
O transporte natural de material particulado a longas distâncias pelas correntes de vento vem ocorrendo em nosso planeta há milhões de anos. Um exemplo: de acordo com um estudo da NASA – Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos, na sigla em inglês, mais de 27 milhões de toneladas de material particulado do Deserto do Saara são carregadas pelos ventos até a Amazônia todos os anos.
É interessante observar que no meio de todo esse material particulado, formado em sua maior parte por areia fina, chegam cerca de 22 mil toneladas de fósforo, um importante fertilizante. Ou seja – os fortes ventos alísios que sopram da África em direção da América do Sul e que carregam grandes massa de chuvas, também são responsáveis por parte da fertilização da maior floresta equatorial do mundo.
Infelizmente, esse fascinante mecanismo muitas vezes acaba carregando “problemas” de uma região para outra. Um exemplo dramático que apresentamos aqui no blog em 2019, foi a “chuva negra” que caiu na cidade de São Paulo, um fenômeno que foi provocado pela fuligem de grandes queimadas no Sul e no Oeste da Amazônia. Essa fuligem chegou na cidade carregada por fortes correntes de vento.
Um fenômeno muito parecido está complicando a vida de milhões de pessoas na Coreia do Sul – uma densa neblina formada por uma poeira muito fina está cobrindo quase todo o território do país desde o início deste ano. O “fenômeno” está causando coceira nos olhos e irritação na garganta da população.
Esse evento não é novo: assim como acontece na Amazônia, a Península Coreana vem sendo bombardeada há milhares de anos por nuvens de poeira amarela, também conhecida como poeira asiática, que é arrastada pelos ventos desde os grandes desertos do Norte da China e da Mongólia. Esse fenômeno é comum nos meses de primavera.
Nos últimos anos, entretanto, os coreanos vêm observando que a “poeira amarela” tem ficado cada vez mais escura devido aos grandes volumes de poluentes liberados na atmosfera pela China, seu grande país vizinho. É essa poluição “exportada” pelos chineses que está causando problemas para a saúde dos coreanos.
De acordo com informações de órgãos de saúde da Coreia do Sul, a concentração de material particulado do tipo PM 2.5 está mais de sete vezes acima do nível máximo recomendado pela OMS – Organização Mundial de Saúde. As informações também dão conta de um crescimento vigoroso das vendas de máscaras, purificadores de ar e secadores, o que demonstra o desespero da população.
De acordo com as recomendações da OMS, a quantidade de partículas microscópicas de poluentes com tamanho até 2,5 micrômetros – conhecidas como PM2.5, deve ser no máximo da ordem de 25 microgramas por metro cúbico de ar. Essas partículas são produzidas pela combustão de motores de carros, motos e caminhões; queima do carvão em termelétricas, queima de lenha em residências e em processos industriais, entre outras fontes.
Nos últimos anos, a China assumiu o posto de maior emissor de GEE – Gases de Efeito Estufa, do mundo, colocando os Estados Unidos, líder absoluto nessas emissões entre 1850 e 2016, na segunda colocação. De acordo com estudos do WRI – World Resources Institute, a China sozinha responde por quase 1/3 das emissões globais de GEE.
A poluição do ar nas grandes cidades da China, já faz muito tempo, deixou de ser um grande problema ambiental e se transformou numa verdadeira tragédia social. Em grandes regiões metropolitanas da China como Pequim, Hebei e Tianjin já foram detectados níveis de partículas PM 2.5 até 40 vezes acima do nível recomendado pela OMS.
Estudos conjuntos feitos por universidades americanas e chinesas indicam que a intensa poluição do ar nas grandes cidades da China resulta em 177 mil mortes prematuras a cada ano. A queima do carvão em centrais termelétricas e em grandes empresas é a principal causa da poluição do ar no país.
A produção anual de carvão mineral na China supera a impressionante marca de 2 bilhões de toneladas. As principais reservas se encontram na região Norte do país. Todo esse grande volume de carvão alimenta o gigantesco parque de usinas siderúrgicas do país e, especialmente, as onipresentes centrais termelétricas espalhadas pelos quatro cantos da China. Cerca de 80% da geração elétrica do país vêm de combustíveis fósseis; 17% são gerados em centrais hidrelétricas e 2% em usinas nucleares.
Se qualquer um dos leitores consultar um mapa mundi, vai observar facilmente a proximidade entre a costa da China e a Coreia do Sul, separadas pelo Mar Amarelo. Em alguns trechos, a distância é de pouco mais de 200 km. A distância aérea entre Pequim e Seul, as respectivas capitais desses países, é de 952 km. Nuvens de poluição são facilmente carregadas pelos ventos de um lado para o outro.
De acordo com estudos de especialistas em Ciências Atmosféricas da Universidade Yonsei de Seul, “os dias com extrema neblina e o aparente aumento deste fenômeno na península da Coreia nos últimos quatro ou cinco anos correspondem principalmente a condições meteorológicas específicas que aumentaram o transporte de partículas da China. A isto é preciso somar as emissões locais.”
Ainda segundo esses estudos, algo entre 70% e 80% da poluição que é carregada junto com a “poeira amarela” que está tomando conta da Coreia do Sul tem sua origem na China – o restante é gerado dentro do próprio território coreano.
A Coreia do Sul é a quarta maior economia da Ásia e, como a maioria dos seus países vizinhos, utiliza grandes volumes de combustíveis fósseis em suas indústrias e, especialmente, para a geração de energia elétrica. O país também conta com uma gigantesca frota de veículos automotores.
Por maiores que sejam os esforços dos coreanos para controlar a sua parte nessa nuvem de poluição, e olhem que o país vem trabalhando muito para isso, os grandes volumes de poluentes vindos da China sempre serão substanciais e continuarão causando problemas para a saúde da população do país. Sem um grande esforço por parte dos chineses para reduzir essa poluição, o problema continuará insolúvel.
Sem querer desanimar os coreanos, a China pretende atingir um nível zero de emissões de carbono somente por volta do ano 2050. Até lá, muitas nuvens de poluição vão continuar atravessando o Mar Amarelo…