
De acordo com Plutarco, um historiador, biógrafo, ensaísta e filósofo médio platônico grego do início da Era Cristã, existia no meio do Oceano Atlântico um conjunto de ilhas onde todos os habitantes levavam uma vida de grande felicidade e de desfrute dos bens terrestres. Essa suposta descrição acabou se transformando na lenda das Ilhas Afortunadas ou a Macaronésia (do grego makáron – felicidade e nésoi – ilhas), lenda que foi transmitida para outros povos.
Cerca de quinhentos anos depois, São Brandão, um monge católico irlandês, organizou uma expedição que buscaria a lendária Macaronésia. Descrita no manuscrito Navigatio Sancti Brendani, um dos textos mais populares da Idade Média, a expedição teria sido formada por cerca de 60 religiosos, que zarparam com um barco (que segundo muitas fontes era feito de couro) na costa Oeste da Irlanda.
Um dos grandes feitos dessa lendária expedição teria sida a descoberta das Ilhas Feroé ou Faroé, no Atlântico Norte. Também teriam encontrado outras ilhas no meio do oceano com aspectos semelhantes aos descritos por Plutarco. Essas ilhas seriam os arquipélagos dos Açores, da Madeira, das Canárias e de Cabo Verde.
Também não podemos esquecer do encontro de uma grande “ilha” coberta por densas matas, que correspondia à descrição de uma antiga terra citada nas lendas vikings – Hy-Brazil. Entre a lenda e a realidade, muita gente acredita que essa terra é o nosso Brasil.
De todos os arquipélagos da Macaronésia, Cabo Verde é o que tem as mais importantes e profundas relações com o nosso país. Navegadores portugueses “descobriram” essas ilhas em 1460, quando buscavam o “caminho das índias”. Algumas fontes afirmam que as ilhas foram avistadas antes, em 1456, por navegadores venezianos.
Em 1462, as ilhas começaram a ser colonizadas e foram transformadas em uma importante base de apoio e de reabastecimento para os navios portugueses. A expedição de Pedro Álvares Cabral, inclusive, fez uma rápida parada no arquipélago de Cabo Verde algumas semanas antes de “descobrir” o Brasil em 1500.
A partir da década de 1530, quando teve início a colonização efetiva do nosso país, as ilhas de Cabo Verde passaram a funcionar como um entreposto entre o Brasil e Portugal. As primeiras mudas de cana-de-açúcar que foram trazidas para o Brasil vieram de plantações já existentes no arquipélago. Também vieram de lá grandes contingentes de escravos que eram comprados de diversas feitoras ao longo de toda a costa da África. Muitas vezes, esses escravos eram trocados por mercadorias como armas de fogo, aguardente e fumo.
Em tempos bem mais recentes, Cabo Verde passou a servir como uma importante e obrigatória escala para voos que faziam rotas entre o Brasil e países da América do Sul rumo Europa e vice-versa. Os antigos aviões que faziam essa rota precisavam aterrissar no Aeroporto da Ilha do Sal para reabastecer.
Esse importante pedacinho isolado de mundo, que tem uma área total de apenas 4 mil km², está vivendo hoje sob inúmeros problemas ambientais. As ilhas, que ficam localizadas a cerca de 600 km da costa da África a altura da faixa do Sahel, sofrem com a seca, a falta de água potável e com o aumento das temperaturas.
O arquipélago de Cabo Verde, assim como outros em todo o mundo, está sendo fortemente afetado pelas mudanças climáticas. Além dos importantes riscos de desertificação de suas terras por causa de sua posição geográfica, o território das ilhas sofre com os efeitos do aumento do nível do mar, o que está provocando erosão em alguns pontos da costa e danos na infraestrutura.
Com raras fontes de água superficiais, a população das ilhas sempre dependeu da exploração de águas subterrâneas, captadas a partir de poços. Com o aumento do nível do mar, essas águas estão sofrendo um processo de salinização. Atualmente, a maior parte da água fornecida aos habitantes vem de usinas de dessalinização de água marinha, um processo de produção muito caro para um país pobre e que dependente da importação de petróleo.
Uma outra área crítica é a produção de alimentos, coisa que sempre foi complicada em Cabo Verde. Durante muito tempo, as principais ilhas do arquipélago foram usadas para a produção de cana-de-açúcar, a matéria prima do valioso açúcar dos tempos coloniais. Assim como aconteceu em uma grande faixa da Mata Atlântica do litoral do Nordeste Brasileiro, essa atividade destruiu importantes áreas de mata nativa em Cabo Verde.
Isoladas do continente, essas ilhas desenvolveram uma biodiversidade vegetal extremamente rica, onde cerca de metade das espécies eram endêmicas e altamente adaptadas ao clima local. Os intensos desmatamentos ao longo dos séculos vieram se somar a uma influência cada vez maior dos ventos quentes vindos do Deserto do Saara e do Sahel, o que está se refletindo em um forte processo de desertificação em muitas áreas das ilhas.
As ilhas de Cabo Verde vêm sofrendo sistematicamente com fortes secas ao longo das últimas décadas, problema que está inviabilizando a produção agrícola e pecuária, além de e forçar grandes contingentes da população a mudar para as áreas urbanas. A maior parte dos alimentos consumidosatualmente pela população é importada.
De acordo com projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, uma organização ligada a ONU – Organização das Nações Unidas, a região do Oceano Atlântico Tropical Oriental, onde fica localizado Cabo Verde, deverá sofrer um aumento médio na temperatura de até 2,5º C até final deste século. Também está prevista uma diminuição da umidade e da precipitação entre 5 e 10%.
As projeções dos especialistas também falam de um aumento do nível do oceano na região entre 13 cm e 1,4 metro até o final deste século. Além dos já citados danos às áreas costeiras, esse aumento do nível do mar terá reflexos no aumento da velocidade das correntes marítimas e da força das ondas, eventos que poderão afetar a maior fonte de riqueza das ilhas – a pesca.
Todos esses problemas enchem o futuro população cabo-verdiana, que hoje se encontra na casa dos 560 mil habitantes, de incertezas. O pequeno país, que tem um PIB – Produto Interno Bruto, inferior a US$ 2 bilhões e que luta para se tornar auto suficiente na produção de alimentos e de energia, poderá, simplesmente, ficar inviabilizado.
A triste sina de Cabo Verde, desgraçadamente, é a mesma de dezenas de pequenos países insulares de todo o mundo – todas essas nações poderão desaparecer do mapa nas próximas décadas por causa das mudanças climáticas.
VEJA NOSSO CANAL NO YOUTUBE – CLIQUE AQUI