AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL: A CRIAÇÃO DA ZONA FRANCA DE MANAUS

Nesses últimos dias, desgraçadamente, a cidade de Manaus não sai dos noticiários. O agravamento da contaminação pela Covid-19 provocou a superlotação dos hospitais da cidade e, muito pior, desencadeou uma crise de escassez de oxigênio medicinal nos hospitais. Sem ligações terrestres adequadas com o restante do país, as cargas de oxigênio estão sendo transportadas por via aérea e fluvial. 

Para quem não conhece, Manaus é uma verdadeira ilha urbana cercada por florestas por todos os lados. A própria região onde fica a cidade é uma grande ilha – a Ilhas das Guianas, que é cercada pelos rios Negro, Amazonas e Orinoco, Canal do Cassiquiare, além das águas do Mar do Caribe e do Oceano Atlântico. E como ocorre em toda ilha, existem problemas de comunicação com “terras”vizinhas.

Manaus surgiu a partir da construção de uma fortificação portuguesa erguida por volta de 1669. A cidade só ganharia projeção nacional e mundial a partir do Ciclo da Borracha, período entre meados do século XIX e início da década de 1910, quando a Amazônia foi o principal centro produtor de látex do mundo e a cidade foi um dos polos de exportação. A riqueza e a prosperidade criada pelo látex levaram Manaus a ser chamada de a “Paris dos Trópicos”. 

Depois de décadas de ostracismo após o fim do Ciclo da Borracha, a cidade ganharia novamente uma projeção nacional em 1957, quando um decreto do Presidente Juscelino Kubitschek criou a Zona Franca de Manaus. A ideia da criação de um porto livre em Manaus data da década de 1870, quando a cidade se tornou um dos principais centros da indústria gomífera da Amazônia.  

Formalmente, foi o deputado federal Francisco Pereira da Silva que, em 1951, propôs a criação do porto livre. A proposta do deputado foi aprovada e transformada em lei, mas, como é típico aqui em nosso país, a “lei não pegou”. Em 1953, o Governo do Presidente Getúlio Vargas criou a SPVEA – Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia, uma outra ideia que também não avançou. O Governo Vargas, que já vinha enfrentando uma profunda crise política, acabou abruptamente com o suicídio do Presidente em 1954. 

A criação da Zona Franca de Manaus permitiu a implantação de um espaço portuário de “armazenamento ou depósito e retirada de mercadorias de qualquer natureza, com armazéns e cais flutuantes na margem do rio Negro”, uma ideia muito próxima do conceito proposto pelo deputado Francisco Pereira da Silva em 1951. O Presidente Juscelino Kubitschek tinha um forte cunho desenvolvimentista e de integração nacional. Um dos destaques do seu Governo foi a criação do Plano de Rodovias que, entre outras obras, culminou com a construção da BR-364, rodovia que permitiu a ligação terrestre entre Cuiabá, no Estado de Mato Grosso, e os Territórios do Guaporé (atual Rondônia), e Acre, além de regiões do Sul do Estado da Amazônia.  

A Zona Franca de Manaus viria a dar um verdadeiro “salto” em importância em 1967, época dos chamados Governos Militares (1964-1985). Essa é uma época de forte nacionalismo, quando o mundo vivia um dos períodos mais tensos da chamada Guerra Fria, um conflito ideológico entre o bloco capitalista, comandado pelos Estados Unidos, e o bloco comunista, que tinha a liderança da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Aqui na América Latina, as tensões ideológicas entre esses dois blocos resultaram no estabelecimento de inúmeros regimes de exceção, comandados por juntas militares e com apoio direto ou indireto dos Estados Unidos.  

Uma ideia que se desenrolava há muitos anos e que enchia de temores os militares brasileiros era hipótese de uma Internacionalização da Amazônia, Foi justamente após a ascensão dos militares ao poder que passaremos a assistir à criação de uma série de medidas para a integração e ocupação da Amazônia brasileira, onde destacamos a construção de grandes rodovias como a Transamazônica, a Belém-Brasília e a Cuiabá-Santarém, projetos de mineração como Carajás, entre outros. Um dos slogans governamentais desse período era “Amazônia: uma terra sem homens, para homens sem-terra” .  

Foi dentro desse contexto de defesa da Amazônia contra uma eventual ocupação estrangeira que o Presidente Castello Branco criou a SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus, que oficializou e ampliou a Zona Franca. A SUFRAMA passou a conceder uma série de incentivos fiscais para as empresas que se instalassem na Zona Franca – esses incentivos se estenderiam por 30 anos. A área da Zona Franca era, inicialmente, de 10 mil m², englobando Manaus e municípios vizinhos. Posteriormente, a área de abrangência foi ampliada para a Amazônia Ocidental, englobando os Estados do Amazonas, Rondônia, Acre e Roraima.  

As indústrias eletroeletrônicas estrangeiras foram as primeiras a perceber as vantagens para a instalação de unidades na Zona Franca de Manaus, se valendo primeiro dos incentivos fiscais para a importação de produtos prontos desde suas matrizes e, depois, importando componentes para a montagem in loco. Para se ter uma ideia do sucesso da Zona Franca de Manaus, apenas em 1967, foram criadas 1.339 novas empresas na região. Eu lembro claramente de uma época no início da década de 1970, quando as pessoas de classe média e média alta viajavam até Manaus para comprar produtos eletroeletrônicos como aparelhos de som, televisores, gravadores e máquinas fotográficas com “ótimos preços”.  

A Zona Franca também criou uma verdadeira “indústria de sacoleiros” por todo o país. Muita agente viajava até Manaus para comprar esses produtos, revendendo depois com um bom lucro em outras cidades do país. Em 1976, a SUFRAMA estabeleceu uma cota máxima de produtos que poderiam ser comprados e conseguiu controlar melhor essa revenda de produtos.  

Na década de 1980, o Governo Federal implementou algumas mudanças na Zona Franca de Manaus. A primeira delas foi uma alteração no prazo de validade da área, que primeiro foi estendido até 2007 e depois para 2013. Outra mudança se aplicaria na agregação de conteúdo tecnológico nacional nos produtos. Até aquele momento, as empresas multinacionais se limitavam a importar componentes desde seus países de origem e a realizar apenas a montagem dos produtos em Manaus, se aproveitando assim dos incentivos fiscais e do baixíssimo custo da mão de obra local. Essa baixa massa de salários não ajudava a fortalecer a economia local e beneficiava apenas as grandes empresas.  

Um exemplo: no final da década de 1980, eu trabalhava numa multinacional eletroeletrônica. Essa empresa estava estudando o lançamento de uma nova linha de produtos que seria montada na fábrica de Manaus. Esses produtos usavam uma tecnologia nova há época chamada SMD – Surface Mounting Device, onde os componentes eletrônicos eram montados nas placas de circuito impresso por um sistema robótico. Engenheiros da matriz na Europa fizeram uma visita de vistoria na fábrica de Manaus e chegaram a uma conclusão – a mão de obra em Manaus era tão barata que não valia a pena importar o robô de montagem de componentes. A empresa lucraria muito mais fazendo a montagem dos componentes manualmente.  

Com as mudanças realizadas pela SUFRAMA, as empresas instaladas no Polo Industrial de Manaus se viram forçadas a fazer investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Esse conteúdo tecnológico nacional se transformou num caminho para agregar valor nacional aos produtos e melhorar os salários da mão de obra nessas empresas, que além dos simples operários da montagem, passaram a contratar engenheiros e pesquisadores de diversas áreas. Essa mudança provocaria uma elevação de patamar significativa no Parque Industrial de Manaus ao longo dos anos seguintes.  

Atualmente, o Polo Industrial de Manaus abriga cerca de 600 empresas e emprega mais de 500 mil trabalhadores diretos e indiretos. A maior parte da produção local, que vai de telefones celulares a motocicletas, é consumida no mercado brasileiro e cerca de 5% é exportada para América Latina, Estados Unidos e Europa. Em 2014, o prazo de validade da Zona Franca de Manaus foi estendido até 2073.  

Continuamos na próxima postagem.

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