LÁPIS-LAZÚLI: O “OURO AZUL” DO AFEGANISTÃO

Lápis-lazúli

Em 1922, o arqueólogo britânico Howard Carter encontrou um dos mais valiosos tesouros do Antigo Egito: a tumba intacta do faraó Tutankhamon. A região da descoberta, conhecida como O Vale dos Reis, em Luxor – Alto Egito, foi o local escolhido pela maior parte das dinastias reais do antigo reino para o repouso final dos seus soberanos. Imensas tumbas foram escavadas nos paredões rochosos, onde as múmias dos faraós, acompanhadas de todos os seus tesouros, eram caprichosamente encerrados com vistas ao início da jornada até o Mundo dos Mortos. Essa região também foi, desde os mesmos tempos antigos, um polo de atração dos mais perigosos ladrões de tumba. Todos os locais onde existiam vestígios de antigas sepulturas reais foram profanados, escavados e os tesouros saqueados. 

A descoberta de uma tumba real intacta no Vale dos Reis foi notícia em todo o mundo e todo o processo de abertura foi acompanhado por jornalistas e autoridades. Quando a pedra que selava a tumba foi removida, todos ficaram perplexos com a quantidade e a beleza dos objetos ali encontrados. A surpresa maior da descoberta se deu com a abertura do sarcófago do faraó – a múmia de Tutankhamon usava uma máscara mortuária de ouro maciço cravejada por pedras de lápis-lazúli e outras gemas preciosas. Nenhuma outra múmia encontrada antes usava um objeto de tamanho esplendor! 

O lápis-lazúli é uma pedra preciosa de cor azul brilhante, conhecida desde a antiguidade  (os primeiros registros datam de 7.000 a.C.) e que desde sempre esteve associada à riqueza e ao poder. Os antigos faraós do Egito e os reis de todo o mundo antigo usavam joias e artefatos adornados com lápis-lazúli. Essas pedras se formam no interior de rochas metamórficas em condições geológicas muito específicas, onde os minerais de lazurita, calcita e pirita se fundiram sob um calor intenso. As maiores e mais valiosas reservas de lápis-lazúli do mundo são encontradas nas montanhas do Afeganistão, um país isolado no centro da Ásia. As pedras de lápis-lazúli são na sua maioria opacas – as variedades translúcidas são as mais raras e, consequentemente, as mais valiosas.

O Afeganistão ocupa uma posição estratégica na Ásia Central, tendo sido o ponto de passagem de importantes rotas comerciais da antiguidade, entre essas a famosa Rota da Seda. As incontáveis caravanas de mercadores, que atravessavam os estreitos caminhos entre as montanhas afegãs, disputavam as valiosas pedras brutas de lápis-lazúli, uma mercadoria que podia ser revendida por preços exorbitantes em todos os reinos do mundo antigo. 

A mineração do lápis-lazúli é o que se pode chamar de devastadora, para se dizer o mínimo. Para extrair pequenas quantidades dessas pedras é necessário fazer primeiro o desmonte de grandes paredões rochosos. No passado, essa etapa da exploração era uma das mais exaustivas, exigindo o trabalho de centenas de mineiros – em nossos tempos modernos, com o uso de explosivos, faces inteiras de montanhas são colocadas abaixo em poucos segundos. 

Numa segunda etapa, os mineiros precisam quebrar as pedras em busca dos veios internos onde o lápis-lazúli se formou. Esse trabalho é feito inicialmente com marretas e ao custo de muitos golpes. Quando se identifica qualquer vestígio dos minerais que formam o lápis-lazúli, o trabalho passa a ser feito de maneira mais cuidadosa com um cinzel. São necessários vários dias de trabalho e a movimentação de dezenas de toneladas de rochas para se obter pequenas quantidades de lápis-lazúli. Algumas tribos afegãs vêm se dedicando a este trabalho a dezenas de gerações. 

Mas esses tempos e essas pacientes técnicas de mineração fazem parte de um passado distante. O Afeganistão vem sendo o palco de sucessivos conflitos militares há várias décadas, um problema que se tornou muito mais graves após o surgimento de grupos militares fundamentalistas, chamados genericamente de talibãs, que se orientam por leituras “ortodoxas” do Alcorão, o livro sagrado dos Ismaelitas (eles não gostam de ser chamados de muçulmanos). Lutando ora contra invasores russos, ora contra uma coalizão de países liderados pelos Estados Unidos na sua “guerra contra o terror”, esses grupos militares passaram a se valer das imensas riquezas minerais dos solos afegãos para financiar sua guerra e a compra de armas e equipamentos militares. 

Ocupando uma área com aproximadamente 650 mil km², o que equivale a uma área um pouco maior do que a soma dos territórios de Minas Gerais e do Espírito Santo, o Afeganistão abriga uma infinidade de províncias minerais. Entre os destaques minerais existem reservas de carvão mineral, cobre, minério de ferro, lítio, urânio, terra-rara, cromita, ouro, zinco, talco, barita, enxofre, chumbo, mármore, gás natural e petróleo, além é claro de imensas veios com gemas preciosas como diamantes e lápis-lazúli. Segundo uma estimativa feita pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos em 2007, os depósitos minerais inexplorados do Afeganistão valem entre US$ 900 bilhões e US$ 3 trilhões. Talvez seja por isso que tantas potências mundiais têm lutado nas últimas décadas pelo controle desse país rochoso e muito seco. 

A exemplo da exploração e exportação dos “diamantes de sangue” da África, sobre os quais falamos em postagens anteriores, os diversos grupos militares afegãos se valem de todas as “técnicas” de exploração mineral disponíveis, usadas da forma mais insustentável e brutal possível, para a obtenção de recursos minerais valiosos. Esses grupos têm interesse especial em recursos de fácil transporte e comercialização como ouro, diamantes e lápis-lazúli. Entre as técnicas de exploração utilizadas, existe uma versão afegã do Ruina Montium do Império Romano, onde ao invés de usar a força hidráulica da água para o desmonte de rochas, usa-se quantidades impressionantes de explosivos militares.  

Faces inteiras de montanhas são colocadas ao chão pela força das explosões e camponeses e pastores das aldeias e vilas das áreas montanhosas são “recrutados” para fazer o trabalho de separação dos minérios. Não é necessário falar que esses trabalhos são realizados sob condições ínfimas de segurança, com grandes rochas soltas em encostas de morros, que podem rolar sob a menor vibração. As montanhas de entulhos soterram vales inteiros, bloqueando antigas trilhas entre as montanhas, o que prejudica as comunicações e os transportes entre as populações espalhadas escassamente pelo território do país.  

Outro problema ambiental sério é o bloqueio dos canais de muitos rios temporários. O Afeganistão é um país extremamente seco e as principais fontes de água superficiais vêm do degelo da neve do alto das montanhas. Com o bloqueio dos canais, a preciosa água acaba evaporando ou se infiltrando nos solos cársticos (solos de rochas permeáveis, especialmente de rocha calcária, onde a água das chuvas e dos rios se infiltra facilmente e corre através de conjuntos de grutas e túneis subterrâneos), prejudicando o abastecimento de populações, rebanhos e demais usos na agricultura. 

Assim como acontece com os brilhantes “diamantes de sangue”, as preciosas pedras de lápis-lazúli vão passar por processos minuciosos de lapidação e polimento, passando depois pela sua montagem nos mais diferentes tipos de jóias (vide foto) e objetos. E como é de praxe, ninguém vai perguntar de qual lugar do mundo essas pedras vieram e qual foi o seu custo em vidas humanas. Simples assim. 

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