AS HIDROVIAS, AS CHUVAS E OUTROS PROBLEMAS PARA A NAVEGAÇÃO

Obras na Hidrovia Tietê-Paraná

Como é clichê em textos que falam da importância dos recursos hídricos, inclusive nos meus, “a água é uma das substâncias mais importantes do planeta e é um elemento essencial para a existência de todas as formas de vida”. Se você fizer uma pesquisa nas publicações deste blog, vai encontrar textos que falam do abastecimento de cidades e populações, poluição das águas, agricultura, geração de energia, secas e enchentes, transportes hidroviários, meteorologia entre muitos outros. O tema rende muitos tipos de assuntos diferentes. 

Na última postagem falamos rapidamente sobre a queda do nível do rio Tietê neste período de seca e dos riscos de paralisação da hidrovia Tietê-ParanáDurante a crise hídrica que assolou o Estado de São Paulo e parte da região Sudeste entre 2014 e 2015, a queda no nível do rio Tietê e de outros rios da região levou à paralisação dessa hidrovia por cerca de 20 meses, causando prejuízos da ordem de R$ 1 bilhão para as empresas de transporte; cerca de 1.600 profissionais ligados a essas empresas perderam seus empregos, além de outros milhares de profissionais ligados aos diversos segmentos produtivos que se utilizavam na época dessa via de transporte e que reduziram suas atividades.

A utilização do modal de transportes hidroviários no Brasil ainda está engatinhando no país – menos de 2% das nossas cargas são transportes pelos rios. Além da falta de obras de infraestrutura de todo o tipo, que vão desde portos e terminais de carga a sistemas de sinalização dos canais navegáveis, a operação das hidrovias sempre terá uma imensa dependência das condições climáticas – chuvas na época certa e em bons volumes sempre serão essenciais; a depender da região do mundo onde se encontra essa hidrovia, ao invés de chuva falaríamos de neve: a chuva e a neve são as duas principais formas de precipitação da água sobre a superfície do planeta. Se você ainda se lembra do Ciclo das Águas ensinado ainda nos primeiros anos escolares, é a energia do sol que provoca a evaporação de grandes volumes de água dos oceanos (esse volume é calculado em 383.000 km³ a cada ano) – esse vapor é espalhado por toda a superfície do planeta pelos ventos e cai sobre os solos na forma de chuva, neve, granizo, neblina, orvalho etc. 

Devido às mudanças nas estações do ano, onde se alternam épocas de seca e de chuvas (ou de calor e de frio com neve dependendo da região), os rios irão apresentar variações consideráveis em seus níveis. O Amazonas, o maior rio do mundo em volume de água, é um grande exemplo dessas mudanças: entre os períodos de cheia e de vazante, o nível das águas poderá sofrer variações médias de mais de 15 metros. Em 2005, quando toda a região Amazônica passou por uma seca anormal, alguns trechos do rio atingiram a inacreditável profundidade de 0,3 metro. Em situações extremas como essa, não há nada que se possa fazer para garantir as operações de navegação hidroviária. Além das essenciais chuvas, existem muitos casos onde realização de obras de infraestrutura podem ajudar a manter a segurança e as operações de navegação em momentos críticos. Vamos citar alguns exemplos: 

Na hidrovia Tietê-Paraná em São Paulo, existem vários trechos onde o canal de navegação apresenta profundidades máximas de 5,5 metros. Em épocas de forte estiagem, com a queda do volume de água no rio Tietê, muitos desses trechos passam a apresentar profundidades extremamente reduzidas, expondo as barcaças de transporte de cargas a riscos de encalhe. Além desse problema, existem várias formações rochosas no fundo do rio que “afloram” nos períodos de seca e que podem provocar acidentes mais graves com as embarcações. Para minimizar os riscos para a navegação, o Departamento Hidroviário de São Paulo está realizando obras que permitirão o aumento da profundidade nesses trechos críticos para 7,5 metros (vide foto). As obras deverão estar concluídas no final de 2019, com um custo estimado em R$ 203 milhões. 

Uma outra importante hidrovia que tem problemas sérios com afloramentos rochosos e baixa profundidade em um dos seus trechos é a Tocantins-Araguaia. No Sul do Estado do Pará, nas proximidades da cidade de Itupiranga, existe uma grande formação geológica que se estende por um trecho de 43 km do rio Tocantins. Conhecida popularmente como o Pedral do Lourenço, essa formação é um dos principais obstáculos para o pleno funcionamento da hidrovia Tocantins-Araguaia. Mesmo durante o período das chuvas, quando o nível das águas fica muito alto, algumas pedras ficam acima da superfície das águas e somente embarcações pequenas e com tripulações experientes se arriscam a atravessar esse trecho. Há vários anos, o Governo do Estado do Pará e órgãos do Governo Federal vêm tentando viabilizar a contratação de empresas de engenharia para a realização de obras para a construção de um canal de navegação nesse trecho do rio, porém, várias irregularidades levaram ao cancelamento de sucessivas licitações públicas. 

Problemas desse tipo não são uma exclusividade do Brasil – a hidrovia do rio Reno, uma das mais importantes e movimentadas da Europa, durante séculos apresentou problemas de navegação em um trecho do rio no Sul da Alemanha. Um grande afloramento rochoso em uma curva do rio Reno reduzia o canal de navegação nos períodos de seca para menos de 20 metros de largura. Inúmeros naufrágios e mortes de marinheiros foram registrados no local ao longo da história. No folclore popular da Alemanha, surgiu a lenda de uma sereia, Die Lorelai, que morava nessas rochas e que hipnotizava os barqueiros com seu canto. O problema só foi solucionado às vésperas do início da II Guerra Mundial, quando engenheiros do exército alemão realizaram sucessivas detonações das rochas, liberando o canal de navegação para o transporte de suprimentos e materiais militares durante todo o ano. 

Se até na organizada Alemanha problemas nas hidrovias demoraram a ser resolvidos, quem dirá em terras brasileiras… 

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