O MÉXICO E SEUS 10% DE REMANESCENTES FLORESTAIS

Desmatamentos no México

Aproveitando o embalo dessa série de postagens sobre os imensos problemas ambientais e sociais da América Central continental e das ilhas do Mar do Caribe, precisamos falar do México, grande país caribenho localizado na América do Norte. 

O México divide com El Salvador e Haiti a nada honrosa posição de países com maior devastação florestal do mundo. Calcula-se que resta apenas 10% da cobertura florestal original no país. Considerando que nós brasileiros já conseguimos destruir cerca de 92% da Mata Atlântica, o feito dos mexicanos parece coisa de “amador”. Porém, existe uma diferença brutal no prazo em que os dois países “realizaram esse feito”. 

A destruição em larga escala da Mata Atlântica começou na década de 1530, época em que começou a colonização efetiva do Brasil. Se você se lembrar das aulas de história, vai recordar das famosas Capitanias Hereditárias e do Ciclo do Açúcar, principalmente na Região Nordeste. De lá para cá, já se foram quase 500 anos e se desenrolaram diversos ciclos econômicos para atingirmos essa trágica marca de destruição da floresta.

Já no México, as florestas conseguiram chegar ao século XX razoavelmente bem conservadas – a destruição da cobertura florestal acelerou brutalmente a partir da década de 1930. Somente entre os anos de 1980 e 2000, o México perdeu quase 10 milhões de hectares de florestas, um valor equivalente a 19,44% da área total de suas florestas em 1980. Entre os anos de 2001 e 2017, foram perdidos ao menos 3,2 milhões de hectares, o que correspondeu a 6% das florestas remanescentes. Ou seja – os mexicanos têm sido muito mais efetivos que nós brasileiras quando o assunto é desflorestamento de “velocidade”. 

O México, ou oficialmente, os Estados Unidos do México, tem uma área superficial de 1,97 milhão de km² e conta com uma população de 125 milhões de habitantes. Geopoliticamente, o país faz parte da América do Norte, porém, devido à colonização espanhola e ao uso majoritário da língua castelhana, o país tem grande afinidade com as Américas Central e do Sul, sendo englobado na chamada América Latina, onde ocupa a segunda posição em tamanho da economia, só ficando atrás do Brasil. 

Até onde já foi possível confirmar cientificamente, as primeiras populações humanas chegaram ao território mexicano há cerca de 21 mil anos atrás. Resquícios arqueológicos indicam que os povos indígenas locais iniciaram a prática da agricultura há cerca de 9 mil anos com a domesticação do milho, até hoje o principal alimento do país e de grande parte dos países latino americanos. 

Um ponto de destaque da história do México foi o surgimento de grandes civilizações indígenas a partir do segundo milênio antes de Cristo, povos esses que rivalizavam cultural e cientificamente com outras grandes civilizações da Ásia, África e Europa no período. Há época da chegada dos primeiros espanhóis ao Novo Mundo em 1492, as civilizações americanas já tinham quase 4 mil anos de história (vide foto).  

Entre esses povos destacam-se os olmecas, toltecas, teotihuacanos, maias, zapotecas, mixtecas e, em especial, os astecas. Estimativas históricas sugerem que a população do México antes da conquista pela Espanha estava entre 6 e 25 milhões de habitantes. 

Diferentemente da ideologia naturalista que vigorou durante muito tempo, esses indígenas mexicanos e centro americanos não viviam em “perfeita harmonia” com a natureza, sobrevivendo da pesca, da caça e coleta de frutas nas matas. Muito ao contrário – esses povos eram experts em derrubar e queimar áreas florestais para a abertura de grandes campos agrícolas para o plantio de milho e outros alimentos. Aqui há uma questão lógica envolvida – não se consegue alimentar populações com milhões de indivíduos pescando e caçando com arco e flecha. 

Existe ainda um outro complicador – essas civilizações não possuíam o arado e ferramentas metálicas para trabalhar a terra. Praticando uma agricultura neolítica, esses povos se valiam de ferramentas de madeira e de pedra para preparar a terra e produzir alimentos, o que pressupõe uma baixa produtividade. Há época da chegada dos primeiros espanhóis na Península de Iucatã (ou Yucatán em castelhano), grandes cidades dessas civilizações pré-colombianas foram encontradas desertas e engolidas pelas florestas, que voltaram a crescer com vigor. 

Após a conquista do Império Asteca por Hernán Cortês e a morte do Imperador Montezuma no início do século XVI, a varíola e outras doenças trazidas pelos conquistadores espanhóis devastaram grande parte das populações indígenas do México. Os sobreviventes sofreram um intenso processo de aculturação e a conversão forçada ao cristianismo. O México só voltaria a ter uma grande população no século XX. Lamentavelmente, foi essa tragédia humana que ajudou muito na preservação da biodiversidade do país até décadas bem recentes. 

A parte Sul do México, de clima predominantemente tropical, era coberta por uma densa floresta com características bastante similares à Floresta Amazônica. Conforme comentamos em postagem anterior, após a formação do Istmo do Panamá, uma ponte de terra que uniu as grandes massas de terras das Américas do Norte e do Sul, formou-se um corredor biológico através do qual houve uma grande migração de espécies – animais e vegetais, nos dois sentidos.  

Espécies de plantas e animais sul-americanos passaram a colonizar as terras da América Central, chegando até o Sul do México, onde muitas evoluíram e prosperaram como novas espécies. Essa densa floresta tropical cobria aproximadamente 15% do território mexicano. Em terras mais altas e em cadeias montanhosas, a vegetação predominante era de origem norte-americana, com abundância de bosques de coníferas. Esse tipo de vegetação cobria cerca de 20% do território do país. Grande parte do território mexicano é formado por solos e climas árido e semiárido. 

A biodiversidade que se formou no país é uma das mais impressionantes do mundo – de acordo com as estimativas científicas, cerca de 34% da fauna que habita as florestas mexicanas são endêmicas. Existem cerca de 1.500 espécies de mamíferos, mais de 1.000 espécies de pássaros, além de centenas de espécies de répteis, anfíbios e peixes, entre outras. O país abriga mais de 30 mil espécies de plantas, onde o grande destaque são os cactos – metade das espécies conhecidas no mundo estão no México

No ano de 1900, a população do México era de apenas 13,9 milhões de habitantes. Após o tumultuado período da Revolução Mexicana, que se estendeu entre os anos de 1910 e 1920, com cerca de 900 mil mortos nos conflitos, o país entrou em um forte período de prosperidade econômica entre os anos de 1930 e 1980. A taxa de fertilidade chegou próxima de 6 filhos por mulher, houve uma grande redução na mortalidade infantil e também um aumento da expectativa de vida da população

Como consequência direta desse grande crescimento populacional, onde o número de mexicanos aumentou quase 10 vezes, o país passou a assistir uma forte pressão sobre as áreas florestais. Essa pressão foi exercida pela agricultura, que precisava de quantidades cada vez maiores de campos para a produção de alimentos para a população e para a produção de commodities agrícolas para exportação como o milho e a soja, além da mineração e a coleta e processamento de madeira para a indústria, construção civil e exportação. Também não foram desprezíveis os desmatamentos para a ampliação de cidades, construção de obras de infraestrutura e de saneamento básico, entre outras

Sem a devida gestão das autoridades do país, bastaram poucas décadas para a quase completa destruição da cobertura florestal do México e o aparecimento de todo o “pacote de problemas” associados – redução de caudais e destruição de rios e outros corpos d’água, secas em algumas regiões e enchentes descontroladas em outras, erosão e perda de solos agrícolas, entre muitos outros. 

Há pouco mais de 10 anos, consciente da situação caótica em que se encontravam as florestas do país, o Governo do México passou a desenvolver inúmeros programas de recomposição de áreas florestais e de estímulo ao plantio de florestas comerciais. Centenas de milhões de mudas de árvores já foram plantadas e muitos milhões mais estão sendo planejadas. Essas importantes medidas chegaram um tanto atrasadas – calcula-se que perto de 12% da biodiversidade do país ou já foi perdida ou está em vias de desaparecer

Como eu sempre costumo afirmar nas minhas postagens, é fundamental lutar pela preservação da Floresta Amazônica, a maior florestal tropical do mundo. Entretanto, existem outras importantes florestas tropicais em todo o mundo, tão importantes e fundamentais como a Amazônica, que estão sucumbindo diante dos olhos do mundo e sem provocar a mesma paixão provocada pela grande floresta sul-americana. As florestas do México são um exemplo dessa passividade. 

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