
Na última postagem falamos da Zona Morta do Golfo do México, um verdadeiro “deserto de biodiversidade” que ocupa uma área de mais de 22 mil km2 ao redor do delta do rio Mississipi. Recebendo grandes volumes de resíduos de fertilizantes e de outros produtos químicos, essas águas “férteis” estimulam o crescimento de algas e micro algas. Todo esse ciclo vegetal, incluindo a fase de decomposição das plantas mortas., consome a maior parte do oxigênio dissolvido na água, o que impede ou reduz bastante as condições para a sobrevivência de inúmeras espécies nessa área.
A bacia hidrográfica do rio Mississipi, onde encontramos outros grandes rios como o Missouri e o Ohio, é a maior da América do Norte e a terceira maior do mundo, abrigando uma intensa atividade agropecuária, além de ser o lar de dezenas de milhões de norte-americanos e canadenses. As autoridades ambientais lutam para controlar o tamanho dessa Zona Morta.
Além dessa contaminação química das suas águas, o Mar do Caribe também sofre com a poluição e com o carreamento de resíduos sólidos – veja a postagem sobre a ilha de resíduos plásticos, com vazamentos de petróleo, com a destruição de áreas florestais e de mangues, entre muitos outros problemas ambientais. Um drama recente e que vem ganhando proporções cada vez maiores é a invasão dessas águas por espécies exóticas. Um dos casos mais graves é o dos peixes-leão.
Peixe-leão é o nome genérico dado a uma grande variedade de peixes marinhos belos e venenosos dos gêneros Pterois, Parapterois, Crachypterois, Ebosia e Dem dhrochirus, todas pertencentes à família Scorpaenidae. Esses peixes são muito apreciados por aquaristas de todo o mundo, uma característica que está na origem do problema da invasão do Mar do Caribe por essas espécies.
Extremamente agressivo e voraz, o peixe-leão costuma atacar outras espécies menores que vivem no mesmo aquário. Aquaristas iniciantes, que não conhecem bem o peixe, muitas vezes acabam se decepcionando com esse comportamento e descartam esses animais em rios e praias. Essa foi, muito provavelmente, a história da invasão dos peixes-leão na costa Leste dos Estados Unidos e no Mar do Caribe. Os primeiros exemplares em águas norte-americanas foram avistados em 1985, na costa da Flórida.
As diferentes espécies de peixe-leão são originárias da região do Indo-Pacífico, onde são encontrados ao largo dos bancos de corais entre a Austrália e o Leste e Sul da África. Nessas águas, esses peixes possuem diversos predadores naturais como tubarões e garoupas, o que mantém suas populações sob controle.
A retirada de espécies animais e vegetais do habitat original e a sua introdução em outros ambientes altera substancialmente seu ciclo de vida. Em grande parte dos casos, os novos ambientes não possuem espécies predadoras, o que causa enormes desequilíbrios ambientais, a começar pela concorrência com as espécies nativas.
Um exemplo que podemos citar é o caso dos eucaliptos, espécie de árvore típica da Austrália que foi introduzida no Brasil no início do século XX. Os coalas (Phascolarctos cinereus), que são mamíferos marsupiais arbóreos australianos, vivem nessas árvores e se alimentam de suas folhas. Aqui no Brasil, os eucaliptos crescem e prosperam praticamente sem qualquer tipo de predador natural.
Sem enfrentar maiores ameaças, os peixes-leão iniciaram um rápido processo de colonização de toda a costa Leste dos Estados Unidos e, por volta do ano de 2005, os primeiros exemplares passaram a ser encontrados nas águas do Mar do Caribe, primeiro nas praias continentais do Golfo do México e depois nas diversas ilhas oceânicas. A espécie repetiu um feito anterior datado da segunda metade do século XIX, quando os animais atravessaram (por conta própria e sem interferência humana) o Mar Vermelho e o recém aberto Canal de Suez, invadindo as águas do Mar Mediterrâneo.
Em 2012, circularam as primeiras notícias da chegada da espécie nas ilhas de Trindad e Tobago e, não muito tempo depois, dois exemplares de peixe-leão foram capturados no litoral do Amapá. Aqui é importante citar que existe uma formação natural, uma longa cadeia de recifes de corais que se estende por mais de mil quilômetros entre a Guiana Francesa e a cidade de São Luiz no Maranhão, que pode funcionar como uma trilha para a migração dos peixes.
Esses corais se situam em profundidades entre 70 e 220 metros, ficando abaixo da pluma de águas doces do rio Amazonas. Essa surpreendente formação, que ocupa uma área estimada em 56 mil km2, só foi identificada em 2016 e os estudos sobre a sua biodiversidade ainda estão em estágio inicial.
Em dezembro de 2020, um peixe-leão foi capturado por mergulhadores em Fernando de Noronha, arquipélago que fica a mais de 350 km do litoral de Pernambuco. Três outros exemplares foram capturados em agosto de 2021. Segundo os especialistas, é provável que ovas fecundadas da espécie tenham sido arrastadas até o arquipélago pelas correntes marítimas.
Um caso intrigante foi relatado por pesquisadores da UFF – Universidade Federal Fluminense, que em maio de 2014, capturou um exemplar de 25 cm numa área rochosa da Prainha, em Arraial do Cabo, Região dos Lagos no Estado do Rio de Janeiro. Em fevereiro de 2016, um outro exemplar foi capturado na mesma região. Os pesquisadores acreditam que a introdução desses animais na região se deve ao descarte feito por algum aquarista – é muito pouco provável que os peixes tenham migrado do Mar do Caribe para o litoral fluminense, um trajeto de mais de 6 mil km.
Os peixes-leão são considerados mesopredadores, ou seja, comem peixes de pequeno a médio porte. As espécies nativas não o reconhecem como uma ameaça e não fogem instintivamente como fazem ao avistarem seus predadores naturais. Com essa fartura de alimentos e sem ameaças naturais, a espécie cresce descontroladamente, conquistando novos territórios a cada dia.
Áreas ao redor de ilhas oceânicas costumam abrigar espécies endêmicas, ou seja, que só vivem nessas águas. A chegada de uma espécie exótica e voraz como o peixe-leão poderá resultar numa redução drástica das populações dessas espécies locais, ou mesmo, na extinção desses animais. As regiões mais vulneráveis no litoral brasileiro são as áreas oceânicas ao redor de Fernando de Noronha, do Atol das Rocas, de Martin Vaz e Trindade, além dos penedos ou rochedos de São Pedro e São Paulo.
A invasão de biomas por espécies exóticas, um tema que já tratamos em uma série de postagens aqui no blog, é um dos maiores problemas ambientais de nossos tempos. O peixe-leão é apenas mais uma espécie invasora em meio a tantas outras em biomas aqui do nosso lado do mundo.