OS PRIMEIROS TEMPOS DO CAFÉ NA ZONA DA MATA MINEIRA

Ao longo de todo o século XVIII, as regiões de mineração de ouro nas Geraes concentraram a atenção dos dirigentes da Colônia e de grande parte da nossa população. Conforme já comentamos em postagens anteriores, a partir das primeiras notícias da descoberta de reservas de ouro na lendária Serra do Sabarabuçu, no coração das Geraes, uma verdadeira “febre do ouro” tomou conta da Colônia e, ao longo de meio século, cerca de 2/3 da população abandonou as terras do litoral e se embrenhou nos sertões para tentar a sorte no garimpo. 

Ao longo desse período, a chamada Zona da Mata era uma terra desconhecida e cheia de tribos indígenas, muitas delas hostis. Foi a necessidade de se criar um caminho para o escoamento do ouro na direção do Rio de Janeiro que levou à criação do chamado Caminho Novo, uma trilha que, pouco a pouco, levou a instalação de fazendas e de postos de apoio aos tropeiros. 

A faixa Sul da Zona da Mata foi a primeira área a ser povoada, surgindo cidades como Mar de Espanha, Leopoldina e Juiz de Fora. Em seguida foram surgindo cidades na área Central, onde se destacam Rio Novo, Rio Pomba, Cataguases, Ubá, Muriaé, Rio Branco, Viçosa e Carangola. O Norte da Zona da Mata só passaria a ser ocupado nas últimas décadas do século XIX e onde surgiriam cidades como Manhuaçu, Abre Campo e Ponte Nova. Muitas dessas cidades surgiram em decorrência da chegada dos cafezais ao território mineiro. 

Assim como aconteceu no Sul do Espírito Santo, os grandes cafezais começaram a ser instalados na Zona da Mata mineira em meados do século XIX. A expansão irracional dos cafezais fluminenses levou a um rápido esgotamento dos solos, principalmente na região do Vale do Paraíba, e os grandes fazendeiros passaram a buscar alternativas para a criação de novas áreas de produção. As férteis terras cobertas com a Mata Atlântica em Minas Gerais rapidamente entraram na alça de mira desses cafeicultores. 

Pela proximidade com a Província do Rio de Janeiro, as regiões de Mathias Barbosa, Mar de Espanha, Além Paraíba e Rio Preto foram as primeiras a assistir ao surgimento de grandes cafezais nas primeiras décadas do século XIX. A cultura chegou a Juiz de Fora e Leopoldina por volta de 1828. Os primeiros cafezais se instalariam nas regiões de Cataguases e Ubá a partir de 1848. 

modus operandi dos cafeicultores em terras mineiras era exatamente o mesmo que vinha sendo usado nas terras da Província do Rio de Janeiro – o uso dos solos até o desgaste completo, o abandono da terra e a derrubada de novas matas para uso das “terras virgens” para a abertura de novos campos de cultivo. Esse avanço sem controle dos cafezais, com suas já conhecidas consequências, passou a criar grandes preocupações entre os Governantes mineiros. O então Presidente da Província de Minas Gerais – Costa Pinto, fez o seguinte pronunciamento em 1838

Muito se tem clamado, posto que em vão, contra a destruidora rotina de nossos lavradores; elles entendem que não podem colher com vantagem os productos da Agricultura, sem que se tenha derrubado, e queimada uma grande porção de madeiras; em sua opinião as melhores terras de tornão irremediavelmente cançadas, abusando assim de um principio, alias verdadeiro, mas tomado em uma generalidade sem limites. O lavrador intelligente, e abastado costuma ter em reserva uma parte de suas terras; mas sabe prepara-la d`antemão para ser vantajosamente cultivada em occasião opportuna; o nosso lavrador tudo espera só do tempo. Dest`arte tem-se visto desapparecer pouco a pouco magníficas florestas, e o solo cobrindo-se de arbustos inuteis, e mesmo damnosos, vai perdendo sua primitiva fertilidade. 

Desde a década de 1770, quando já se tornava evidente o breve esgotamento dos veios auríferos, muitos mineiros desiludidos passaram a migrar para a região da Zona da Mata e a se dedicar a agricultura. Durante a maior parte do chamado Ciclo do Ouro, as cidades mineiras dependiam fortemente da importação de alimentos, vindos principalmente de São Paulo e também das boiadas que desciam o rio São Francisco vindas dos sertões do Nordeste. Enquanto o ouro abundava, a população das regiões mineradoras conseguia bancar os altos custos dos alimentos. Com a redução da produção do ouro, essas fazendas da Zona da Mata ganharam uma enorme importância econômica e estratégica para a Província. 

Cerca de metade do território mineiro era coberto pelo bioma Cerrado, apresentando solos muito ácidos e de baixa fertilidade para os padrões da época – esses solos só se tornariam altamente produtivos a partir da década de 1970, quando sementes de grãos especialmente adaptados para os solos do Cerrado seriam desenvolvidas pela Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. A Zona da Mata daqueles tempos já havia sido transformada no “celeiro das Geraes”. O cuidado em se preservar essa região agrícola da Zona da Mata fica evidente na fala do Presidente da Província. 

Os grandes lucros advindos da produção e exportação do café, é claro, acabavam por falar mais alto e o avanço dos cafezais prosseguia sem controle. A construção da Estrada de Ferro Dom Pedro II em 1870, que passou a ligar a Zona da Mata com o Rio de Janeiro estimularia o aumento da produção de café na região. A produção seria ainda mais dinamizada após a construção da Estrada de Ferro Leopoldina, que passou a cortar a Zona da Mata mineira no sentido Leste-Oeste e fazia entrocamentos com outras ferrovias. 

Em um relatório de 1883, Gonçalves Chaves, então Presidente da Província, comenta que o problema ainda existia e conclama os produtores a implantar técnicas agrícolas mais modernas: 

Do que havemos mister é da educação profissional elementar, diffundida na população rural; que se preparem operários e abegões para a grande lavoura; que se aumente e varie a producção e se melhorem os productos, fazendo-se conhecer e praticar a cultura intensiva, por meio de processos e instrumentos aperfeiçoados. 

As dificuldades para o escoamento da produção do café, que na maior parte da Zona da Mata precisava ser feito através de tropas de mulas e burros (vide foto), era o único limitador para uma expansão mais rápida dos cafezais. Os comboios seguiam por trilhas apertadas entre os morros até as poucas linhas férreas que ligavam a região ao Cais do Porto no Rio de Janeiro.  

A “salvação da lavoura”, falando aqui da produção de alimentos e dos remanescentes das matas, só viria em 1888, com a assinatura da Lei Áurea, que pôs fim ao uso da mão de obra escrava na produção do café. Essa brusca mudança inviabilizou a produção nas grandes fazendas de café e freou, ao menos temporariamente, a destruição maciça da Mata Atlântica mineira. 

De acordo com um censo Provincial feito em 1872, a Zona da Mata ocupava uma área correspondente a apenas 5% do território, mas abrigava perto de 16% da população e quase ¼ da população escrava da Província. Na região de Juiz de Fora, citando um exemplo, as grandes propriedades tinham em média 236 alqueires de área e perto de 100 escravos para cuidar de mais de 230 mil pés de café. É fácil notar o impacto criado pelo fim da escravidão

A cafeicultura, que depois se consolidaria no Sul de Minas Gerais, iniciou o processo de destruição em larga escala da Mata Atlântica pela siderurgia mineira, que há essa época já dependia intensamente da produção do carvão vegetal para alimentar os seus insaciáveis altos fornos. 

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