A INDUSTRIALIZAÇÃO DO BRASIL, A SIDERURGIA E A DEVASTAÇÃO DAS MATAS EM MINAS GERAIS, OU AS FLORESTAS QUE VIRARAM CARVÃO

Aos tempos da chegada da expedição descobridora de Pedro Álvares Cabral em 1500, o território onde se encontra hoje o Estado de Minas Gerais tinha perto de 47% de sua superfície coberta com vegetação de Mata Atlântica, o equivale a mais de 282 mil km² de matas do bioma. Em pouco mais de três séculos e depois de vários ciclos econômicos, a Mata Atlântica hoje está restrita a 10,2% da superfície do território mineiro, ocupando pouco mais de 50 mil km²

A primeira pergunta que surge é: que fim teria levado mais de 230 mil km² de Mata Atlântica no Estado? 

E a resposta lamentável é: a maior parte virou carvão! 

Em postagens anteriores apresentamos rapidamente o chamado Ciclo do Ouro, que teve início nos últimos anos do século XVII. Notícias sobre as descobertas de ouro na Serra do Sabarabuçu, uma localidade lendária no centro do Estado de Minas Gerais, correram pelos “quatro cantos” da Colônia e atraíram centenas de milhares de aventureiros para o garimpo. Em poucas décadas, os sertões das Geraes abrigavam perto de 2/3 da população brasileira há época. 

Esses tempos “dourados” se estenderam por todo o século XVIII, quando então as minas de ouro se esgotaram e toda essa grande população precisou se dedicar a outras ocupações para sobreviver. Uma parte importante dos trabalhadores que lidavam com a mineração e fundição do ouro acabou por se manter no ramo da metalurgia, passando a trabalhar com um outro metal abundante na região – o ferro.  

Surgiram por todos os cantos pequenas forjarias, onde se produziam panelas, ferramentas agrícolas, ferraduras, pregos e outros produtos para o uso cotidiano. Vale lembrar aqui que toda essa atividade era ilegal – empresas e comerciantes portugueses tinham o total monopólio para a produção e venda desses produtos. Com o passar do tempo, essas atividades foram crescendo e se consolidando como uma das mais importantes da economia de Minas Gerais. 

Apesar da grande abundância de minério de ferro, faltava nas Geraes o combustível mais usado para alimentar as forjas e os fornos de fundição em todo o mundo: o carvão mineral. Na falta do combustível fóssil, os mineiros passaram a se valer do carvão de origem vegetal, obtido a partir do desmatamento de grandes áreas florestais. O carvão vegetal passou a ser usado intensamente em vários processos nessas industrias, especialmente na produção do ferro gusa. E foi assim que a Mata Atlântica (e grande parte do Cerrado mineiro) foi transformada em carvão. Vamos entender melhor essa história. 

Essa incipiente indústria metalúrgica artesanal de Minas Gerais se consolidaria ao longo de várias décadas, até que, em 1827, ela daria um verdadeiro salto tecnológico. Foi nesse ano que o engenheiro francês e metalurgista Jean-Antoine-Félix Dissandes de Monlevade, mais conhecido pelos locais como João Monlevade, inaugurou uma usina dotada de uma forja catalã para a produção de ferro em Caeté. A existência de depósitos minerais e, principalmente, a abundância de matas na região, foram os principais fatores que trouxeram o francês para essa localidade. 

A revolucionária usina construída por João Monlevade conseguia produzir cerca de 30 arrobas de ferro por dia, o que equivalia a 450 kg, uma escala de produção nunca vista antes em terras mineiras. Até 1872, ano da morte de João Monlevade, essa usina foi a grande referência em metalurgia nas Geraes. Entre as décadas de 1820 e 1860, houve um grande avanço, tanto técnico quanto quantitativo, na metalurgia do Estado. 

Um outro grande salto qualitativo se daria em 1876, quando foi criada a Escola de Minas de Ouro Preto. Essa escola colocaria os setores metalúrgico e siderúrgico de Minas Gerais em um novo patamar tecnológico, modernizando os processos de produção do ferro gusa em altos fornos com carvão vegetal, além de possibilitar um grande aprimoramento nos processos de laminação, trefilagem e fundição de peças de ferro e de aço. 

Em um censo industrial realizado pelo Governo Imperial em 1881, as indústrias metalúrgicas respondiam por apenas 3% do total de estabelecimentos industriais do país. Há época, nosso parque industrial tinha cerca de 600 indústrias em funcionamento em todo o Brasil e era dominado por indústrias têxteis (60%) e de produtos alimentícios (15%). As indústrias do segmento químico, que há época se limitavam a embalar produtos processados no exterior, respondiam por 10% do total de estabelecimentos industriais. A lista se completava com as indústrias do segmento de madeiras, com 4% de participação, e as de vestuário e produtos de cuidado pessoal, com 3,5%, entre outras menores. 

Mudanças profundas no setor teriam início em 1888, quando o primeiro alto forno de uma indústria siderúrgica foi aceso na Usina Esperança, em Itabirito. Essa foi a primeira indústria siderúrgica independente do Brasil e sua produção diária era de 6 toneladas de ferro gusa, o primeiro estágio da produção do aço. Seu alto forno consumia cerca de 21 m³ de carvão vegetal por dia.

Para que todos tenham uma ideia do consumo de madeira que isso implicava, a produção de cada m³ de carvão vegetal requer entre 1,8 e 2,5 m³ de lenha/madeira. Em 1915, o volume de produção dessa usina atingiria a marca de 3.259 toneladas de ferro gusa, o que representou um consumo de mais de 10 mil m³ de carvão vegetal

Com o desenrolar da I Guerra Mundial, que se estendeu entre 1914 e 1918, o Brasil passou a enfrentar uma série de dificuldades para a importação de produtos manufaturados de todos os tipos.  O Governo Federal adotou uma série de políticas para o estímulo da produção industrial local em substituição às importações – os setores metalúrgicos e siderúrgicos cresceram muito nesse período.

A Usina Esperança, citando como exemplo, já apresentaria um volume de produção da ordem de 15 mil toneladas em 1921, o que implicava na necessidade de uma grande produção de carvão vegetal e na devastação de mais áreas florestais em Minas Gerais há época

A essa altura da história, o Estado de Minas Gerais já era responsável por cerca de 90% da produção brasileira de ferro gusa. Em 1921 seria fundada a Companhia Belgo-Mineira, a primeira siderúrgica de grande porte do Brasil. Formada por capitais da França, da Bélgica e de Luxemburgo, essa empresa representou uma mudança nos paradigmas dos investimentos estrangeiros no setor, que até então se limitavam na aquisição dos direitos de exploração de reservas de minérios por grupos estrangeiros. 

Baseadas no antigo conceito de “reservas infinitas de matérias primas”, as empresas mineiras continuariam derrubando as matas nativas para a obtenção da madeira necessária para a produção do carvão vegetal, pratica que se estenderia até meados do século XX.

Grandes áreas florestais que circundavam cidades e áreas industriais desapareceram, sendo transformadas em extensas áreas de campos e pastagens. Os grandes volumes de carvão vegetal, cada vez mais necessários para alimentar os insaciáveis altos fornos, passaram a ser trazidos de regiões cada vez mais distantes. 

A escala da destruição das florestas continuaria a crescer ao longo das décadas seguintes. Continuaremos a falar sobre isso na próxima postagem. 

19 Comments

  1. […] Outra fonte importante de pressão sobre os recursos madeireiros da Serra da Mantiqueira veio com o desenvolvimento da indústria metalúrgica no Estado de Minas Gerais. A produção de ferro, aço e de outros metais depende da geração de calor em altos-fornos. Sem contar com fontes de carvão mineral, os fornos de Minas Gerais foram alimentados com carvão de origem vegetal – algo como 230 mil km2 de florestas de Mata Atlântica viraram carvão no Estado.  […]

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  2. […] Na Região Sudeste, a grande floresta sucumbiu diante da mineração em Minas Gerais a partir do século XVIII, e do café a partir do início do século XIX. Começando pela exploração do ouro e depois pela produção de ferro e aço em grandes volumes, a madeira das árvores da Mata Atlântica se transformou no carvão que ardia nos altos-fornos.  […]

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