
De acordo com as afirmações de muitos pesquisadores, o trecho da Mata Atlântica que cobria o Extremo Sul da Bahia, Norte do Espírito Santo e uma faixa entre o Nordeste e o Leste de Minas Gerais, tinha características muito similares aos trechos de matas secas da Floresta Amazônica. Até o início do século XX, a região era coberta por matas densas, com árvores altas e bem encorpadas, contando ainda com a mesma altitude e com um clima quente e úmido similar ao Equatorial. No meio dessa magnífica floresta encontramos os rios Doce, São Mateus e Mucuri.
Em meados da década de 1950, essas florestas já haviam sucumbido aos impiedosos machados e às insaciáveis máquinas das “infinitas” serrarias e fábricas de móveis da região. No total, foram devastados cerca de 95 mil km² de florestas na região. Vamos tentar mostrar o que aconteceu.
A devastação de áreas florestais se tornou uma espécie de “rotina” para as populações humanas há, pelo menos, 10 mil anos. Data desse período (falamos aqui de algo entre 12 mil e 10 mil anos atrás) da invenção da agricultura. Populações até então nômades, descobriram que podiam trabalhar a terra e produzir alimentos e, de quebra, criar animais nas áreas de entorno.
Inicialmente, a agricultura era praticada em áreas de campos e estepes, onde existiam poucas árvores – a Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates, na Ásia Central; os Vales do Indus e do Ganges, no Subcontinente Indiano; nas várzeas do rio Yangtzé, na China, ente outros. Quando essas populações praticantes da agricultura mudaram para regiões cobertas por florestas como o Norte da Ásia e a Europa, passou a ser necessária a destruição das matas a fim de liberar a terra para os cultivos e permitir que a luz do sol banhasse os solos.
Essas práticas de desmatamentos se tornaram tão rotineiras na história da humanidade, que foram poucos os historiadores que perderam tempo anotando a forma como isso era feito. Na região entre os vales dos rios Doce, São Mateus e Mucuri, a derrubada das florestas seguiu exatamente esse roteiro e muitos detalhes dos trabalhos se perderam para sempre.
Um dos grandes inibidores do processo “civilizatório” nessa região, conforme já destacamos em postagens anteriores, eram os ferozes e canibais índios botocudos. As dificuldades para navegação nos rios também eram enormes. Além dos inúmeros obstáculos naturais como cachoeiras e corredeiras, como é o caso do rio Doce, faltavam pontos de apoio ao longo das margens dos rios para os canoeiros e barqueiros. Com botocudos nas matas e falta de suporte logístico, eram muitos poucos os que se arriscavam em viagens por esses rios.
O primeiro empreendimento de navegação bem sucedido nessa região foi o do rio Mucuri, a partir de meados do século XIX, sob o comando do empreendedor Teófilo Ottoni. No rio Doce, foram feitas diversas tentativas para a implantação de um grande sistema de navegação ao longo de todo o século XIX, porém sem lograr maiores sucessos.
O grande meio de transporte nessa região e principal aliado dos processos de desmatamentos foram mesmo os trilhos das ferrovias. A primeira delas foi a Estrada de Ferro Bahia Minas, que começou a ser construída no início da década de 1880, a partir de Caravelas, cidade portuária do Sul da Bahia. Os trilhos chegaram na cidade de Teófilo Ottoni em 1898. Aliás, a construção dessa ferrovia foi um dos grandes sonhos não realizados em vida por esse empreendedor.
A Ferrovia Vitória Minas, que teve o seu primeiro trecho de 30 quilômetros inaugurado em 1904, foi durante muito tempo o principal meio de transporte para os grandes volumes de madeiras retirados das matas da faixa Leste de Minas Gerais. Um detalhe importante que hoje pode até parecer irrelevante – as locomotivas usadas nessas ferrovias eram a vapor e consumiam mais de 1 m³ de lenha a cada hora de operação.
Inicialmente, a exploração de madeira nessa extensa região foi bastante seletiva. A madeira mais valiosa e cobiçada era o jacarandá, um produto altamente valorizado pelas indústrias de móveis há época. Outras madeiras valiosas eram o jequitibá, cedro, vinhático, ipê, peroba e o pau-brasil, entre outras. A demanda pelas madeiras acompanhava as oscilações dos preços de mercado – pelas dificuldades de corte e transporte, os madeireiros buscavam sempre as árvores mais lucrativas num determinado momento.
Grupos de madeireiros entravam nas matas em busca das melhores árvores e, quando conseguiam localizar um exemplar, faziam um esforço concentrado para derrubá-lo e cortá-la para o transporte (vide foto). Era comum que um grupo entre 3 e 5 homens trabalhasse com seus machados de forma sincronizada no corte. Esse trabalho em equipe se mostrava fundamental nos casos de acidentes de trabalho, o que não era incomum.
O transporte das toras de madeira era feito por juntas de bois – entre 5 e 8 pares de animais. O tronco era arrastado através de trilhas rudimentares abertas na mata. Segundo as informações disponíveis, uma junta com 14 animais podia arrastar um tronco entre 1,2 e 1,5 tonelada por até 12 km ao longo de um dia. O destino inicial dessas madeiras eram plataformas de carga ao longo das ferrovias ou, em alguns casos, serrarias com máquinas movidas a vapor onde as toras receberiam os cortes.
Muitas dessas serrarias eram especializadas na fabricação de dormentes para trilhos de ferrovias e onde as madeiras mais utilizadas eram as resistentes perobas e ipês. Outros grandes consumidores nacionais das madeiras da Mata Atlântica eram as indústrias de móveis e da construção naval. No mercado internacional, faziam sucesso madeiras consideradas exóticas como o jacarandá, o cedro e o pau-brasil. Aqui é importante destacar que com o início da I Guerra Mundial, houve um grande aumento nas exportações de madeiras pelo Brasil.
Ao longo das décadas de 1920 e 1930, a exploração de madeiras foi uma das atividades econômicas mais importantes da região. No caso do Espírito Santo, a exportação de madeiras através do Porto de Vitória chegou a representar até 6% do volume total de exportações do Estado. Com a crise da cultura do café, iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, essa atividade chegou a ser a mais importante dessa região.
A partir de 1936, quando os trilhos da Ferrovia Vitória Minas chegam finalmente até Belo Horizonte, a capital mineira foi transformada em um dos mais importantes polos moveleiros do país. Até então, os grandes centros produtores de móveis se concentravam em Teófilo Ottoni, Carangola, Aimorés, Manhuaçu, Guanhães, Caratinga e Rio Casca, entre outras.
De acordo com o Anuário Industrial do Estado de Minas Gerais de 1937, as cidades de Belo Horizonte e de Juiz de Fora formavam os principais centros da indústria madeireira mineira. Além desses dois centros, esse Anuário também mostra uma concentração dessas indústrias ao longo do vale do rio Doce, que vão migrando conforme a abertura de novos ramais ferroviários e o esgotamento das matas.
Além da extração de madeiras nobres e resistentes para usos na movelaria, construção civil e para a fabricação de dormentes, as madeiras “menos nobres” passariam a encontrar um outro fim – alimentar os altos-fornos das usinas siderúrgicas de Minas Gerais com o carvão de origem vegetal. A produção siderúrgica mineira, que desde a década de 1830, já vinha se consolidando como uma grande consumidora de carvão vegetal, ganhou “musculatura” com a implantação das ferrovias, um caminho que passava a permitir o escoamento da produção na direção dos portos.
Os mesmos trilhos e vagões que transportavam grandes cargas de minérios e produtos siderúrgicos numa direção, passaram a ser utilizados para transportar grandes carregamentos de carvão vegetal em outras direções. A derrubada seletiva de madeiras que se viu até os primeiros anos da década de 1930, agora seria transformada numa espécie de vale tudo – qualquer árvore com possibilidade de ser transformada em carvão passaria a ser derrubada “sem choro ou dó”.
Um grande exemplo dessa época é a Siderúrgica Belgo-Mineira, que em 1937, inaugurou em João Monlevade o maior alto-forno alimentado a carvão vegetal do mundo até aqueles tempos. Logo, não é de se estranhar que, já em meados do século XX, a fabulosa Mata Atlântica tenha desaparecido do mapa nessas regiões.