AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL: OS EMBATES ENTRE A AGRICULTURA “TRADICIONAL” E A FLORESTA

A “invenção” da agricultura foi um dos maiores feitos da humanidade. O renomado escritor, pensador e futurólogo norte-americano Alvin Toffler (1928-2016) chamou esse grande evento, ocorrido entre 12 mil e 10 mil anos atrás, de “Primeira Onda”. Para que todos tenham uma ideia da intensidade e dos impactos provocados pela agricultura na humanidade, a “Segunda Onda”, denominação que foi dada à Revolução Industrial, só se desenrolaria a partir de meados do século XVIII. 

Até o início da produção de alimentos em grande escala nos campos agrícolas, a humanidade vivia num nomadismo interminável, buscando o alimento de cada dia muitas vezes sob risco de vida e sem qualquer certeza de encontrá-lo no dia seguinte. Foi então que, pouco a pouco, populações foram percebendo que era possível cultivar a terra e produzir os preciosos alimentos.  

Ao que tudo indica, essa “invenção” foi fruto do trabalho coletivo de inúmeras gerações de homens e mulheres de regiões como a Mesopotâmia, na Ásia Central, dos Vales dos rios Indus e Ganges, no Subcontinente Indiano, além de grandes rios da China e do Sudeste Asiático. Ao redor dessas áreas de produção agrícola surgiram os primeiros assentamentos humanos permanentes e as primeiras atividades pastoris. 

Há uma característica comum em todos esses locais onde a prática agrícola surgiu e que é fundamental para entendermos a questão da sustentabilidade ambiental na Amazônia – essas eram terras alagáveis, cobertas predominantemente por vegetação arbustiva e com poucas árvores. Sem me prender muito a detalhes, as práticas agrícolas tradicionais dependem de solos livres de árvores e expostos a uma forte luz solar, ou, falando de um jeito mais direto, a agricultura é uma destruidora de florestas

Um sítio histórico importante onde percebemos claramente um dos primeiros grandes embates entre florestas e agricultura foi o antigo Egito, um dos grandes celeiros do mundo antigo. A exemplo das grandes várzeas entre os rios Tigre e Eufrates na Mesopotâmia, o rio Nilo sofria grandes enchentes anuais, que cobriam e fertilizavam grandes extensões de terras ao largo das margens. Quando as águas baixavam, os solos se encontravam cobertos por uma densa camada de sedimentos nutritivos e humus, que passavam a ser trabalhados imediatamente por um grande “exército” de homens e mulheres. 

Na região do Delta do Nilo junto ao Mar Mediterrâneo, porém, havia um grande complicador. Nessas férteis terras entre os inúmeros canais do rio Nilo, os solos estavam cobertos por uma densa floresta com aproximadamente 30 mil km², um grave empecilho para a agricultura. O que fazer então? Muito simples – derrubam-se as árvores, cujas madeiras tinham um bom uso na construção civil e na produção de móveis, carroças e embarcações, liberando assim as terras para a implantação de grandes campos agricultáveis. 

Problemas semelhantes foram surgindo em terras da África, da Europa e da Ásia, onde a expansão das práticas agrícolas se deparou com extensas áreas cobertas por florestas. Foi aí que a força dos machados e o poder do fogo se tornaram os grandes aliados dos primitivos agricultores. Todas essas práticas passaram a ser vistas como normais, essenciais e justificáveis para o avanço da humanidade. 

Dando um enorme salto na história e no tempo, veremos exatamente essas mesmas práticas ao longo da colonização do nosso país. O mais importante produto colonial produzido no Brasil durante quase três séculos foi o açúcar. As melhores terras para o cultivo da cana naqueles tempos eram os “gordos” solos de massapê da faixa litorânea do Nordeste, entre o Sul da Bahia e o Rio Grande do Norte. 

Cobertos originalmente pelos densos sistemas florestais da Mata Atlântica, esses solos foram sistematicamente desmatados e transformados em campos agrícolas para o plantio da cana. A indústria colonial também precisava de energia para transformar as caldas doces em açúcar, o que era conseguido a partir da queima de grandes volumes de lenha – para se produzir um quilograma de açúcar, perto de vinte quilogramas de lenha precisavam arder nas fornalhas dos engenhos. 

A indústria açucareira praticamente dizimou a Mata Atlântica nesse trecho no litoral nordestino. Novas culturas agrícolas desembarcariam em terras brasileiros ao longo do tempo, levando essa destruição das matas cada vez mais rumo ao Sul e ao interior do território brasileiro. Falo aqui do café, do milho, do feijão, das laranjas, da soja e de muitas outras culturas agrícolas que necessitavam de solos livres das incômodas e inúteis árvores. Mais de 80% do bioma Mata Atlântica já desapareceu diante do avanço da agricultura e da pecuária

A mesma lógica de devastação de biomas naturais para a implantação de áreas agrícolas e de pastagens para a criação de gado seria seguida em diferentes momentos na Caatinga Nordestina, nos Pampas Sulinos e no extenso Cerrado Brasileiro. Falando apenas em destruição de cobertura florestal original, esses biomas já perderam, respectivamente, 60%, 54% e 50%

Chegamos agora na Amazônia, uma espécie de “fronteira final” para a agricultura. Milhares de agricultores de outras regiões do Brasil, especialmente do Sul, foram estimulados a migrar para a Região Norte nas décadas de 1960 a 1980, sob a promessa de cessão de grandes extensões de terra para trabalhar. Criados dentro do tradicional sistema de produção agropecuária com liberação de terras mediante a derrubada das matas, esses trabalhadores começaram o processo de destruição da Floresta Amazônica. 

Porém, diferentemente do que vinha acontecendo há talvez 12 mil anos, a humanidade não aceita mais esse processo e, provavelmente por termos a última grande floresta praticamente intacta do mundo, passamos a sofrer enormes pressões internacionais em defesa da Amazônia. Por mais hipócrita que essas pressões sejam, afinal de contas quem nos critica já devastou as suas florestas há muito tempo, essa é a nova regra do jogo mundial e vamos precisar “jogar” de acordo. 

Me apropriando de palavras do grande antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), não faz o menor sentido devastarmos a maior e mais rica floresta equatorial do mundo, a Amazônia, para plantar soja, um grão que é usado majoritariamente para produzir ração para engorda de porcos em países como a China e a Alemanha, ou para produzir carnes para norte-americanos transformarem em hamburgueres. Precisamos reciclar as nossas ideias e mudar os nossos paradigmas de produção agropecuária. 

E como fazer isso? 

Existem inúmeros “produtos amazônicos” de grande valor comercial e forte apelo ecológico, que podem gerar muito trabalho e renda para as populações locais e empresas processadoras (talvez até mais do que a agricultura e pecuária tradicionais), sem que seja necessária a destruição da maravilhosa Floresta Amazônica. Esses “produtos” carregam em seu DNA um fortíssimo apelo de Marketing: são bons, ecologicamente corretos, socialmente justos (esse é um ponto que ainda precisa ser melhor trabalhado) e quem consome está ajudando a preservar a Floresta Amazônica. Muita gente no exterior vai “comprar” essa ideia e consumir esses produtos.

Na próxima postagem vamos falar de dois deliciosos produtos tipicamente amazônicos, que estão conquistando cada vez mais espaços nos mercados nacional e mundial – o açaí e o palmito do açaizeiro. Até lá! 

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