O transporte hidroviário no Brasil está muito aquém da capacidade potencial proporcionada pela imensa rede de rios do país. Calcula-se que o potencial de rios navegáveis em terras brasileiras é da ordem de 29 mil km, porém, apenas uma fração dessas vias navegáveis é efetivamente utilizada – menos de 2% do volume de cargas do país utiliza esse modal, enquanto perto de 60% das cargas continuem sendo transportadas por caminhões. Nunca é demais relembrar: um único comboio de barcaças de carga pode substituir até 200 caminhões, com um consumo menor de combustíveis, menor poluição e uma eficiência muito maior.
Um dos melhores exemplos da eficiência dos transportes hidroviários no Brasil é a Hidrovia Tietê-Paraná, que tem aproximadamente 2.400 km de extensão, sendo 1.800 km de curso navegável no rio Paraná e cerca de 800 km no rio Tietê. São transportadas atualmente 5 milhões de toneladas de cargas a cada ano na hidrovia, que se destaca por possuir a melhor infraestrutura do país. Entre as principais cargas transportadas destacam-se a soja e farelo de soja, óleos comestíveis, milho, cana, fertilizantes. madeiras e calcário agrícola.
Apesar de atender algumas das regiões de maior desenvolvimento econômico do país, o volume de cargas transportados pela Hidrovia Tietê-Paraná corresponde a pouco mais de 1% do volume de cargas transportados anualmente na hidrovia dos rios Mississipi-Missouri-Ohio nos Estados Unidos. Caso essa comparação inclua a Hidrovia Dourada da China, por onde circulam perto de 2 bilhões de toneladas de carga a cada ano, perdemos de goleada: a tonelagem de cargas da equivalente brasileira equivale a meros 0,25%.
Apesar de todo o potencial natural dos rios brasileiros, faltam pesados investimentos em infraestrutura hidroviária, onde se incluem portos, terminais de carga, sinalização das vias navegáveis e, especialmente, em sistemas de controle do nível dos rios. Durante o período das chuvas, os rios costumam apresentar bons volumes de água em seus leitos e garantem condições ideais para a navegação das barcaças de carga; já na época da seca, muitos dos nossos rios apresentam uma queda vertiginosa no nível de água e apresentam bancos de areia e/ou formações rochosas do fundo do seu leito, obstáculos que criam risco ou impedem a navegação. A construção de represas para regularização do volume de águas em períodos de seca ou de barragens com eclusas, são alguns dos mecanismos que permitem garantir a navegação nos rios pela maior parte do ano.
Mas esses não os únicos problemas para a navegação hidroviária aqui no Brasil: o uso dos rios para a geração de eletricidade é outra fonte importante de conflitos. Muitos rios e trechos de rios só se tornaram ideais para a navegação por longos trechos após a construção de barragens de usinas hidrelétricas. O rio Tietê, no Estado de São Paulo, é um desses casos. No passado, a calha do rio possuía inúmeros trechos com fortes correntezas, afloramentos rochosos e quedas d’água, o que dificultou muito, mas não impediu, que o rio se transformasse na principal via de acesso aos sertões profundos do Brasil no passado.
Ao longo das últimas décadas, foram construídas várias usinas hidrelétricas ao longo do rio Tietê, empreendimentos que garantiram o fornecimento contínuo de eletricidade para o Estado de São Paulo. Como uma espécie de “efeito colateral”, as barragens dessas usinas hidrelétricas “acalmaram” a fúria de vários trechos do rio. Um exemplo foi o alagamento do Salto do Avanhandava, que desde os tempos dos primeiros bandeirantes paulistas era considerado o maior obstáculo para a navegação no rio Tietê. Depois do enchimento da represa, o trecho de águas rápidas e traiçoeiras acabou transformado em um espelho de águas tranquilas.
A Hidrovia Tietê-Paraná foi o resultado de um projeto iniciado há cinquenta anos atrás, quando a primeira eclusa do rio Tietê foi construída em Bariri em 1968. Eclusas são dispositivos que permitem que as embarcações de passageiros ou de carga superem obstáculos físicos como as barragens de represas, trechos com corredeiras ou quedas de água, funcionando como um elevador que sobe e desce. Ao longo da hidrovia Tietê-Paraná existem 10 eclusas, sendo 6 no rio Tietê, nas barragens de Barra Bonita (vide foto), Bariri, Ibitinga, Promissão e Nova Avanhandava, e 4 eclusas no rio Paraná, nas barragens de Três Irmãos, Jupiá e Porto Primavera. As eclusas, porém, não fazem milagres – as represas precisam apresentar um nível de água mínimo para permitir a passagem das embarcações pelas eclusas e pelos muitos canais de navegação.
Como as barragens de usinas hidrelétricas de outras regiões do Brasil estão com volumes de água extremamente baixos, a geração de energia elétrica em outras regiões precisou ser aumentada, a fim de atender a demanda do país. Por essa razão, as usinas do rio Tietê vêm trabalhando a plena carga. Com essa maior geração de energia elétrica, há uma necessidade maior de água e o nível das barragens paulistas do rio Tietê passaram a cair muito ao longo desse ano, o que colocou a navegação na hidrovia em sinal “amarelo”. Nos últimos meses, várias empresas que operam com o transporte de cargas na hidrovia Tietê-Paraná optaram por reduzir o calado das barcaças (medida que indica a profundidade máxima do fundo da embarcação em relação à linha d’água) de 3,0 para 2,8 metros, como uma medida de segurança para evitar o encalhe de embarcações.
Durante a crise hídrica que assolou grande parte do Estado de São Paulo nos anos de 2014 e 2015, o nível do rio Tietê atingiu níveis extremamente baixos e as operações na hidrovia foram interditadas por 20 meses, só voltando a funcionar completamente em 2016. Essa paralisação da hidrovia Tietê-Paraná causou um prejuízo estimado de R$ 1 bilhão às empresas de navegação e provocou o fechamento de 1.600 postos de trabalho. Esse é um trauma que assola até hoje os operadores de carga, que torcem como ninguém para uma boa temporada de chuvas.
As chuvas já estão voltando a cair em toda a região Centro-Sul do país nesse começo de primavera e todos torçamos juntos para que venha com grandes volumes.
[…] A HIDROVIA TIETÊ-PARANÁ E A TORCIDA POR BOAS CHUVAS […]
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