
Até o início do século XIX, o Vale do rio Paraíba do Sul tinha uma pequena população esparsa, espalhada por um punhado de cidadezinhas e fazendas assentadas ao longo dos caminhos de ligação entre o Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, nada muito diferente de outras regiões brasileiras mais afastadas da faixa litorânea.
Foi então que, após a chegada da cultura do café ao Rio de Janeiro, a região saiu do quase completo isolamento e, em poucas décadas, se transformou na região mais rica e próspera do país. Os baixos custos das terras, o clima e a boa frequência de chuvas foram determinantes para a instalação de inúmeras fazendas produtoras de café por todo o Vale.
Conforme comentamos em postagens anteriores, o avanço da cafeicultura no Vale do rio Paraíba foi baseado no uso inadequado dos solos, que tinham sua vegetação de Mata Atlântica derrubada e substituída por campos agrícolas. Sem a proteção da vegetação nativa, esses solos rapidamente perdiam sua fertilidade para a erosão.
Novas terras eram então desmatadas e transformadas em cafezais, num ciclo contínuo que levou à destruição quase total da Mata Atlântica na região. A abolição do trabalho escravo no Brasil em 1888 foi o golpe final na cafeicultura, que em poucos anos entrou em uma decadência econômica sem paralelo. Ao final do século XIX, todo o Vale do rio Paraíba do Sul era uma área absolutamente decadente.
Um dos relatos mais fascinantes sobre essa tragédio no Vale do Paraíba pode ser encontrado no livro Cidades Mortas, de autoria de Monteiro Lobato e publicado em 1919. Natural da cidade de Taubaté, Monteiro Lobato (1882-1948) foi testemunha ocular das mudanças sociais e econômicas de sua região após a abolição da escravidão e fim da cafeicultura.
Naqueles, tempos, as cidades da região estavam cheias de grandes casas e palacetes vazios, que outrora haviam sido residências da nobreza do café e que agora estavam abandonadas. Fazendas decadentes eram loteadas e vendidas a baixos preços para pequenos sitiantes. Terras antes cobertas por extensos cafezais agora serviam, no máximo, de pastagem para o gado. Uma das citações mais interessantes do livro:
“Ali tudo foi, nada é. Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito!”
A história econômica, e por extensão ambiental, do Vale do rio Paraíba do Sul pós cafeicultura pode ser dividida em três fases distintas, que mostram uma lenta e gradual mudança de uma economia baseada na produção agrícola para uma fase de industrialização.
Até 1914, ano em que tem início a I Grande Guerra Mundial e que será marcante na história mundial, o Vale do Paraíba assistirá ao nascimento de um grande número de pequenas indústrias, notadamente dos setores têxteis, de alimentação e de produção de peças cerâmicas. Localizado no caminho de ligação entre a cidade do Rio de Janeiro, até então a Capital Federal e mais importante cidade brasileira, e de São Paulo, uma cidade que crescia sem parar impulsionada pela forte industrialização, o Vale do Paraíba tinha mercado certo para toda a sua produção.
Há um detalhe importante nessa fase da história e que será detalhado em outra postagem: as margens e a calha do rio Paraíba do Sul, tanto no Estado de São Paulo quanto no Rio de Janeiro, serão transformadas em uma importante fonte de areia para a construção civil. Essa exploração predatória será marcante na destruição de importantes áreas de matas ciliares e será uma das principais marcas da degradação ambiental das águas do rio Paraíba do Sul ao longo de todo o século XX.
Entre 1914 e 1943, todo o Vale do rio Paraíba sofrerá um forte processo de consolidação da industrialização. Com as dificuldades criadas pela I Guerra Mundial para a importação de uma série de produtos, o Governo brasileiro passou a criar uma série de políticas para o incentivo da produção local. O Vale do Paraíba, que naqueles tempos já era uma importante região produtora de leite, assistirá ao nascimento e consolidação de diversas indústrias do ramo da alimentação, do setor têxtil, do processamento de madeiras e também de minerais não metálicos.
A terceira fase da história do Vale do rio Paraíba do Sul no século XX tem dois marcos importantes: o início da construção da Rodovia Rio-São Paulo (vide foto), batizada depois de Rodovia Presidente Dutra, em 1943 e a inauguração da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda no Estado do Rio de Janeiro, em 1946. Aqui tem início uma fase de forte crescimento industrial em várias cidades da região, o que será marcado por uma forte urbanização e crescimento das populações, geração e lançamento de grandes volumes de esgotos domésticos e industriais nas águas do rio Paraíba Sul, geração de resíduos de todos os tipos, poluição do ar, entre outros problemas.
Antes do início das operações da CSN, a produção de aço no Brasil era bem pequena e se concentrava em cidades do Estado de Minas Gerais. A maior parte dessa produção era formada por barras e perfis de aço, usados principalmente pela construção civil. Aços planos em chapas, essenciais para a produção de inúmeros produtos, eram majoritariamente importados. Além dos altos custos em moeda forte, essas importações ficavam sujeitas a diversos problemas de fornecimento, algo que ficou muito claro ao longo das duas grandes guerras mundiais do século XX.
A CSN foi criada em 1940 durante o Governo ditatorial do Presidente Getúlio Vargas (1930-1945). Após o início da II Guerra Mundial em 1939, o Governo dos Estados Unidos criou uma série de projetos para aproximação com os países latino americanos. Esses esforços foram chamados de Política da Boa Vizinhança.
Vistos até então como um grupo de “repúblicas de bananas” pelos norte-americanos, esses países repentinamente foram promovidos à condição de aliados preferenciais dos Estados Unidos e transformados em importantes fontes de matérias primas. Um exemplo dessa política de aproximação é o personagem Zé Carioca, criado pelos Estúdios Disney a pedido do Governo Americano. A Disney também criou personagens para representar o México – o Galo Panchito, e a Argentina – o Gauchinho Voador.
Após uma série de negociações diplomáticas, que ficaram conhecidas como Acordos de Washington, os norte-americanos se “prontificaram” a financiar a construção de uma grande usina siderúrgica que “pudesse fornecer aço para os aliados durante a II Guerra Mundial e, na paz, ajudasse no desenvolvimento do Brasil.” Entre outras contrapartidas, o Brasil passou a apoiar o Estados Unidos no esforço de guerra, enviando inclusive as tropas da FEB – Força Expedicionária, Brasileira, para lutar na Itália a partir de 1943.
Um novo salto na industrialização do Vale do Paraíba se deu no Governo do Presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), quando houve a criação de uma política de estímulo à fabricação de veículos em território brasileiro. Com a implantação da indústria automobilística e de toda uma cadeia de indústrias de autopeças, a CSN iniciou um forte ciclo de crescimento da sua produção e, consequentemente, aumentou os seus impactos ambientais. A empresa se transformou na maior consumidora individual de água do rio Paraíba do Sul, além de grande geradora de efluentes industriais e de resíduos sólidos.
A partir da década de 1960, foram criadas diversas políticas de descentralização industrial, especialmente no Estado de São Paulo, o que estimulou a instalação de inúmeras empresas no Vale do Paraíba, especialmente em São José dos Campos, Taubaté e Jacareí, cidades que passaram a dar uma série de incentivos fiscais para atrair essas indústrias. A partir da década de 1970, com a consolidação do polo de indústrias de alta tecnologia ligadas ao setor aeronáutico, as cidades do Vale do Paraíba assistiram um novo ciclo de forte ciclo de crescimento populacional.
Essa abertura de empresas e a criação de postos de trabalho estimulou um forte fluxo migratório para várias cidades da região. Um exemplo: entre 1940 e 1970, o crescimento populacional no trecho paulista do Vale do Paraíba foi de 109%. A população urbana, que até 1940 era estimada em 37,9%, saltou para 73,2% em 1970. Em cidades fluminenses como Volta Redonda, esse crescimento populacional se repetiu no mesmo período.
Infelizmente, toda essa prosperidade criada pela industrialização e crescimento das cidades não foi seguida por investimentos em infraestrutura de saneamento básico. Aos inúmeros problemas ambientais criados na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul pelos desmatamentos do ciclo do café, vieram se somar despejos cada vez maiores de efluentes domésticos e industriais, além de resíduos de todos os tipos. Em poucas décadas, o Paraíba do Sul seria transformado no 5° rio mais poluído do Brasil.
Muita gente chama isso de progresso…