
A poluição do ar nas grandes cidades do mundo coloca em risco a saúde de dezenas de milhões de pessoas e entra na lista dos grandes problemas ambientais de nossos dias. Nas postagens aqui do blog já falamos desse enorme problema em cidades da China, da Índia, de Bangladesh, do Paquistão e até mesmo em Paris, a sofisticada capital da França.
No último dia 11 de maio entretanto, uma das mais importantes capitais da América do Sul conseguiu entrar para o nada seleto grupo das cidades mais poluídas do mundo – Santiago, a capital do Chile. A metrópole, de 5,6 milhões de habitantes e que já tem problemas de poluição no ar, enfrentou condições adversas na circulação dos ventos, o que agravou, e muito, o problema e colocou a cidade no topo do ranking.
A localização de Santiago do Chile, para os que não conhecem, é bastante incomum. A metrópole se espreme em uma faixa de terras entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes. Mais ao Norte, encontramos a região árida do Deserto do Atacama. Essa geografia costuma resultar em problemas de circulação dos ventos na cidade em algumas épocas do ano.
No dia em questão, o ar da cidade apresentou uma alta concentração de partículas de poluição devido aos problemas de ventilação. O IQA – Índice de Qualidade do Ar, um parâmetro de análise da qualidade do ar que foi criado pela empresa de tecnologia suíça IQAir, atingiu um nível altíssimo. Esse índice vem sendo utilizado já há alguns anos para classificar as cidades com o ar mais poluído do mundo.
De acordo com análises feitas por meteorologistas do país, o problema foi em parte criado por uma inversão térmica, um fenômeno típico dos meses de outono e inverno. Esse fenômeno ocorre com a chegada de uma camada de vento quente sobre a cidade, o que cria uma espécie de “tampa” que impede a circulação do ar.
Também foi citada a influência da depressão costeira, das altas pressões e de uma crista quente em altitude, uma combinação não muito comum de fenômenos atmosféricos que ajudou a transformar o ar de Santiago num dos piores do mundo por alguns dias.
Apesar de ter sido “premiada” com o título de cidade com o ar mais poluído do mundo da semana, Santiago vem enfrentando o problema há muito tempo. Como é normal em grandes cidades do mundo, a capital chilena possui uma enorme frota de automóveis, ônibus e caminhões circulando por suas ruas.
A fumaça resultante da queima de combustíveis fósseis se junta a outras fontes de poluição, como a fortíssima mineração no Norte do país, resultando em uma atmosfera extremamente ruim para a sua população. Também é importante citar que cerca de 2/3 de toda a energia elétrica gerada no país vem de centrais termelétricas a carvão, derivados de petróleo e gás.
Nos meses mais frios do ano a situação costuma ficar ainda mais complicada. Devido ao clima temperado do país, a população precisa se valer de sistemas de aquecimento em suas casas. É muito comum a queima de lenha nas lareiras, prática que ajuda a piorar ainda mais a qualidade do ar nas cidades, especialmente em Santiago.
O Chile e o Peru, surpreendentemente, registram as maiores taxas de mortalidade prematura por causa da poluição atmosférica na América do Sul. O Chile lidera o ranking com 240 mortes por milhão de habitantes.
Como sempre costuma acontecer nessas situações de alerta ambiental, o Ministério do Meio Ambiente do Chile implementou uma série de medidas preventivas. Entre as medidas destacam-se a proibição da queima de lenha em lareiras residenciais e a implementação de diversos tipos de restrições ao uso de automóveis em toda a Região Metropolitana.
Eu lembro perfeitamente dos velhos tempos nas décadas de 1970 e 1980, quando minha cidade – São Paulo, figurava entre as que tinham o ar mais poluído do mundo. Entre os anos de 1978 e 1979, quando eu comecei a trabalhar como office-boy em um escritório, sofri muito com a poluição do ar na área central da cidade.
Na década de 1980, inclusive, o Governo do Estado criou um sistema de rodízio de carros, onde em função do número final da placa do veículo havia a proibição da circulação em certo dia da semana. Essa medida começou com o objetivo de ajudar a controlar a poluição do ar da cidade, mas, com o tempo, passou a ser usada como forma de diminuir o número de veículos em circulação e reduzir os engarrafamentos.
Desses anos complicados para cá, a qualidade do ar na cidade melhorou bastante. Surgiram os carros com motores movidos a etanol (o famoso álcool da cana-de-açúcar). Os carros passaram a sair de fábrica com catalisadores nos escapamentos (o que ajuda a reduzir a poluição) e também passou a ser usado um óleo diesel bem menos poluentes na frota de ônibus e caminhões.
Outro fator positivo foi a mudança do perfil da cidade, que antes era fortemente industrial e atualmente tem uma participação maior do setor de serviços. Com menos fábricas e mais escritórios a atmosfera melhora muito.
Um fato bem menos comentado é que houve um grande aumento das áreas verdes da cidade. Segundo alguns estudos, essa área mais que dobrou nos últimos 40 anos. Esse aumento se deu principalmente graças às áreas verdes que passaram a ser uma demanda dos compradores de apartamentos em prédios residenciais, além de projetos de arborização como o Projeto Pomar nas margens do rio Pinheiros.
Uma trágica lembrança para nós paulistas do que é a poluição do ar de uma cidade e que, felizmente, se transformou num case de sucesso foi Cubatão, cidade industrial do litoral de São Paulo que chegou a ser conhecida internacionalmente como o “Vale da Morte” e cidade mais poluída do mundo até o início da década de 1980.
Graças a sua excepcional localização a meio caminho entre o Porto de Santos e a Região Metropolitana de São Paulo, Cubatão foi escolhida como sede de um grande complexo petroquímico em meados da década de 1950. Em tempos em que o desenvolvimento a qualquer custo era um mantra no mundo, todo esse projeto acabou sendo implantado sem a mínima responsabilidade ambiental.
Essa situação só mudaria em meados da década de 1980, quando o novo Governo do Estado de São Paulo assumiu e resolveu dar um basta naquela situação caótica. Estudos feitos na época sobre a poluição do ar indicaram o lançamento de cerca de 1.300 toneladas de poluentes particulados e gasosos na atmosfera a cada dia, emitidos pelas empresas instaladas em Cubatão. Foram identificadas no total 230 fontes primárias de poluição do ar.
Além de esforços para melhorar a qualidade do ar, foram identificadas todas as fontes de poluição das águas – em especial do rio Cubatão, além de determinados os pontos de despejo de resíduos sólidos, inclusive terrenos onde resíduos químicos perigosos estavam sendo enterrados de forma clandestina.
Depois de vários anos de esforços combinados, a poluição em Cubatão já foi reduzida em cerca de 95%, o que mostra que é possível resolver grande parte dos problemas. A cidade virou um símbolo de sustentabilidade e cuidado com o meio ambiente.
Como é impossível mudar a geografia e o clima de Santiago, os esforços precisarão ser concentrados na redução do uso de combustíveis fósseis como gasolina, óleo diesel e carvão, estimular ao máximo o uso de fontes renováveis como a solar, eólica e o gás natural. Essa formula, aliás, é a mesma que precisa ser usada por outras grandes cidades do mundo que sofrem do mesmo mal.
Infelizmente, esse é um caminho difícil e que demandará enormes esforços tanto da população quanto do Governo do país.