AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NOS ANDES TROPICAIS, OU O LAGO TITICACA SOB RISCO

Geleira

As polêmicas mudanças climáticas globais, conjunto de fenômenos que dividem opiniões nos meios científicos e políticos – com muitos afirmando que são eventos naturais e outros insistindo que são antrópicos (causados por ações humanas), estão provocando alterações visíveis nos quatro cantos do mundo.

Na América do Sul, os Andes Tropicais, trecho da Cordilheira que vai da Bolívia ao Sul até Colômbia e Venezuela ao Norte, é uma das regiões do mundo onde as alterações climáticas são mais visíveis – dezenas de geleiras Andinas desapareceram nos últimos anos: só restaram 5 geleiras das 10 que existiam na Venezuela em 1952; na Colômbia, 8 geleiras desapareceram restando apenas 6; no Equador, as geleiras dos vulcões Antizana, Cotopaxi e Chimborazo perderam entre 42 e 60% de suas massas; as 722 geleiras existentes na Cordillera Blanca no Peru sofreram uma redução de 22,4% desde 1970 e na Bolívia, as geleiras de Charquini perderam entre 65 e 78% das suas áreas nas últimas décadas, entre outros derretimentos confirmados. O abastecimento de água de milhões de pessoas está ameaçado – os rios com nascentes formadas pelas águas de degelo dos Andes estão desaparecendo lentamente.

O Lago Titicaca, maior corpo de água doce da América do Sul e o mais importante manancial da região do altiplano na divisa entre Peru e Bolívia, encabeça a lista dos ameaçados. Vamos entender o que está acontecendo:

Nas altas montanhas Andinas (com altitudes entre 5 e 6 mil metros) a precipitação anual normalmente se situa na faixa entre 1.200 e 1.500 mm, resultando num acúmulo de neve entre 2 e 3 metros. Ao longo de milhares de anos, essa neve anual foi se compactando e formando todo um conjunto de glaciares de Norte a Sul da Cordilheira. Nessas regiões, a precipitação é controlada, principalmente por correntes de ar vindas do Oceano Pacífico, que se misturam com massas de ar vindas da região amazônica. As altas montanhas interceptam as massas de ar, resultando em precipitação e acúmulo de neve – o derretimento gradual de uma pequena parte dessa massa de gelo está na origem das nascentes de água de todos os rios andinos, inclusive os rios que alimentam o Lago Titicaca.

Estudos climáticos vêm indicando um aumento anormal da temperatura global da atmosfera nas últimas décadas, produzindo alterações nas condições meteorológicas do Oceano Pacífico e modificando os ciclos do El Niño e La Niña, conjunto de fenômenos atmosférico-oceânicos caracterizados por, respectivamente, um aquecimento e um resfriamento anormal das águas superficiais no Oceano Pacífico Tropical. Estes fenômenos cíclicos produzem alterações em grande parte do clima mundial. A redução do albedo, reflexão difusa da luz solar na neve, é outro fenômeno preocupante, que tem contribuído para o aumento das taxas de derretimento das geleiras.

O branco intenso da neve fresca reflete grande parte da radiação solar que incide no topo das altas montanhas – essa reflexão evita o acúmulo do calor do sol, que teria como consequências o derretimento das geleiras. Nas últimas décadas, a redução dos volumes de neve provocou uma exposição cada vez maior da superfície rochosa das montanhas – essas rochas em cores escuras absorvem quantidades cada vez maiores da radiação solar e dissipam esse calor contra o gelo, que derrete cada vez mais. O albedo é tão relevante no controle do degelo dos glaciares que alguns importantes cientistas já levantaram a hipótese de se “pintar” as rochas já expostas com uma tinta especial na cor branca, substituindo artificialmente a cobertura de neve e reduzindo a temperatura e o derretimento do gelo.

A combinação de todas estas alterações climáticas resulta em cada vez menos água descendo das nascentes das montanhas, especialmente nos rios que alimentam  o Lago Titicaca, que continua a perder água por evaporação. Fenômenos climáticos semelhantes estão destruindo geleiras em todos os cantos do planeta e ameaçando as nascentes de importantes rios, responsáveis pelo abastecimento de bilhões de pessoas.

Sentado em sua poltrona enquanto lê está postagem, você pode se perguntar que importância tem o derretimento de glaciares nas distantes montanhas da Cordilheira dos Andes ou que diferença faz o eventual desaparecimento do Lago Titicaca. Eu respondo – importantes rios brasileiros como o Amazonas e o Madeira nascem a partir do derretimento de algumas dessas geleiras; alterações climáticas com força para desestabilizar o clima nos Andes também podem provocar alterações significativas no regime das chuvas que caem aí na sua cidade.

Aliás, todos nós já estamos percebendo alterações nos volumes e nas regiões onde caem ou não as nossas chuvas – alguns dos grandes reservatórios brasileiros estão secando e a Região Nordeste vive uma das secas mais intensas do último século. Será que já são as tais mudanças climáticas?

22 Comments

  1. […] Outra grande cidade que podemos incluir na lista daquelas com dificuldade para o abastecimento de sua população é Bogotá, a capital da Colômbia. Com mais de 7 milhões de habitantes e localizada a uma altitude de 2.640 metros acima do nível do mar, Bogotá sempre contou com as águas do rio Madalena para o seu abastecimento. Esse importante rio, infelizmente, está apresentando uma série de problemas e, dentro de pouco tempo, o abastecimento da população poderá entrar em colapso. As nascentes do rio Madalena dependem da água resultante do derretimento da neve e do gelo acumulado no alto da Cordilheira dos Andes. Conforme comentamos em uma outra postagem, o aquecimento global está provocando o desaparecimento de uma série de geleiras nos Andes Tropicais.  […]

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