
Postagens sobre o rio São Francisco, suas grandes hidrelétricas e seus gigantescos problemas ambientais são razoavelmente frequentes aqui no blog. O São Francisco está muito longe de ser um dos maiores rios brasileiros – rios das bacias hidrográficas do Amazonas, do Paraná e também do conjunto dos rios Tocantins/Araguaia superam com folga, em tamanho e volume de água, o nosso Velho Chico. Porém, quando se fala em importância social e de integração nacional, o rio São Francisco ganha de lavada.
A relevância do rio São Francisco começou ainda nos primeiros tempos da colonização do país. As margens do rio passaram a sediar grandes fazendas de criação de gado. Essa atividade passou a ganhar uma enorme importância nessas regiões quando os conflitos entre os criadores de gado e os plantadores de cana-de-açúcar se intensificaram. Os animais invadiam as plantações e devoravam com prazer os brotos adocicados de cana.
Uma decisão do Rei de Portugal a favor dos produtores de cana e açúcar determinou a expulsou de todas as boiadas do litoral nordestino. De acordo com a Carta Régia, os criadores precisavam manter seus animais a, no mínimo, 60 km das plantações. Muitos criadores de gado seguiram as margens do rio São Francisco, buscando pastagens para seus animais nos sertões da Caatinga.
Outro momento quando o rio São Francisco mostrou toda a sua importância começou após as primeiras notícias da descoberta de jazidas de ouro na região das Geraes. Relembrando, bandeirantes paulistas descobriram grandes reservas auríferas na Serra do Sabarabuçu, no coração da região que passou a ser conhecida como Minas Geraes, em 1693. Essa notícia se espalhou rapidamente por todo o Brasil e o rio São Francisco se transformou na principal via de ligação entre o litoral e as áreas de mineração.
Em menos de 50 anos, cerca de 2/3 de toda a população colonial brasileira se deslocou para a região das Minas Geraes, o que nos dá uma ideia do impacto da descoberta das minas de ouro e da importância do rio São Francisco para toda essa gente. Longos trechos navegáveis do rio eram usados para o transporte de pessoas e mercadorias. Onde a navegação não era possível, caminhos marginais ao longo da calha do rio eram as opções.
Outro momento de grande destaque para o rio São Francisco começou no início do século XX, época em que teve início o aproveitamento energético das águas do rio. A primeira unidade geradora foi a Usina Hidrelétrica de Angiquinho em 1913. O empreendimento pioneiro contava com três turbinas – uma de 175 kVa, uma segunda de 450 kVa e a terceira com 625 kVa. A energia gerada na unidade era transportada por uma rede elétrica a uma distância de 24 km até as fábricas de Delmiro Gouveia na cidade de Pedras, no interior do Estado de Alagoas.
Foi a partir da década de 1940 que o aproveitamento energético do rio São Francisco ganhou um fortíssimo impulso. Destaque para o complexo de Paulo Afonso, que teve a sua primeira usina hidrelétrica – Paulo Afonso I, inaugurada em 1954, e a última – Paulo Afonso IV, em 1979. Outros marcos no setor foram as Usinas Hidrelétricas de Três Marias, concluída em 1961, e Sobradinho, que entrou em operação em 1979, entre outros empreendimentos.
A grande importância que o rio São Francisco ganhou no campo da geração de energia elétrica não foi seguida de maiores cuidados com a saúde e a qualidade ambiental de suas águas e margens. O rio sofreu ao longo de vários séculos com a intensa degradação provocada por atividades de mineração, agricultura e pecuária, siderurgia (com destaque para a derrubada de matas para a produção de carvão para queima nos altos fornos), entre outras. O resultado desse conjunto de agressões aparece na redução dos caudais do Velho Chico.
Um verdadeiro “termômetro” da saúde do rio São Francisco é o Lago de Sobradinho – ao longo das últimas décadas, o espelho d’água vem apresentando enormes variações nos seus níveis, um problema que extrapola as atividades de geração de energia elétrica. As sucessivas reduções nos níveis de água afetam o abastecimento de populações, as indústrias e, principalmente, a produção agrícola – as margens do Lago de Sobradinho abrigam enormes plantações de frutas e outras culturas irrigadas.
Em meados de novembro de 2017, citando um exemplo dos altos e baixos de Sobradinho, o nível do reservatório estava em 2,8%, o mais baixo desde a sua formação. Cerca de um mês depois, graças à chegada do período das chuvas, o nível do reservatório subiu um pouco e atingiu a marca de 4,16%. A postagem publicada há época afirmava que “Sobradinho ainda estava na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), mas já respirava sem aparelhos”.
Em outro momento, em dezembro de 2019, o nível do reservatório se encontrava com apenas 25% da sua capacidade. Pouco mais de seis meses depois, em julho de 2020, o Lago de Sobradinho já estava com 88,8% de sua capacidade, o maior volume de água registrado desde 2012. As outras duas grandes represas do rio São Francisco – Três Marias e Itaparica, também estavam esbanjando saúde há época com 88,66% e 84%, respectivamente.
Hoje, de acordo com dados do ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico, do dia 25 de maio, o reservatório de Sobradinho está com 64,59%, Três Marias com 66,71% e Itaparica com 52,44%. Os níveis atuais não são tão confortáveis como os do ano passado, mas, como se dizia nos meus tempos do ensino fundamental, “qualquer nota acima de 5 já é o suficiente para passar de ano”.
A Usina Hidrelétrica de Sobradinho (vide foto) possui uma capacidade de geração de energia elétrica de 1 GW. Porém, a ideia inicial para a construção da sua grande barragem foi a de atuar como uma regularizadora dos caudais do Baixo rio São Francisco. A jusante de Sobradinho (correnteza abaixo) estão localizadas as Usinas Hidrelétricas Paulo Afonso I, II, III e IV, além de Moxotó, que geram uma potência total de 4,2 GW.
Em 1988, foi inaugurada a Usina Hidrelétrica de Itaparica, que teve seu nome mudado para Luiz Gonzaga (1912-1989) – cantor, compositor e “Rei do Baião”. Em 1994, foi a vez da inauguração da última grande usina hidrelétrica do rio São Francisco – Xingó, com potência instalada de 3,16 GW.
No trecho do Alto rio São Francisco encontramos a Usina Hidrelétrica de Três Marias, concluída em 1961 e com uma capacidade total de geração de 396 MW. A barragem dessa represa, que tem cerca de 2,7 km de extensão, foi durante muito tempo a maior barragem construída pelo sistema de aterro do mundo. O espelho d’água pode atingir uma área total de 1.100 km² e armazenar um volume de 21 bilhões de m³ de água.
Essa rápida exposição mostra a posição de destaque que o rio São Francisco atingiu ao longo das últimas décadas na área de geração de energia elétrica. Os níveis de água armazenados atualmente em suas represas garantirão a operação contínua de todo seu conjunto de usinas hidrelétricas por muitos meses, ajudando a suprir parte importante das demandas energéticas nesses tempos em que outros reservatórios estão “quase” secos.
A importância do rio São Francisco precisa ser estendida também para o lado social – dezenas de cidades dependem das suas águas para o abastecimento de suas populações. Muitos trabalhadores precisam dessas águas para pescar e navegar, enquanto muitos outros utilizam as águas para irrigar as suas plantações. Preservar o rio e todos os seus recursos – ambientais, sociais e econômicos, é essencial.
Um dos ícones da situação crítica em que se encontra o São Francisco é o surubim, um peixe que já símbolo do rio. Antes abundante nas águas, o peixe é cada vez mais difícil de ser avistado ou capturado. Um peixe de rios da Amazônia, o cachara, que é muito parecido com o surubim, passou a ser “importado” e vendido como “surubim genérico” em mercados de vilas e cidades às margens do Velho Chico.
Se isso não é um sinal da decadência do rio, eu não sei dizer o que seria…
[…] A SITUAÇÃO DOS RESER… em SURUBIM: O PEIXE QUE JÁ FOI SÍ… […]
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