O RIO TOCANTINS E SUAS USINAS HIDRELÉTRICAS

Na postagem anterior falamos dos contrastes do rio Paraná em diferentes trechos. Na região do alto da sua grande bacia hidrográfica, a segunda maior em tamanho na América do Sul, o rio vem apresentando caudais médios, um reflexo da grande seca que se abateu na região central do Brasil. Na região do Lago de Itaipu, onde chegaram bons aportes de água ao longo do último verão, o nível está excelente. Já no baixo trecho da bacia hidrográfica, dentro do território da Argentina, o rio sofre com a forte seca e com baixíssimos níveis. 

Um outro rio que vive uma situação similar é o Tocantins, um rio 100% brasileiro que nasce na região da Serra Dourada, no Estado de Goiás, e que tem sua foz na Baía do Marajó, bem próximo da cidade de Belém do Pará. Junto com o rio Araguaia, o Tocantins forma uma bacia hidrográfica que ocupa uma área total de 960 mil km², o correspondente a 11% do território brasileiro.  

A bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia é considerada a segunda maior em produção de energia elétrica do Brasil. No rio Tocantins foram construídos vários complexos hidrelétricos, transformando o rio numa sucessão de represas. A primeira usina hidrelétrica do rio Tocantins foi Tucuruí, concluída em 1984 e causadora de inúmeros problemas ambientais e sociais apresentados em diversas postagens anteriores.  

O lago de Tucuruí vai muito bem, obrigado: de acordo com informações do ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico, o volume acumulado era de 98,77% de sua capacidade máxima em 22 de maio. É importante destacar que a Usina Hidrelétrica de Tucuruí tem uma potência total instalada de 8,37 mil MW e é uma das mais importantes geradoras do Brasil. 

Na outra “ponta”, na região do alto rio Tocantins, encontramos a Usina Hidrelétrica de Serra Mesa (vide foto), onde as coisas estão bem mais complicadas. O lago da Usina, formado no final da década de 1990 e considerado um dos maiores espelhos d’água do Brasil, amarga um volume total de meros 36,84% de sua capacidade máxima, de acordo com dados de 22 de maio do mesmo ONS

À jusante da Usina de Serra Mesa foi construída uma sucessão de hidrelétricas ao longo dos anos, que dependem dos caudais liberados pela barragem. Em 2002 foram finalizadas as Usinas de Cana Brava e Luís Eduardo de Magalhães. Em 2006 foi a vez da Usina de Peixe Angical e em 2009 as Usinas de Estreito e São Salvador. O rio Araguaia não possui nenhuma usina hidrelétrica instalada. 

A diferença entre esses dois cenários é bem fácil de se explicar – apesar de ser considerado parte de uma bacia hidrográfica independente, o trecho baixo do rio Tocantins está inserido na Floresta Amazônica e goza das benesses da sua generosa temporada de chuvas. Os grandes volumes de água dessas chuvas chegam até o rio Tocantins através de uma série de afluentes e “vitaminam” os volumes armazenados no lago de Tucuruí. Também não são desprezíveis os volumes de água despejados pelo rio Araguaia, que deságua no rio Tocantins bem próximo da cidade de Marabá, no Estado do Pará. 

O alto rio Tocantins, ao contrário, tem suas nascentes e tributários inseridos dentro do bioma Cerrado no Brasil Central. Além de estar sofrendo com volumes de chuvas abaixo da média nos últimos anos, essa extensa região abriga há várias décadas as frentes de expansão da agricultura aqui no Brasil, notadamente a produção de grãos como a soja e o milho. A destruição de grandes trechos da vegetação nativa do Cerrado tem se revertido na redução dos caudais dos rios da região. 

O lago da Usina Hidrelétrica de Serra Mesa ocupa uma área total de 1.784 km², o que é maior que toda a área ocupada pelo município de São Paulo. Considerado o quinto maior lago artificial do Brasil, esse reservatório pode armazenar aproximadamente 54 bilhões de m³ de água. Quando esse Usina foi idealizada, os projetistas imaginaram que seu lago desempenharia um papel semelhante ao da Represa de Três Marias, no rio São Francisco, funcionando como um regulador dos caudais do rio Tocantins no período da seca. Infelizmente, o Lago de Serra Mesa vem enfrentando sucessivas secas desde 2012 e está cada vez mais distante dos objetivos iniciais de sua criação. 

No final de 2018, nós publicamos uma postagem aqui no blog falando da situação crítica de Serra Mesa, que naquela época chegou ao nível de 12,46% (28/10/2018). Naquele momento, toda a Região o Centro-Oeste do país estava passando por um período de forte seca e as populações da região esperavam ansiosamente pela chegada de chuvas em volumes maiores e com melhor distribuição geográfica. 

De acordo com estudos da SECIMA – Secretaria Estadual de Cidade, Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Goiás, foi observada uma redução de 10% nos volumes de chuva no Estado desde 2008 – a partir de 2016, a redução foi ainda maior, chegando aos 25%. Neste período, o fenômeno El Niño  se fez presente em 4 anos, tendo provocado uma redução nas chuvas em pelo menos 3 anos. Desde o final do ano passado, a vilã climática no Centro-Oeste brasileiro é La Niña

A ANA – Agência Nacional de Águas, em diversos momentos precisou publicar Resoluções no sentido de reduzir a vazão da Usina Hidrelétrica de Serra Mesa a fim de permitir uma recuperação dos níveis do reservatório. Uma Resolução de 2018, citando um exemplo, determinou a redução da vazão da Hidrelétrica de 300 m³ por segundo para 200 m³ por segundo entre dezembro de 2018 e maio de 2019. Esse foi considerado há época o limite mínimo de água para garantir a operação das usinas hidrelétricas a jusante. 

Além de criar graves problemas para a geração de energia elétrica, os reduzidos caudais desse trecho do rio Tocantins criam inúmeros problemas para a navegação hidroviária. A calha do rio fica tomada por grandes bancos de areia, que se transformam em verdadeiras armadilhas para as embarcações. Além do transporte de grãos como o milho e a soja, a navegação no rio Tocantins é fundamental para o transporte das populações ribeirinhas e de turistas, especialmente pescadores, que buscam a região e seus famosos peixes como o tucunaré. 

Há época das cheias, é possível navegar até 2.000 km pelas águas do rio Tocantins, saindo da cidade de Belém do Pará e chegando a Lajeado, no Estado do Tocantins, o que demonstra todo o potencial dessa hidrovia para o escoamento de grãos produzidos na região Centro-Oeste. Um dos grandes obstáculos ainda existentes para a exploração plena dessa hidrovia é o Pedral do Lourenço, um trecho de 43 km do rio Tocantins repleto de afloramentos rochosos. Na época da seca, somente canoas com remadores habilidosos conseguem vencer esse trecho. 

O Governo Federal vem trabalhando há vários anos no sentido de viabilizar a construção de um canal de navegação através do Pedral do Lourenço – as últimas notícias divulgadas dão conta do bom andamento do processo de licenciamento ambiental. Outra boa notícia foi a reativação da eclusa da barragem da Usina Hidrelétrica de Tucuruí após uma ampla manutenção dos seus equipamentos. 

Todos esses planos, é claro, dependem da boa “saúde” do rio Tocantins, especialmente no trecho do seu alto curso. É fundamental que se façam estudos para determinar quais são exatamente os limites entre os fatores climáticos e os fatores antrópicos (criados pelo ser humano), de forma a se tomar medidas de proteção e de recuperação de remanescentes florestais com vistas à recuperação de nascentes e de afluentes da bacia hidrográfica. 

Jogar a culpa em El Niño, em La Niña e em outros problemas climáticos é simplificar demais a questão. 

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