FORDLÂNDIA: UMA UTOPIA AMERICANA NA FLORESTA AMAZÔNICA

Henry Ford

A saga da exploração do látex na Floresta Amazônica é repleto de histórias interessantes. Uma das mais intrigantes foi o projeto do norte-americano Henry Ford, o pai da fabricação de automóveis em massa, que imaginou a criação de toda uma infraestrutura para a produção de látex “em série”, aos mesmos moldes usados em suas linhas de produção de automóveis. Esse projeto, que entrou para a história com o nome de Fordlândia, se estendeu de 1928 a 1945.

O uso industrial da borracha cresceu exponencialmente a partir da criação do processo de vulcanização por Charles Goodyear em 1839. A importância dessa matéria-prima se consolidou nas últimas décadas do século XIX, quando nasceu a indústria automobilística. Originária das florestas equatoriais da Amazônia, a árvore produtora do látex – a seringueira (Hevea brasiliensis), teve suas sementes contrabandeadas para a Inglaterra em 1879 e, depois, suas mudas foram plantadas em territórios ingleses do Sudeste Asiático. De matéria-prima controlada pelos Senhores da Borracha brasileiros entre 1850 a 1912, o látex passou para o controle de empresários ingleses a partir de 1913.

A Ford Motor Company, gigante da manufatura de automóveis que foi criada por Henry Ford em 1903, era uma das maiores consumidoras mundiais de produtos fabricados a partir da borracha. Graças ao seu gigantesco volume de produção de veículos, a Ford conseguia controlar os preços e os volumes de produção de diversas matérias-primas como o das chapas de aço, as madeiras e os couros usado na fabricação dos bancos, capotas e revestimentos internos de seus carros. Já os preços e os volumes de produção das peças de borracha, esses estavam sob controle de empresas da Inglaterra, algo que incomodava fortemente os norte-americanos.

Avaliando o sucesso obtido pelos empresários ingleses na formação de seringais artificiais em territórios britânicos do Sudeste Asiático, Henry Ford imaginou que ele mesmo poderia repetir essa façanha, plantando seringais artificiais na própria Amazônia. Realizado profissionalmente e dono de uma das maiores fortunas de sua época, Henry Ford tinha em suas mãos todos os recursos financeiros necessários para levar a cabo seu sonho e, por outro lado, todo um complexo industrial ávido para consumir toda a borracha que conseguisse produzir – as contas da equação fechavam perfeitamente.

A partir de 1927, Ford iniciou negociações com políticos brasileiros em busca da concessão de terras para a implantação do seu mega-projeto. O Governo do Estado do Pará concedeu uma área com mais de 14 mil km² no município de Aveiro, às margens do rio Tapajós. Os termos do acordo de concessão, altamente favoráveis aos norte-americanos, isentavam a Ford Motor Company do pagamento de taxas de exportação de látex, borracha, peles, couros, petróleo, sementes, madeira e qualquer outros produtos e/ou matérias-primas produzidas em suas instalações. O projeto, batizado com o nome de Fordlândia, começou a ser implantado em 1928.

Henry Ford pensou grande quando imaginou seu empreendimento na Amazônia: sua empresa enviou dois grandes navios cargueiros abarrotados de materiais e equipamentos para montar rapidamente sua cidade “norte-americana” nas selvas brasileiras. Foram cerca de 2 mil casas para os trabalhadores, bem ao estilo das casas norte-americanas do Meio-Oeste; 6 escolas, 2 hospitais, 2 portos fluviais, 30 galpões, 2 unidades de beneficiamento de látex, entre outras instalações. Também foram construídas estações de captação e de tratamento de água, redes de distribuição de água e de captação de esgotos, usinas para geração de energia elétrica, estações de rádio e de telefonia, 70 km de estradas, entre outras obras de infraestrutura. Não menos importantes, foram plantadas 1,9 milhões de mudas de seringueira em Fordlândia e 3,2 milhões no distrito de Belterra.

Apesar dos investimentos maciços em infraestrutura industrial e na criação de uma confortável cidade, chamada pelos locais de Vila Americana, o projeto de Henry Ford se encontrava ilhado em meio a inúmeros problemas. Os solos da sua concessão eram pedregosos e de baixa fertilidade, o que resultou na formação de plantações de seringueiras de qualidade bastante questionável. Sem experiência com a cultura de uma árvore equatorial, os técnicos norte-americanos plantaram as mudas muitos próximas uma da outra, o que viria a favorecer o surgimento de pragas agrícolas, especialmente um micro-organismo do gênero Microcyclus, que se mostrou fatal ao longo do tempo.

Além desses problemas agrícolas, a Fordlândia também sofreria com problemas políticos: os militares brasileiros e uma grande parcela dos políticos nacionais não viam com bons olhos essa “presença” norte-americana na Amazônia. Ao longo dos 17 anos da operação do projeto, esses políticos e militares não se esforçaram para ajudá-lo em nada – ao contrário, fizeram tudo o que foi possível para atrapalhar os planos da Ford no Pará.

O relacionamento entre os gerentes norte-americanos e os trabalhadores brasileiros também não foi um dos melhores. Acostumados a uma condição de trabalho autônomo e indisciplinado, os trabalhadores não aceitavam a rígida disciplina imposta pelos “gringos”, que ia da obrigatoriedade do uso de crachás de identificação e cumprimento de horários à realização de tarefas padronizadas, que seguiam rigidamente os conceitos de produção em série usados pelas fábricas da Ford. Outro ponto de atrito frequente era a comida servida nos refeitórios, que seguia a dieta usual dos norte-americanos, com muito hambúrguer e batatas fritas. Em 1930, numa das muitas revoltas dos trabalhadores contra o establishment da Ford, o gerente local foi obrigado a requisitar um avião da empresa  Pan-Am, com o qual voltou com toda a sua família para os Estados Unidos para nunca mais voltar.

Doenças tropicais como a malária e a febre amarela também causaram seus estragos na Fordlândia. Os norte-americanos tiveram o cuidado de construir dois hospitais dentro do projeto, incluindo neles um centro de investigação de doenças tropicais – a Floresta Amazônica, porém, foi muito mais forte. Além de atingir centenas de trabalhadores brasileiros, essas doenças também vitimizaram muitos dos chefes e gerentes estrangeiros. Num dos casos mais trágicos, há o relato de um gerente norte-americano da Ford que perdeu, num curto espaço de tempo, a mulher e os três filhos, vítimas dessas terríveis doenças. O simples medo de contrair quaisquer uma dessas doenças, criava uma grande rotatividade entre os profissionais estrangeiros.

Com o início da II Guerra Mundial, tropas japonesas invadiram os territórios ingleses do Sudeste Asiático e inviabilizaram o fornecimento do látex para grande parte do mercado mundial. Mesmo com esse evento e com a “ressuscitação” da produção do látex na Amazônia com os chamados Soldados da Borracha, a Fordlândia não conseguia atingir as sua metas de produção. O sonho de Henry Ford seguia rumo ao inevitável naufrágio.

Em 1945, dois anos antes da morte de Henry Ford, seu neto Henry Ford II assumiu a presidência da Ford Motor Company e, entre seus primeiros atos, extinguiu a Fordlândia. Em um acordo firmado com o Governo brasileiro, a Ford conseguiu receber uma indenização de US$ 250 mil pelas terras, infraestruturas e equipamentos instalados no projeto. Segundo informações da empresa, a Fordlândia provocou um prejuízo total para a empresa de US$ 25 milhões, em valores da época.

A criação da borracha sintética, feita a partir de derivados do petróleo ainda durante o desenrolar da Grande Guerra Mundial, enterrou de uma vez por todas qualquer possibilidade de outro grupo empresarial assumir o projeto. A Fordlândia hoje é uma cidade fantasma, repleta de esqueletos de galpões e fábricas, além de máquinas e equipamentos enferrujados, onde muitos sonhos se transformaram em verdadeiros pesadelos.

A grande Floresta Amazônica mostrou que era muito mais forte do poderiam imaginar aqueles pobres estrangeiros.

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

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