O DERRETIMENTO DE GELEIRAS NOS ALPES

Nas últimas postagens falamos do derretimento de geleiras em montanhas de lugares distantes do globo terrestre como a Cordilheira dos Andes, na América do Sul, as Montanhas Ruwenzori da África e na região das Himalaias, as grandes montanhas que ocupam um vasto território da Ásia. 

Na Ásia Central, essas regiões problemáticas costumam ter nomes terminados com o sufixo de origem persas “istão”, palavra que significa” lugar”. Aí se incluem o Afeganistão, Paquistão, Tadjiquistão, Quirguistão, Rajastão, Uzbequistão, entre outros. Muitas pessoas maldosas, quando querem se referir a lugares distantes e perdidos em nosso mundo, costumam usar o nome “fim-do-mundistão”. 

Entretanto, não são só as geleiras dessas regiões distantes que estão desaparecendo. O fenômeno está ocorrendo em todo o mundo, inclusive na civilizada Europa. Na rica e exclusiva Suíça, por exemplo, podemos ver isso claramente nas geleiras que formam as nascentes do rio Reno, um dos mais importantes da Europa. 

Desde a antiguidade, a navegação pelas águas do rio Reno vem sendo fundamental para a formação e manutenção de grandes impérios e nações da Europa. Com quase 1,3 mil quilômetros de extensão, desde as suas nascentes nos Alpes Suíços até sua foz no Mar do Norte nas proximidades de Rotterdam, o rio Reno é uma rota vital para a economia da Suíça, Áustria, Alemanha, Liechtenstein, França e Holanda.  

Porto de Rotterdam, localizado próximo do encontro das águas do Reno com o Mar do Norte na Holanda, exemplifica a importância dessa grande via de transporte fluvial: é um dos maiores portos do mundo, com cerca de 40 km de extensão linear entre cais e depósitos, movimentando cerca de 400 milhões de toneladas de carga a cada ano e empregando aproximadamente 300 mil trabalhadores. A cidade de Rotterdam, que tem 500 mil habitantes, também é sede de um importante complexo industrial, além de abrigar o maior polo petroquímico da Europa. 

Os Alpes são a maior cadeia de montanhas da Europa Ocidental. Além da Suíça, país que tem sua imagem associada diretamente aos Alpes, essas montanhas também abrangem terras da França, Principado de Mônaco, Itália, Alemanha, Áustria, Liechtenstein, Eslovênia e Hungria. Essa posição geográfica transforma as montanhas alpinas em uma verdadeira “caixa d’água” do continente. 

Além das geleiras que formam as nascentes do rio Reno, os Alpes abrigam outras geleiras formadoras de outros importantes afluentes de rios do continente como o Ródano, o Danúbio e o Pó. Em toda a extensão dos Alpes, geleiras estão perdendo grandes massas de gelo, o que está trazendo enormes preocupações para centenas de milhões de pessoas. 

Ao longo da última década, os efeitos do aquecimento global fizeram com que as geleiras no topo das montanhas dos alpes Suíços perdessem aproximadamente 1/5 de sua massa de gelo. Somente no ano de 2018, os glaciares alpinos do país perderam 2,5% do seu volume, resultado da combinação de uma baixa precipitação de neve e de altas temperaturas.  

Um exemplo do drama das geleiras suíças pode ser observado no cume da Montanha Weissfluhjoch, que se encontra a 2.400 metros de altitude. Nesse local está instalado o Instituto Suíço para o Estudo da Neve e Avalanches. Ao longo do mesmo ano de 2018, não houve nenhuma nevasca com precipitação superior a 1 cm. De acordo com os registros da instituição, essa foi a primeira vez que não ocorreram fortes nevascas na montanha desde o início dos registros há mais de 80 anos.  

Para quem está acostumado com um clima tropical como o do Brasil, esse tipo de informação talvez não signifique nada muito diferente de dias menos frios no inverno suíço. As geleiras das montanhas alpinas, entretanto, são importantes fontes de água para as planícies baixas do resto do país e muitas regiões da Europa. O derretimento gradual dos glaciares nas montanhas alimenta toda uma rede de pequenos córregos e riachos, que por sua vez são afluentes de grandes rios.   

As águas que formam as duas principais nascentes do Reno, os rios Hinterrhein e Vordebrhein, vem do derretimento de geleiras nos Alpes suíços. Nos últimos 25 anos, essas geleiras já perderam mais de 1/4 de suas massas em consequência do aquecimento global. Caso o ritmo do derretimento dessas geleiras se mantenha, em menos de um século não restará um único cubo de gelo nas montanhas e o rio Reno perderá uma parte considerável dos seus caudais. 

Em 2018, pela primeira vez na história, o tráfego de embarcações de carga na hidrovia do rio Reno precisou ser paralisado por causa da queda brusca do nível de suas águas devido à forte seca regional. Nas proximidades da cidade alemã de Frankfurt, um ponto crítico do rio, o nível do Reno baixou para apenas 1,5 metro de profundidade. É esse cenário assustador, que poderá se tornar cada vez mais frequente com a sistemática redução das geleiras alpinas formadoras do rio, que assusta empresários, políticos e cidadãos de toda a bacia hidrográfica do rio Reno.  

De acordo com o levantamento de alguns climatologistas, a Suíça perdeu mais de 500 geleiras desde 1850. Somente 50 dessas geleiras, as maiores, tinham um nome. Uma dessas geleiras, chamada de Pizol, perdeu entre 80% e 90% de sua massa de gelo desde 2006 e se transformou num símbolo da situação dos glaciares no país. A exemplo do que fizeram os islandeses após o derretimento da geleira Okjökull, os suíços também organizaram um funeral para a geleira Pizol, da qual resta apenas uma área menor do que 4 campos de futebol.  

Uma atividade econômica que está ameaçada de fortes impactos na Suíça por causa da perda de massa nas geleiras alpinas é a de geração elétrica. Cerca de 60% da energia consumida na Suíça vem de centrais hidrelétricas alimentadas por rios com nascentes nas geleiras alpinas. De acordo com estudos feitos pela Universidade Técnica EPFL, de Lausanne, a redução dos caudais dos rios do país provocará uma forte redução na geração hidrelétrica – em 2035, a participação dessa energia cairá para 46% do total.  

A velocidade do derretimento dessas geleiras também representa uma séria ameaça para uma série de pequenas cidades, vilas e fazendas localizadas às margens de pequenos rios. Nos meses de verão, quando o ritmo do derretimento é bem mais intenso, a forte enxurrada e as pedras arrastadas destroem casas, pontes e outras construções, deixando centenas de pessoas desabrigadas. Alguns especialistas vêm defendendo abertamente a construção de grandes barragens para controlar o fluxo dessas águas, ao mesmo tempo que a água armazenada poderá garantir a sobrevida de muitas das centrais hidrelétricas do país.  

Como se nota, os riscos de desaparecimento de geleiras e rios não afetará apenas “paisecos do terceiro mundo” como muita gente imagina. Esses problemas vão afetar o mundo inteiro!

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