E OS TATUS INVADEM A “AMÉRICA”…

Um caso intrigante de invasão de um grande território por uma espécie exótica é o que está acontecendo nos Estados Unidos desde o final do século XIX, época em que os tatus-galinha, chamados localmente de armadillos, começaram a atravessar o rio Grande, fronteira natural com o México e passaram a se estabelecer em terras norte-americanas. Desde então, os tatus se estabeleceram no Texas, Oklahoma, Luisiana, Arkansas, Alabama, Geórgia e Flórida. Há notícias de avistamentos desses animais no Sul de Nebraska, em Illinois e em Indiana.

Os Dasipodídeos, a grande família dos tatus, são mamíferos da ordem Cingulata, que tem como característica principal uma armadura que cobre o corpo. Essa armadura é composta por placas dérmicas ossificadas que são cobertas por escamas. Essa proteção cobre as costas, a cabeça, a cauda e as superfícies externas das pernas. A barriga, o peito e as partes internas das pernas não contam com essa proteção.

Durante dezenas de milhões de anos, as diversas espécies de tatus estavam restritas ao continente Sul-Americano. Essa saga teve início há aproximadamente 160 milhões de anos atrás, época em que o Supercontinente de Gondwana começou a se fragmentar. Relembrando, Gondwana era formado pela África, América do Sul, Antártida, Madagascar, Índia, Austrália, Nova Zelândia, Nova Caledônia e algumas ilhas menores. Com a separação dessas grandes áreas territoriais, muitas espécies ficaram isoladas e seguiram por caminhos evolutivos absolutamente independentes.

Exemplos dessa exclusividade podem ser vistos na fauna da Austrália, com seus cangurus e coalas, e em Madagascar, onde se destacam os lêmures. Na América do Sul, o isolamento levou ao surgimento de inúmeras espécies exclusivas como macacos, gambás, tamanduás, bichos-preguiças e tatus. Esse isolamento continental terminou entre 2 e 4,2 milhões de anos atrás, ou ainda há 23 milhões de anos (ainda não há consenso entre os especialistas sobre uma data exata), quando se formou o Istmo do Panamá ou Istmo Centro-americano, unindo a América do Sul com a América Central e do Norte, e criando um corredor para a vida natural – espécies animais e vegetais que se desenvolveram isoladamente nas duas áreas passaram a migrar nos dois sentidos. 

Quando o Istmo do Panamá se formou, surgiu uma verdadeira “ponte de terra” entre esses dois mundos diferentes que estavam separados há mais de 130 milhões de anos. Animais e plantas que evoluíram separadamente, agora se encontravam e conquistavam novos territórios tanto para o Norte quanto para o Sul. As florestas de baixas altitudes que cobrem grandes áreas da América Central e do Sul do México, por exemplo, são uma espécie de “extensão” da vegetação da Floresta Amazônica da América do Sul.  

Existem inúmeros exemplos de espécies animais que expandiram seus territórios a partir deste mesmo caminho. Os ursos-de-óculos (Tremarctos ornatus), única espécie de urso ainda existente na América do Sul e que vive nos Andes, descendem de ursos que migraram a partir da América do Norte. Algumas dessas migrações de animais foram dramáticas, como no caso do temível Smilodon, mais conhecido como dentes-de-sabre. Esse felídeo era extremamente forte e robusto, com uma mordida poderosa e dois grandes dentes caninos.

A espécie surgiu na América do Norte há cerca de 2,5 milhões de anos atrás, gerando diferentes subespécies. Os dentes-de-sabre migraram para a América do Sul há cerca de 700 mil anos atrás, roubando das onças pintadas o título de maior predador do continente. Por múltiplas razões, esses animais se extinguiram há cerca de 10 mil anos, não sem antes levar diversas espécies sul-americanas à extinção, como foi provavelmente o caso das preguiças-gigantes

Entre as espécies que migraram rumo ao Norte podemos destacar as onças, felinos que colonizaram com sucesso toda a América Central e o México, onde passaram a ser chamados de jaguar. Também podemos incluir nessa lista os tamanduás, os bichos-preguiça e inúmeras espécies de macacos. Outro “imigrante” que alcançou um grande sucesso foram os tatus, animais que rapidamente encontraram nichos ecológicos por toda a América Central e México. Uma das espécies mais exitosas nessa expansão territorial foram os chamados tatus-galinha, também conhecidos como tatus-verdadeiros, tatu-de-folha, tatu-veado, tatu-liso e tatuetê. O nome hispânico mais comum para esses animais é armadillo.

Durante centenas de milhares de anos, os tatus prosperaram e se aproveitaram da estabilidade ambiental dos diferentes biomas que se formaram na região Centro-Americana. A situação mudaria drasticamente a partir da chegada dos conquistadores espanhóis no final do século XV e dos fortes movimentos de colonização que se seguiriam. Já no século XVII, grandes extensões de matas passaram a ser derrubadas e transformadas em campos agrícolas, onde destacamos a cana-de-açúcar.

Essa intensa pressão ambiental passou a reduzir gradativamente os habitats de muitas das espécies nativas locais, inclusive os tatus, empurrando os animais sobreviventes numa busca por novos territórios. Um exemplo do grau de devastação das antigas áreas naturais da região são as florestas tropicais do Sul do México – mais de 90% dessas florestas já desapareceram. O mesmo se repetiu em outros países da América Central.

Conforme já citamos, os tatus-galinha passaram a ser vistos com frequência cada vez maior no Extremo Sul dos Estados Unidos nas últimas décadas do século XIX, principalmente nas áreas áridas e semiáridas do Texas, ambientes com paisagens e clima muito similares ao Norte do México. A partir dali, a espécie passou a seguir rumo ao Leste, ocupando áreas de pradarias e de matas. Sem predadores naturais, com a alta fertilidade da espécie e encontrando grande disponibilidade de alimentos, os tatus foram avançando e consolidando cada vez mais novos territórios.

A colonização do território norte-americano pelos tatus-galinha parece estar limitada apenas pelo clima – a espécie não se adapta a invernos rigorosos e não é capaz de hibernar. Com o aquecimento global e com as mudanças climáticas que temos assistido, é possível imaginar que a espécie consiga avançar ainda mais em direção ao Norte.

Por mais natural que pareça essa colonização do território norte-americano pelos tatus-galinha, o avanço da espécie prejudica uma lista enorme de espécies nativas que ocupam o mesmo nicho ecológico. Sem a mesma capacidade de adaptação dos animais “latinos”, essas espécies podem ter suas populações reduzidas e/ou ameaçadas de extinção, um drama que assola um número cada vez maior de espécies animais e vegetais pelo mundo a fora.

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