A PODEROSA CHINA E SUAS CIDADES POLUÍDAS, OU A PODEROSA POLUIÇÃO DO AR NAS CIDADES DA CHINA

Poluição do ar em Pequim

A pandemia da Covid-19 colocou, literalmente, o mundo inteiro em alerta. Tratada inicialmente como uma “gripezinha” por muitos Governos (inclusive o nosso), a doença rapidamente mostrou que era muito mais grave do que parecia inicialmente e começou a fazer dezenas de milhares de vítimas fatais ao redor do mundo. Os países que mais sofrem com essa pandemia até o momento são a Itália, Espanha, França, Inglaterra e Estados Unidos. No Brasil, os dados divulgados pelo Ministério da Saúde até hoje (22 de abril) falam de mais de 45 mil casos confirmados e 2.906 mortes. 

Uma medida extrema tomada pela grande maioria dos países afetados pela Covid-19 foi o isolamento social. Indústrias, comércios, escolas e universidades, e demais serviços não essenciais foram paralisados e os cidadãos aconselhados (usando aqui o termo mais suave) a ficar em suas casas. Estamos todos torcendo para que tudo isso passe logo e que a vida possa voltar ao seu ritmo normal o mais breve possível. 

Há um ponto positivo em toda essa paralisação do mundo – grande parte das fontes de poluição do ar foram “desligadas” e a atmosfera melhorou muito em grandes áreas metropolitanas e em zonas industriais. Existem inúmeras reportagens mostrando fotos de satélite de grandes cidades do mundo com o antes e o depois da pandemia do Corona vírus.  

De acordo com estudos feitos pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, a China será, muito provavelmente, o país que terá mais vidas salvas por essa abrupta melhoria das condições atmosféricas. De acordo com as projeções feitas por esse estudo, a redução da poluição do ar em grandes cidades da China em função da quarentena nos últimos dois meses, salvará a vida de 4 mil crianças com menos de cinco anos e perto de 73 mil adultos acima dos 70 anos. Ou seja – ironicamente, a quarentena forçada vai salvar muito mais vidas de problemas de saúde criados pela poluição do ar do que vítimas do Corona vírus. 

A poluição do ar nas grandes cidades da China, já faz muito tempo, deixou de ser um grande problema ambiental e se transformou numa verdadeira tragédia social. De acordo com as recomendações da OMS – Organização Mundial da Saúde, a quantidade de partículas microscópicas de poluentes com tamanho até 2,5 micrômetros – conhecidas como PM2.5, deve ser no máximo da ordem de 25 microgramas por metro cúbico de ar. Essas partículas são produzidas pela combustão de motores de carros, motos e caminhões; queima do carvão em termelétricas, queima de lenha em residências e em processos industriais, entre outras fontes. 

Em grandes regiões metropolitanas da China como Pequim, Hebei e Tianjin já foram detectados níveis dessas partículas até 40 vezes acima do nível recomendado. Estudos conjuntos feitos por universidades americanas e chinesas indicam que a intensa poluição do ar nas grandes cidades da China resulta em 177 mil mortes prematuras a cada ano. A queima do carvão em centrais termelétricas e em grandes empresas é a principal causa da poluição do ar no país

A produção anual de carvão mineral na China supera a impressionante marca de 2 bilhões de toneladas. As principais reservas se encontram na região Norte do país. Todo esse grande volume de carvão alimenta o gigantesco parque de usinas siderúrgicas do país e, especialmente, as onipresentes centrais termelétricas espalhadas pelos quatro cantos da China. Cerca de 80% da geração elétrica do país vêm de combustíveis fósseis; 17% são gerados em centrais hidrelétricas e 2% em usinas nucleares

Uma das grandes “vantagens” das usinas termelétricas é a possibilidade da construção dessas unidades próximas aos grandes centros consumidores, o que evita a necessidade da construção de grandes linhas para a transmissão de energia. Aqui no Brasil, onde uma parte substancial de nossa matriz energética vem de centrais hidrelétricas, precisamos fazer pesados investimentos para a construção de milhares de quilômetros linhas de transmissão de energia elétrica. Em alguns casos, gasta-se mais com a construção de linhas de transmissão do que na construção da usina hidrelétrica. 

É justamente essa concentração maciça de centrais termelétricas a carvão nas proximidades de grandes cidades na China que torna o ar metropolitano tão poluído. Soma-se à tragédia milhões de veículos automotores, fábricas de todos os tipos e uma legislação ambiental que, até poucos anos atrás, fazia vista grossa para os problemas da poluição. Durante décadas a fio, o Governo Central do país estimulou o chamado “desenvolvimento a qualquer custo”, onde o mais importante era a geração de riquezas e empregos. Isso criou um verdadeiro caos ambiental na China, que levará muito tempo para ser resolvido. 

Fatores geográficos e climáticos ajudam a transformar a vida de algumas cidades em um verdadeiro martírio, como é o caso de Pequim. Nos períodos de seca, a cidade é assolada por fortes ventos que trazem grandes quantidades de areia fina do Deserto de Gobi. Essa areia finíssima se junta aos grandes volumes de material particulado da poluição do ar da cidade, tornando a atmosfera quase irrespirável. Os pequinenses costumam chamar essa grossa névoa que envolve a cidade de “arpocalipse”, numa tradução para o chinês, é claro.

A recente guinada na política ambiental da China incorporou entre suas principais metas a substituição do carvão mineral como principal fonte energética do país. Várias minas já foram fechadas e já houve uma redução de 25% na produção do carvão nos últimos anos. Desde o final da década de 1990, vem sendo estimulada a instalação de sistemas de filtragem e dessulfurização nas chaminés das novas termelétricas construídas no país e também o uso de fontes de energia renovável como a hidrelétrica, a solar e a eólica. 

Um exemplo dos esforços chineses para a produção de “energia limpa” foi a construção da Usina Hidrelétrica de Três Gargantas, no rio Yangtzé. Concluída em 2015, Três Gargantas possui uma capacidade instalada de 22.500 MW, o que, em tese, a torna a maior usina hidrelétrica do mundo, superando a Itaipu Binacional instalada entre o Brasil e o Paraguai no rio Paraná, que tem uma potência instalada de 14.500 MW. Entretanto, como as condições hidrológicas do rio Paraná são mais favoráveis do que as do rio Yangtzé, Itaipu tem, frequentemente, conseguido se manter à frente de Três Gargantas na produção de energia elétrica. 

Os problemas que foram criados pela pandemia do Covid-19 em todo o mundo terão, provavelmente, fortes repercussões na economia da China nos próximos anos. Diversas nações estão acusando formalmente o país de ter escondido os dados reais sobre a letalidade do Corona vírus, uma omissão que pode ter custado a vida de milhares de cidadãos de países pelo mundo afora. Por todos os lados se vêm movimentos populares para o boicote aos produtos chineses daqui para a frente. 

Entre as várias justificativas para esse boicote, muitos grupos ambientalistas estão incluindo na conta as grandes emissões de gases de efeito estufa, a poluição de corpos d’água e produção de imensos volumes de resíduos sólidos na China. Esse provável boicote terá, com certeza, profundas repercussões políticas, econômicas e sociais no país, que será forçado a mudar em muitos aspectos. Torçamos para que essas mudanças também tenham reflexos na área ambiental e que as populações das cidades chinesas consigam respirar um pouco melhor. 

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