Observando de um ponto de vista puramente geográfico, a América Central é um pequeno subcontinente espremido entre as grandes massas de terras que formam a América do Norte e a América do Sul. Politicamente, essa região pode ser dividida em duas partes distintas: uma área continental onde se encontram sete países – Belize, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá.
Na região do Mar do Caribe, encontramos a parte insular da América Central. Essa região é dividida tradicionalmente em Grandes Antilhas, formada por países como Cuba, Jamaica, Haiti e República Dominicana, que compartilham a Ilha de São Domingos ou Hispaniola, e também Porto Rico, Estado associado aos Estados Unidos da América. As ilhas menores são conhecidas como as Pequenas Antilhas, onde encontramos Antígua e Barbuda, Barbados, Dominica, Granada e Santa Lúcia, entre outras nações independentes. Existem também inúmeras ilhas que são possessões estrangeiras como Aruba, Curaçao e Bonaire.
A história geológica da América Central guarda um detalhe dos mais interessantes – durante dezenas de milhões de anos, as grandes massas de terra que formaram a América do Norte e América do Sul foram grandes ilhas completamente separadas. Entre 2 e 4,2 milhões de anos atrás, ou ainda há 23 milhões de anos (ainda não há consenso entre os especialistas sobre uma data exata), se formou o Istmo do Panamá ou Istmo Centro-americano, unindo os dois continentes e criando um corredor para a vida natural – espécies animais e vegetais que se desenvolveram isoladamente nas duas áreas passaram a migrar nos dois sentidos.
Para que todos entendam bem esse evento, precisamos relembrar um pouco da Teoria da Deriva Continental. Falando de forma muito simplificada, toda a crosta terrestre é formada por um conjunto de grandes placas rochosas conhecidas como placas tectônicas – são 14 placas principais e 38 placas menores ou secundárias. O Brasil, citando um exemplo, fica localizado integralmente sobre a Placa Sul-americana; as famosas Ilhas Falklands ou Malvinas, como chamam os argentinos, ficam sobre uma micro placa tectôniCa. Essas placam “flutuam” sobre a camada de rochas derretidas – o magma, que forma o núcleo do planeta. Essas placas são livres e se movimentam alguns centímetros a cada ano.
A primeira referência que se conhece sobre a separação das grandes massas continentais é encontrada no Atlas Moderno elaborado pelo holandês Abraham Ortelius em 1596. A moderna teoria da Deriva dos Continentes foi proposta pelo geofísico e meteorologista alemão Alfred Wegener (1880-1930), através de vários artigos publicados a partir de 1912. Essa Teoria, entretanto, só passou a ser levada a sério a partir de estudos oceanográficos de meados do século XX, quando navios de pesquisa passaram a recolher rochas do fundo do Oceano Atlântico.
Os pesquisadores observaram que as rochas recolhidas nas proximidades da América do Sul e da África eram bem mais velhas dos que as rochas recolhidas no meio do Oceano Atlântico. Estudos posteriores comprovaram que essa região, onde se encontra a Dorsal Mesoatlântica, é o ponto de encontro de diversas placas tectônicas.
De acordo com as teorias geológicas, a maior parte das áreas continentais, que são formadas por placas tectônicas, estavam unidas entre 200 e 540 milhões de anos atrás e formavam o supercontinente chamado Pangeia, que em grego significa “terra única”.
Devido à movimentação das placas tectônicas, a Pangeia sofreu uma primeira grande fragmentação há cerca de 190 milhões de anos atrás, quando surgiu a Laurásia, formada por terras das atuais América do Norte, Groenlândia, Europa e Ásia, e Gondwana, onde se encontravam os territórios da África, América do Sul, Antártida, Madagascar, Subcontinente Indiano, Austrália, Nova Guiné, Nova Caledônia e Nova Zelândia, entre outras ilhas menores.
Entre 130 e 165 milhões de anos atrás teve início um grande ciclo de fragmentação dos continentes – ao Norte, as grandes massas de terra que formam a América do Norte e a Groenlândia se separaram da Laurásia. Ao Sul, o supercontinente de Gondwana se separou em diversos pedaços e teve início uma grande deriva de áreas que formariam muitos dos continentes atuais.
Cada uma dessas grandes massas de terra “carregou” como passageiros plantas e animais, que, separados de suas populações originais, passaram a evoluir de formas independentes, se adaptando aos novos ambientes e climas que foram surgindo. Na América do Sul, por exemplo, alguns primatas se especializaram para uma vida no topo das árvores e desenvolveram a habilidade de se segurar nos galhos também com o rabo. Essa habilidade, chamada na biologia de cauda preênsil, não é encontrada em outras espécies de macacos em outros continentes.
Na América do Sul também prosperaram muitas espécies de marsupiais, mamíferos que possuem, entre outras características físicas, uma bolsa ou marsúpio onde se encontram as glândulas mamárias e onde os filhotes terminam o seu desenvolvimento. Exemplos são as cuícas e diferentes espécies de gambás. A maior parte das espécies de marsupiais são encontradas na Oceania.
Outras espécies nativas da região são os tatus, os bichos-preguiça – incluindo-se aqui a extinta preguiça-gigante, os tamanduás, diversas espécies de primatas (do clado Platyrrhini ou macacos do Novo Mundo), além de felinos como a onça, a jaguatirica e o gato maracajá. Em outros continentes e territórios podemos citar a evolução isolada de espécies como os lêmures e as fossas, animais exclusivos da Ilha de Madagascar, e os cangurus e demais marsupiais da fantástica fauna da Austrália.
A fauna da América do Norte de então era bem diferente da encontrada na América do Sul. Lá existiam grandes manadas de mamutes, mastodontes, cavalos e búfalos, além de espécies como veados, pumas, coiotes, raposas e ursos, espécies de animais de origem Euroasiática. A vegetação da América do Norte também tinha características próprias, apresentando grandes florestas de pinheiros e carvalhos, espécies bem diferentes daquelas encontradas nas florestas úmidas e densas que surgiram na América do Sul.
Quando o Istmo do Panamá se formou, surgiu uma verdadeira “ponte de terra” entre esses dois mundos diferentes que estavam separados há mais de 130 milhões de anos. Animais e plantas que evoluíram separadamente, agora se encontravam e conquistavam novos territórios tanto para o Norte quanto para o Sul. As florestas de baixas altitudes que cobrem grandes áreas da América Central e do Sul do México, por exemplo, são uma espécie de “extensão” da vegetação da Floresta Amazônica da América do Sul.
Existem inúmeros exemplos de espécies animais que expandiram seus territórios a partir deste mesmo caminho. Os ursos-de-óculos (Tremarctos ornatus), única espécie de urso ainda existente na América do Sul e que vive nos Andes, descendem de ursos que migraram a partir da América do Norte. Já os tatus, espécie tipicamente Sul-americana, migrou para as Américas Central e do Norte, onde colonizou novos territórios até no Sul dos Estados Unidos.
Algumas dessas migrações de animais foram dramáticas, como no caso do temível Smilodon, mais conhecido como dentes-de-sabre (a imagem que ilustra esta postagem mostra uma concepção artística do animal). Esse felídeo era extremamente forte e robusto, com uma mordida poderosa e dois grandes dentes caninos. A espécie surgiu na América do Norte há cerca de 2,5 milhões de anos atrás, gerando diferentes subespécies. Os dentes-de-sabre migraram para a América do Sul há cerca de 700 mil anos atrás, roubando das onças pintadas o título de maior predador do continente. Por múltiplas razões, esses animais se extinguiram há cerca de 10 mil anos.
Esse grande corredor biológico continuou existindo até pouco mais de um século atrás, quando uma grande obra realizada por mãos humanas voltou a separar fisicamente as Américas – falo aqui do Canal do Panamá, inaugurado em 1914. Concebido para permitir o tráfego de grandes navios cargueiros entre o Oceano Pacífico e o Mar do Caribe e Oceano Atlântico, esse Canal por si só já foi uma grande tragédia humana – vinte e nove vilas e cidades foram atingidas pelas obras, forçando o deslocamento de mais de 50 mil pessoas. Cerca de 27,5 mil trabalhadores morreram durante a realização das obras.
Falaremos desse grande projeto e dos seus impactos ambientais na próxima postagem.
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