
O Lago Neusiedl sempre foi considerado como uma espécie de praia para muitos austríacos e húngaros. Vivendo em países sem fachada oceânica, os povos desses países precisam se valer de lagos e rios para “curtir uma praia”. Com o forte calor e com a seca extrema que está assolando a grande parte da Europa nos últimos meses, esse importante lago está secando aceleradamente.
Com cerca de 315 km2 de área máxima de espelho d`água, sendo 240 km2 dentro do território da Áustria e 75 km2 na Hungria, o Lago Neusiedl foi elevado à categoria de Patrimônio Mundial pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, o que também inclui o Parque Nacional Fertő-Hanság, no lado húngaro do lago, e o Parque Neusiedl, no lado austríaco.
Esse conjunto natural forma uma importante zona de descanso e alimentação para numerosas espécies de aves migratórias em rotas da Europa para a África. Muitas dessas espécies de aves estão em perigo de extinção. Essa característica transformou o Lago Neusiedl e arredores num importante centro turístico, especialmente para os observadores de aves.
Do ponto de vista geográfico, o Lago Neusiedl é o ponto final de uma bacia hidrográfica endorreica, ou seja, que não corre na direção do mar. Nesse tipo de bacia hidrográfica, a água de rios e córregos se acumula em uma depressão no terreno e se perde através da evaporação. O nível do corpo d`água é mantido constante devido ao aporte sistemático de caudais.
Com o forte calor e com a falta de chuvas em toda a região da bacia hidrográfica, o lago vem perdendo volumes substanciais de água sem que haja reposição, o que explica o desaparecimento visível do lago. Outra característica do lago que ajuda a explicar a forte evaporação é a sua pouca profundidade.
A profundidade média do lago é de apenas 1 metro, com profundidades máximas da ordem de 1,8 metro. Esse tipo de configuração facilita o aquecimento e a evaporação da água. A maior parte da área onde se encontrava o espelho d`água está tomada por uma grossa camada de lama (vide foto) – a depender da continuidade do calor e da seca, essa lama vai secar e começar a rachar dentro de poucas semanas.
De acordo com informações históricas, esse lago já secou em diferentes momentos ao longo dos últimos séculos pelas mesmas razões climáticas. A última vez que ele havia secado completamente foi no início do século XX. Com a volta das chuvas ou, na pior das hipóteses, com o derretimento da neve após o inverno, a tendência é que o Lago Neusiedl volte a encher.
O desaparecimento de lagos, desgraçadamente, está virando uma notícia frequente nos meios de comunicação. O uso abusivo de água em sistemas de irrigação agrícola é uma das principais causas desse tipo de problema. Exemplos que já mostramos em diferentes postagens aqui do blog são o Mar de Aral, na Ásia Central, o Mar Morto no Oriente Médio, o Lago Chade no Centro-Norte da África. Esses três lagos, não por coincidência, são do tipo endorreico.
O caso mais famoso é o do Mar de Aral que fica entre o Cazaquistão e o Uzbequistão. Até o início do século XX, o Mar de Aral era o quarto maior lago do mundo, com uma área total de 68 mil km². Essa área corresponde a 165 vezes a tamanho da Baía da Guanabara.
A destruição do Mar de Aral está diretamente associada a super exploração das águas dos rios Amu Daria e Syr Daria pelas repúblicas da Ásia Central da antiga URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os planejadores do governo central em Moscou queriam transformar a região num celeiro agrícola da URSS.
Para atingir essa meta foram construídos milhares de quilômetros de canais de transporte de água e de irrigação, que passaram a desviar a maior parte dos caudais que antes seguiam na direção do Mar de Aral. Sem receber novos aportes de água, o lago quase desapareceu e hoje se limita a 10% da sua área original.
Os casos do Mar Morto e do Lago Chade são idênticos. Localizados em regiões semiáridas e desérticas com baixa disponibilidade de água, esses lagos passaram a sustentar um sem número de projetos de agricultura irrigada. Com a redução dos aportes de água e com as perdas por evaporação, o resultado não poderia ser outro: a área dos respectivos espelhos d`água diminuem ano após ano.
Uma outra “categoria” de lagos em processo de encolhimento/desaparecimento está ligado ao desaparecimento de geleiras em altas montanhas devido ao aquecimento global. O caso mais notório é o do Lago Titicaca, localizado na divisa entre o Peru e a Bolívia.
O Lago Titicaca é considerado o maior da América do Sul, ocupando uma área de aproximadamente 8,5 mil km2 e fica localizado numa região árida do altiplano a cerca de 3.800 metros acima do nível do mar. O lago é alimentado por dezenas de rios com nascentes formadas a partir do derretimento de geleiras na Cordilheira dos Andes.
Na margem nordeste do Lago, em território boliviano, fica a Cordilheira Real, onde se localizam algumas das montanhas mais altas dos Andes. No lado peruano, são cerca de 20 rios tributários, com nascentes em 91 glaciares nos Andes do Peru. Todas essas geleiras estão ameaçadas pelo aquecimento global.
De acordo com moradores da região, a margem do lago já retrocedeu mais de 50 metros em alguns pontos e o nível baixou 1 metro nos últimos anos. Especialistas locais afirmam que, de acordo com medições sistemáticas, o problema é bem mais sério que isto e que o nível do Lago Titicaca vem diminuindo sistematicamente desde 1986.
A queda no nível do Lago Titicaca foi uma das principais causas do desaparecimento do Lago Poopó, um lago menor localizado ao Sul e que era alimentado pelo escoamento do excesso de águas. Esse lago tinha cerca de 2.500 km2 de área e secou completamente em 2017.
A situação do Lago Deusiedl ainda não chegou ao nível da devastação dos outros lagos citados, mas é sempre bom ficar com as “barbas de molho”. Em tempos de aquecimento global, a perda de qualquer corpo d`água precisa ser profundamente lamentada.