade de águas paradas, essas espécies prosperam, aumento exponencialmente as suas populações. E na competição pelos estoques de alimentos, elas levam enormes vantagens diante dos peixes de ambientes lóticos. 

Um exemplo de espécie impactada diretamente pela construção de sucessivas represas no rio Paranapanema é uma espécie de surubim nativa do próprio rio e que só foi catalogada pela ciência em 2002. Chamada provisoriamente de surubim-do-Paranapanema e surubim pirajuense, essa raríssima espécie de peixe pode estar vivendo na calha do rio Paranapanema a 15 milhões de anos, sofrendo sucessivas adaptações físicas, como forma de sobreviver nos ambientes específicos do rio Paranapanema. A falta de estudos e de maiores informações sobre essa espécie de peixe é preocupante – após a construção de 11 usinas hidrelétricas ao longo da calha do rio Paranapanema desde a década de 1920, é praticamente impossível se determinar quais eram as características originais e a extensão total do habitat dessa espécie.  

Um dos poucos refúgios conhecidos do surubim pirajuense é justamente no Salto de Piraju, uma queda d’agua do rio Paranapanema nas proximidades da cidade homônima. Detalhe – existem grupos econômicos interessados na construção de uma nova usina hidrelétrica nessa região, obra que colocaria essa espécie de surubim em risco iminente de extinção. Todos os alertas devem ser ligados – é preciso se estabelecer limites para a degradação ambiental do rio Paranapanema. 

Falando em limites, vejam essa comparação entre duas usinas hidrelétricas do rio: 

A Usina de Jurumirim, chamada oficialmente de Usina Hidrelétrica Armando Avellanal Laydner, teve suas obras concluídas em 1962 e foi a responsável pela formação da grande represa de Jurumirim que, conforme já citamos, cobriu uma área de 450 km². Essa usina recebeu dois grupos geradores de energia elétrica, com uma potência total estimada de 98 MW. Graças a erros gritantes no projeto da usina hidrelétrica, a potência máxima de energia gerada não chega a 40%, ou seja, 40 MW. Em 2005, foi inaugurada a Usina Hidrelétrica de Ourinhos (vide foto), que gera 44 MW de energia elétrica, alagando cerca de 4,5 km² – a mesma produção da Usina de Jurumirim com apenas 1/100 (um centésimo) da área alagada

A aparente fartura de águas nos grandes rios pode nos dar a falsa sensação que esse recurso é ilimitado e que pode ser explorado indefinidamente, sem maiores consequências ao meio ambiente. Essa é uma visão falsa e que, infelizmente, faz parte da realidade de rios como o Paranapanema. 

A geração de energia por fontes hidrelétricas é fundamental para o nosso país. Porém, a construção dessas usinas deve ser precedida de exaustivos estudos técnicos e ambientais – se é possível gerar energia elétrica em uma usina como a de Ourinhos, caso que citamos há pouco, a construção de uma usina de Jurumirim nem deveria ser considerada. Simples assim

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