GANGES: O RIO MAIS VENERADO E POLUÍDO DA ÍNDIA

SONY DSC

Na minha última postagem falei sobre os alarmantes e assustadores problemas de poluição das águas dos rios da China. Para mostrar que os chineses não estão sozinhos nesta questão, deixem-me falar um pouco sobre os problemas de abastecimento de água na Índia e da extrema poluição do rio Ganges.

A Cordilheira do Himalaia, também chamada simplesmente de Os Himalaias, é conhecida como a cadeia que tem as mais altas montanhas do mundo. Estas montanhas se distribuem por cinco países – Paquistão, Índia, China (incluindo o invadido Tibete), Nepal e Butão, formando um arco com 2.500 km de comprimento e 400 km de largura. De acordo com a Teoria da Deriva Continental (também conhecida como Teoria das Placas Tectônicas de Alfred Wegener), as montanhas dos Himalaias começaram a se formar a cerca de 40 milhões de anos, quando a massa de terras que forma o subcontinente indiano se chocou contra o continente asiático. A margem Norte da placa tectônica, a chamada Placa Indiana, penetrou por baixo da Placa Euroasiática, provocando o levantamento dos solos e dando origem às montanhas dos Himalaias e ao Planalto Tibetano.

O nome Himalaia vem do sânscrito, uma língua ancestral do Nepal e da Índia , e significa “morada das neves”. A razão para a escolha do nome é muito simples: essas montanhas concentram as maiores geleiras fora da Antártica e a água resultante dos derretimentos em vários pontos da Cordilheira formam as nascentes dos mais importantes rios da Ásia: Indo, Bramaputra, Irauádi, Yangtzé (Rio Azul), Huang He (Rio Amarelo), Mekong, Amu Daria, Syr Daria, além do famoso rio Ganges, responsável pelo abastecimento de mais de 400 milhões (algumas fontes afirmam que são 500 milhões) de pessoas na Índia e em Bangladesh.

O Ganges é considerado o rio mais venerado do mundo. De acordo com a mitologia hindu, “qualquer um que se banhar nas águas sagradas do rio terá sua alma purificada – morrer nas margens do rio é ganhar a entrada no céu.” Na fé hindu, uma única gota de água do rio Ganges tem o poder de limpar todos os pecados do corpo. Calcula-se que 1 milhão de pessoas se banhe nas águas do Ganges a cada dia. Nenhum outro rio do planeta tem tanta influência na cultura e na religião de um povo como o Ganges.

A nascente mais importante do rio Ganges fica na Cordilheira do Himalaia, numa gruta sob a geleira Gaumukh, palavra que significa “boca da vaca”. De acordo com a crença popular, é nesse local que a deusa Ganga assume uma forma física, que é representada pelas águas do rio. Os populares a chamam de Maa Ganga, o que significa a Mãe Ganga, aquela que provê o sustento para todos os seus filhos. Esse “sustento” pode ser traduzido na água usada no abastecimento, lembrando que em muitas partes do Norte da Índia o Ganges é a única fonte de água perene disponível para a população; outra interpretação que pode ser dada a “sustento” faz referência à produção agrícola – as águas do rio Ganges são as que mais carregam sedimentos entre todos os rios do mundo, sedimentos que se depositam nas margens do rio, especialmente nas Planícies Indo-Gangéticas, a região mais densamente povoada e considerada o celeiro da Índia. Esses sedimentos são ricos em nutrientes naturais e elementos químicos como fósforo e enxofre, que fertilizam as terras e garantem boas colheitas.

Desde a década de 1940, a geleira de Gaumukh sofreu um recuo de quase 3 km, além de perder quase 1 km na sua espessura. Esse fenômeno está sendo observado em diversas geleiras da Cordilheira do Himalaia. De acordo com estudos realizados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU – Organização das Nações Unidas, as geleiras dos Himalaias, onde se encontram as nascentes dos maiores rios da Ásia, podem começar a desaparecer a partir do ano de 2.035 devido ao aquecimento global e as mudanças climáticas. A questão é particularmente preocupante porque os principais rios da região que têm suas nascentes nas geleiras do Himalaia são responsáveis pelo abastecimento de mais de 2 bilhões de pessoas em diversos países.

Apesar de todas as preocupações com o futuro das águas do rio Ganges, a maior preocupação no momento são os altíssimos níveis de poluição das suas águas e seus impactos na saúde das populações que vivem ao longo dos seus mais de 2.500 km de extensão. Apesar de todos os dogmas religiosos que tratam da pureza sagrada das águas do Ganges, a realidade mostra que suas águas podem ser classificadas como uma das mais poluídas do mundo.

Vou citar como exemplo Khanpur, um importante centro industrial às margens do rio Ganges. A cidade tem uma população estimada em 4 milhões de habitantes e cresceu sem maiores preocupações com o planejamento urbanístico e com a implantação de infraestrutura de saneamento básico (todos devem conhecer cidades como este mesmo perfil aqui no Brasil). A base da economia local são as indústrias ligadas ao curtimento e processamento do couro, especialmente bovino, algo que para mim é bastante intrigante já que a vaca é considerada um animal sagrado para os hindus. Dos cerca de 370 curtumes da cidade, pelo menos metade despeja os seus efluentes diretamente no rio Ganges, sem qualquer tipo de tratamento. A esses efluentes industriais se somam todos os efluentes domésticos gerados pela população de Khanpur.

Um dos principais produtos químicos usados nos processos de tratamento do couro são os sais de cromo, uma substância que mumifica o material e impede que o couro apodreça com o passar do tempo. O cromo é um metal de transição com importantes aplicações na metalurgia, especialmente na produção do aço inoxidável. Os compostos de cromo (estado de oxidação +6) são muito oxidantes e podem ser altamente nocivos. Em altas concentrações, estes compostos podem causar diversos problemas à saúde humana, indo desde problemas respiratórios, infecções, infertilidade e deficiências congênitas. Lançado junto com os efluentes nas águas dos rios, o cromo pode causar problemas nas guelras dos peixes e também provocar alguns tipos de câncer em animais que bebam ou mantenham contato com estas águas. Profissionais que trabalham nos curtumes, expostos diariamente a toda uma gama de produtos químicos, podem apresentar problemas como rinite, problemas no estômago, lesões na pele e, em casos extremos, riscos de desenvolver câncer no pulmão. Além dos sais de cromo, os curtumes utilizam outros tipos de produtos químicos como corantes, amaciantes e vernizes, que resultam na emissão de outros poluentes como o mercúrio e o arsênico.

Pois bem – populações que vivem abaixo da cidade de Khanpur e que tradicionalmente viviam da pesca no rio Ganges, atualmente não conseguem retirar o seu sustento das águas: os cardumes de peixes despareceram e os poucos peixes que conseguem capturar têm uma fração do peso normal para as espécies. Testes feitos por pesquisadores em amostras de água recolhidas e em peixes capturados no rio encontraram, além de altíssimos níveis de cromo, níveis de arsênico e de mercúrio 64 e 120 vezes, respectivamente, acima dos limites toleráveis. Mesmo a água usada no abastecimento de parte da população da cidade, que passa por um processo convencional de tratamento, apresenta altos níveis de cromo, mercúrio e arsênico; ou seja, todos estão sendo afetados pela poluição das águas por metais pesados.

O caso da poluição no rio Ganges é bem extenso – continuaremos a falar dele na próxima postagem. Até lá.

26 Comments

  1. […] O Ganges é o mais sagrado, o mais poluído e o mais importante rio da Índia e de parte de Bangladesh. Cerca de 400 milhões de pessoas nos dois países dependem das suas águas sagradas para abastecimento, usos indústriais, irrigação de campos agrícolas, diluição de esgotos, entre outros usos da água.  […]

    Curtir

    Responder

Deixe um comentário