
Uma das maiores tragédias humanitárias do século XX no período pós-Segunda Guerra Mundial foi a Grande Fome Chinesa, chamada por muitos de “A Grande Fome de Mao” (inclusive há um livro com esse nome). Entre os anos de 1959 e 1961 (muitos pesquisadores incluem também os anos de 1958 e de 1962), a população da China enfrentou um processo de fome generalizada.
As fontes históricas falam de um número de mortos por inanição entre 15 e 55 milhões – em se tratando de estatística social no país, os números nunca são muito precisos. Existem, inclusive, inúmeros relatos de canibalismo (as famílias desenterravam os corpos de parentes mortos para comer), consumo generalizado de carne de ratos e de animais encontrados mortos, entre muitas outras coisas “nojentas”. Os casos extremos de fome levam qualquer pessoa ao mais absoluto desespero.
Após a ascensão do líder Mao Tsé-Tung e da consolidação do poder do Partido Comunista Chinês em 1947, o país adotou todo um sistema de planejamento centralizado, a exemplo do que vinha sendo utilizado na URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas a partir de 1917. Entre as muitas políticas implementadas, destacamos o “Grande Salto Adiante” e as “comunas populares”.
Entre as muitas consequências dessas políticas e de falhas absurdas no “planejamento” estatal, houve uma total e completa desorganização da agricultura do país. O cultivo da terra por particulares foi proibido e toda a produção passou a ser feitas pelas “comunas”. Milhões de camponeses foram retirados das lavouras e enviados para as inúmeras forjarias e siderúrgicas de todos os tamanhos, criadas para a produção de ferro e aço, produtos considerados essenciais para a industrialização do país.
Apenas um dado para mostrar o tamanho da tragédia – a produção de grãos, que em 1958 havia sido de 200 milhões de toneladas, caiu para 143,5 milhões de toneladas em apenas dois anos. A população chinesa há essa época já superava a impressionante marca de 650 milhões de habitantes. Moral da história – a produção de alimentos no país passou a ser insuficiente para atender todas as necessidades de alimentação da população, um problema que ainda foi amplificado pela ineficiência da burocracia estatal na distribuição desses poucos alimentos e pelo seu uso como um instrumento para forçar a população a atingir as metas de produção estabelecida pelo Partido (a velha máxima – “quem não trabalha, não come”). Receita completa para a grande tragédia humana vivida nesse período histórico.
Com o extraordinário crescimento econômico da China nas últimas décadas e, talvez, ainda traumatizados pela grande fome do passado, vivida por muitos e bastante conhecida por todos, os chineses vem consumindo um volume per capita de alimentos cada vez maior. Ano após ano, a China impressiona o mundo todo com o crescimento acelerado das suas compras de commodities agropecuárias.
Um exemplo que foi citado na última postagem – desde 2018, a China aumentou as compras de carne bovina dos Estados Unidos em 180%. O país já consome 30% de toda a produção de soja do mundo e, apenas nesses primeiros meses de 2021, a China já pode ter comprado 26 milhões de toneladas de milho dos Estado Unidos. Muitas das compras de alimentos realizadas pelo país são feitas através de empresas de Hong Kong (Região Autônoma da China), das Filipinas e de outros países da região, como forma de confundir os países vendedores.
A maior parte da soja brasileira deste ano e que ainda está sendo colhida (as fortes chuvas estão atrasando essas operações), já tem como destino certo a China. Até o último dia 15 de fevereiro, mais de 200 navios cargueiros fretados por importadores chineses ou já estavam nos portos brasileiros aguardando a chegada dessa soja ou estavam a caminho do Brasil.
Em tempos da pandemia da Covid-19, que paralisou a economia e a agricultura na maioria dos países do mundo, e de fenômenos climáticos como secas, chuvas e excesso de neve em algumas regiões, ocorreram diversas quebras de safra e redução da produção de alimentos. A FAO – Organização das Nações para Alimentação e Agricultura, está preocupada com o risco de fome em muitos países e regiões do mundo. Junte-se a tudo isso o avanço dos chineses contra as reservas de comida do mundo.
O território da China ocupa uma área total de 9,5 milhões de km², o que coloca o país na terceira posição entre os maiores territórios do mundo, só ficando atrás da Rússia e do Canadá. Apesar do tamanho expressivo – tem 1 milhão de km² a mais que o Brasil, apenas ¼ do território do país é adequado para a agropecuária. Se você consultar um mapa da China, verá que toda a região Norte é tomada por gigantescos desertos como o de Gobi, e toda a faixa Oeste é ocupada pelas montanhas da Cordilheira do Himalaia.
Mesmo com todas essas limitações, a China figura como um dos maiores produtores agropecuários do mundo. O problema é que o país também ostenta o título de país mais populoso do mundo e toda a sua produção é insuficiente para sustentar adequadamente a sua imensa massa de “bocas famintas”.
Um grande exemplo da grande necessidade de alimentos do país pode ser visto neste exato momento em águas internacionais do Oceano Atlântico Sul, em frente ao litoral da Argentina. Ali está estacionada uma frota com mais de 300 embarcações pesqueiras, a imensa maioria de bandeira chinesa. Segundo as estimativas de alguns analistas, cada um desses barcos está capturando de 10 a 20 toneladas de lulas a cada dia, isso sem falar de outras espécies de peixes.
Há poucos meses atrás, inclusive, um destroier da Marinha Argentina afundou uma embarcação da China que estava pescando ilegalmente dentro de seu mar territorial. Essa frota pesqueira já estacionou em frente aos litorais do Equador, Peru e Chile, e, muito provavelmente, em breve rumará para os limites das águas territoriais brasileiras. Vejam o potencial de conflito internacional que isso poderá gerar.
Além de sair comprando fabulosas quantidades de commodities agropecuárias a “torto e a direito”, como dizemos no meu bairro, por todo o mundo, os chineses também vem buscando outras fontes alternativas para o sustento da sua população. Dentro do país estão sendo feitos trabalhos para aumentar as terras agrícolas em cerca de 25%. A chave para o sucesso desse projeto são gigantescas obras para a construção de canais de irrigação em áreas desérticas do país, a exemplo do que Israel faz no Deserto de Negev e que fez a antiga União Soviética no Mar de Aral.
Outra frente importante envolve o continente africano. A China vem realizando inúmeros investimentos conjuntos com vários países da África com vistas ao desenvolvimento de sistemas de agricultura irrigada, além de obras de infraestrutura, especialmente a construção de ferrovias, rodovias e portos. A estratégia dos chineses será a de transformar a África em seu grande celeiro de alimentos nos próximos anos. Vamos tratar disto na próxima postagem.
As atividades na agricultura são as maiores consumidoras de água do mundo – em média, 70% dos volumes de água de uma região são consumidos por essas atividades. A expansão das fronteiras agrícolas frequentemente implica em destruição de áreas florestais, aumenta os processos de erosão de solos, reduz os caudais de rios, ameaça a biodiversidade, entre outros gravíssimos problemas ambientais.
Além dessa imensa população de chineses, o mundo tem muitos outros bilhões de bocas para alimentar. A situação é bastante complicada – nosso planeta é grande, mas seus recursos naturais não são infinitos!
[…] gigantesco mercado consumidor da China, que tem mais de 1,4 bilhão de bocas para alimentar e muito dinheiro em caixa, ainda está […]
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[…] resultaram em verdadeiros fracassos e, entre outras graves consequências, criaram a chamada Grande Fome de Mao, que levou a um número de mortos por inanição entre 15 e 55 milhões entre 1959 e 1961 (lembro […]
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[…] complicar ainda mais a situação, os chineses tem aumentado continuamente as suas importações de alimentos e vivemos uma forte pressão para o aumento da oferta de grãos. Ou seja, estamos gastando volumes […]
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[…] Se os chineses querem comer mais carne de porco, eles passam a importar volumes cada vez maiores de soja. Sobra para os moradores das regiões mais pobres das cidades brasileiras, que tradicionalmente sempre tiveram os ovos como a principal proteína de suas mesas – a soja mais cara eleva o preço da ração, o que vai se refletir em ovos mais caros. […]
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