A PROBLEMÁTICA MINERAÇÃO DO CARVÃO EM MOÇAMBIQUE

Moçambique

Moçambique é um grande país localizado no Sudeste da África, possuindo uma área com mais de 800 mil km² e com uma população de aproximadamente 20 milhões de habitantes. Ex-colônia de Portugal, Moçambique também tem o português como língua oficial – metade da população utiliza o português como língua oficial do dia a dia e parte da outra metade o tem como 2ª língua, ao lado de uma infinidade de outras línguas e dialetos africanos. 

Moçambique também é um país muito pobre. A renda per capita da população é de apenas US$ 1.50 por dia, o que equivale a R$ 5,60 (na cotação do dia 14/02/2019). O país ocupa atualmente a posição 180° no IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. Esse Índice é elaborado pela ONU – Organização das Nações Unidas, e avalia a Saúde, a Educação e a Renda das populações. O IDH de Moçambique figura entre os dez mais baixos do mundo e só não é pior porque a sangrenta guerra civil que assolou o país terminou em 1992

Nos últimos vinte anos, as perspectivas de ganhos econômicos com a exploração das diversas reservas de carvão do país, passaram a representar a esperança de um futuro melhor para a população de Moçambique. Uma dessas reservas está localizada na província de Tete, na região central do país. Chamada de Bacia Carbonífera de Moatize, essa reserva mineral possui uma das maiores jazidas de carvão do mundo, com volumes estimados em, aproximadamente, 2,5 bilhões de toneladas. Diversas empresas multinacionais do setor de mineração implantaram grandes projetos na região. Entre elas, uma velha conhecida de todos nós: a Vale do Rio Doce

O projeto de mineração de carvão da Vale em Moçambique foi iniciado em 2008, sendo que 85% das ações pertencem à empresa brasileira, 5% ao Governo de Moçambique e os 10% restantes estão pulverizados entre investidores locais. A Vale trabalha com a expectativa de operar a mina ao longo de 35 anos, com a meta de produzir 11 milhões de toneladas de carvão por ano. Os investimentos previstos ao longo do projeto são de US$ 8,5 bilhões, um volume de recursos correspondente a mais da metade do PIB – Produto Interno Bruto de Moçambique. Entre os financiadores do projeto estão a multinacional IDC, ligada ao Banco Mundial, e o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, do Brasil. 

As expectativas criadas pela chegada do projeto ao município de Moatize, uma localidade com menos de 30 mil habitantes, e também na capital da província, a cidade de Tete com seus 155 mil habitantes, foram muito grandes. De acordo com dados de 2011, o projeto teria gerado cerca de 3 mil empregos, sendo que 90% das vagas foram ocupadas por trabalhadores locais

Infelizmente, as boas notícias para a população acabam por aqui. A implantação simultânea de vários projetos de mineração na região não tardou a mostrar seus impactos negativos no meio ambiente e na vida das pessoas, que passaram a sofrer com a contaminação das fontes de água, desapropriação de suas terras e convivência diária com uma atmosfera saturada por pó de carvão, entre outros graves problemas. 

Na área onde foi implantado o projeto de mineração da Vale viviam cerca de 1.360 famílias, que dependiam da agricultura de subsistência há várias gerações. Nas negociações para a desapropriação dessas famílias, a empresa brasileira construiu dois assentamentos, um vizinho à área de mineração e outro em Cateme, uma vila a quase 40 km de distância.  

De acordo com informações de ONGs – Organizações Não Governamentais, locais, essas famílias reclamam da qualidade das terras que receberam, que, segundo seus relatos, são de uma qualidade muito inferior e pouco adequadas para a agricultura. Essa é uma reclamação muito comum entre famílias reassentadas e, em diversas postagens aqui no blog, falamos dos problemas vividos por populações deslocadas para a formação de barragens em todo o Brasil como a de Sobradinho, na Bahia. 

Uma outra reclamação, recorrente entre os reassentados, diz respeito às promessas feitas pela Vale para o emprego de muitos desses trabalhadores numa empresa de construção, algo que nunca aconteceu. Também existem problemas de infraestrutura nas vilas, especialmente a falta de energia elétrica. A mineradora também havia assumido o compromisso de fornecer cestas básicas aos reassentados ao longo de cinco anos, mas cessou o fornecimento após apenas um ano. Essa quebra sistemática dos compromissos, que representam gastos insignificantes para o porte do empreendimento, tem causado indignação entre os locais e já gerou inúmeros protestos e manifestações, algumas reprimidas com violência pelas forças policiais. 

Um outro problema grave, este criado pela mineradora indiana Jindal, está afetando a saúde de 6 mil famílias em vários distritos da cidade de Moatize. A mineradora instalou uma grande área para o depósito temporário de carvão nas proximidades de vários bairros, onde vive uma população estimada em 30 mil habitantes. A Jindal opera uma mina em Chirodzi, uma localidade a cerca de 120 km de Moatize. Diariamente, centenas de caminhões chegam ao terreno para descarregar o carvão, que depois será embarcado nos vagões da ferrovia que segue rumo ao litoral, para embarque no porto de Maputo. Essa intensa movimentação de carvão gera uma gigantesca nuvem de pó, que está afetando a saúde de toda a população. 

A inalação contínua do pó de carvão pode provocar uma doença conhecida como pneumoconiose dos carvoeiros ou “pulmão negro”, resultante do acúmulo de pó ao redor dos brônquios pulmonares. Nos casos mais graves da doença, que atingem entre 1 e 2% dos doentes, a pneumoconiose se transforma em fibrose maciça progressiva, onde os tecidos pulmonares e os vasos sanguíneos entram num processo de destruição devido a formação de grandes cicatrizes. Nos casos mais simples, a inalação do pó de carvão causa crises alérgicas e irritação das vias respiratórias, além de provocar complicações em pessoas com doenças pulmonares pré-existentes como asma e bronquite. 

Por fim, e não menos graves, são muitas as reclamações sobre a contaminação das fontes de água usadas para o abastecimento das populações. A mineração do carvão expõe rochas e rejeitos ricos em sulfetos, que liberam grandes quantidades de metais pesados e acidificam as águas. Metais acumulados nos sedimentos dos corpos hídricos passam por processos de bioacumulação em vegetais e, posteriormente, são transmitidos por toda a cadeia alimentar.  

Metais pesados altamente tóxicos como o cádmio, chumbo e mercúrio podem, através desse processo, contaminar seres humanos. Esse processo de transferência de metais entre os seres vivos é chamado de biomagnificação. Apesar das muitas negativas quanto aos problemas de contaminação das águas, as mineradoras costumam enviar caminhões pipa com água potável para as vilas. Isso é, no mínimo, uma confissão informal de culpa. 

Apesar de toda essa série de problemas, entre muitos outros, as autoridades de Moçambique parecem olhar para o outro lado – graças a todos esses grandes projetos de mineração, o PIB do país vem crescendo a taxas de 7% ao ano.  

Então, para que perder tempo se preocupando com a vida e com a saúde das populações que vivem nas áreas de entorno das minas de carvão? 

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