
Ao longo da costa dos Estados norte-americanos do Texas, Luisiana e Mississipi, na região do Mar do Caribe, existe uma faixa de águas que apresentam níveis extremamente baixos de oxigênio, onde peixes e outros organismos marinhos não conseguem sobreviver. Essa região é conhecida como a Zona Morta do Golfo do México.
De acordo com estimativas feitas pela NOAA – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos, na sigla em inglês, essa Zona Morta ocupa uma área de mais de 16 mil km2. A NOAA monitora o problema desde de 1985 – em 2017, essa área superou a marca dos 22,7 mil km2.
De acordo com os cientistas, existem Zonas Mortas em áreas oceânicas de todo o mundo – a do Golfo do México é a segunda maior em área. Os baixos níveis de oxigênio dissolvido nesses locais decorrem dos altos níveis de resíduos químicos – especialmente os resíduos de fertilizantes usados na agricultura, que são carreados para o oceano pelas águas do rio Mississipi.
Fertilizantes são fundamentais para a agricultura de alta produtividade moderna. Compostos químicos a base de NPK – nitrogênio, fósforo e potássio, entre outros, fornecem os nutrientes fundamentais para o desenvolvimento das culturas. Entretanto, parte desses fertilizantes acaba sendo arrastada para o curso de riachos e rios pelas águas das chuvas.
Na água, esses nutrientes estimulam o crescimento de algas e microalgas que, como qualquer planta, consomem oxigênio – nesse caso, falamos do oxigênio dissolvido na alga. Bactérias que se alimentam dos restos dessas plantas também consomem o oxigênio, deixando peixes, moluscos, vermes e outras criaturas aquáticas com baixos níveis de oxigênio para sobreviver.
Outra fonte importante de nutrientes nas águas são os esgotos, principalmente os esgotos domésticos. A matéria orgânica presente nos esgotos – principalmente as fezes e os restos de alimento, também atuam como nutrientes e contribuem para a proliferação dessas plantas aquáticas e a consequente hipóxia, que é o baixo nível de oxigênio dissolvido nas águas.
Quando olhamos num mapa a localização da Zona Morta do Golfo do México (vide a imagem fornecida pela NOAA), percebemos claramente a sua localização ao redor do delta do rio Mississipi. Junto com os rios Missouri e Ohio. O Mississipi forma a maior bacia hidrográfica da América do Norte e a terceira maior do mundo, que só fica atrás da bacia Amazônica e a do rio Congo. Ocupando uma área de mais de 3,2 milhões de km2, essa bacia hidrográfica incorpora, total ou parcialmente, 31 Estados norte-americanos e 2 províncias canadenses.
A bacia hidrográfica dos rios Mississipi/Missouri e Ohio abriga algumas das mais importantes regiões agrícolas do mundo. Um exemplo é o chamado Corn Belt ou o Cinturão do Milhos dos Estados Unidos. Essa região é formada por 12 Estados do Centro, Norte e Nordeste dos Estados Unidos, respondendo por mais de 40% da produção mundial de milho.
Além da agricultura intensiva, onde milhões de toneladas de fertilizantes são utilizadas a cada ano, as águas dessa bacia hidrográfica também recebem os efluentes de esgotos de milhares de cidades. Os Estados Unidos possuem uma excelente infraestrutura de saneamento básico em suas cidades, onde praticamente 100% dos esgotos são coletados e tratados.
Dependendo do tipo de tecnologia utilizada nas ETEs – Estações de Tratamento de Esgotos, o nível do tratamento pode deixar uma pequena parcela dos efluentes – algo entre 2 e 5%, com resíduos. A isso se juntam ligações clandestinas de esgotos, resíduos de fazendas de criação de animais e até mesmo eflúvios (chamado popularmente de chorume) de aterros sanitários.
Considerando-se apenas o tamanho da população dos Estados Unidos – mais de 330 milhões de habitantes, e da enorme quantidade de propriedades rurais no país, esse “pequeno” volume de resíduos sem tratamento é bastante significativo. O caudal médio no delta do rio Mississipi, que fica no Sul do Estado da Luisiana, é de 12.700 m3/s, volume de água que transporta quantidades fabulosas de nutrientes.
Segundo informações da NOAA, os maiores problemas são causados pelos nitratos e pelo fósforo. Além do consumo de oxigênio pelas algas e micro algas vivas, a decomposição das plantas mortas também gera um grande consumo de oxigênio – as bactérias que decompõem as plantas também precisam do gás para “respirar”. Com baixos níveis de oxigênio dissolvido nas águas, a região se transforma em um verdadeiro deserto biológico.
A grande preocupação das autoridades norte-americanas é o crescimento dessa Zona Morta – nos últimos 5 anos a área tem ficado com um tamanho 2,8 vezes maior que a meta estabelecida, onde a área máxima ficaria dentro de uma faixa de águas com 5 mil km2.
Durante a maior parte do ano, essa Zona Morta se mantém inalterada. As águas doces do rio Mississipi demoram a se misturar com as águas salgadas do Mar do Caribe. Esse fenômeno é bastante conhecido e se deve à diferença de temperatura e composição química das águas. Um exemplo é o famoso Encontro das Águas dos rios Amazonas e Negro. No outono, quando a região do Mar do Caribe é tomada por fortes ventos, a agitação das águas ajuda a reduzir o tamanho da área com hipóxia.
Esse “fenômeno”, conforme já comentamos, não é exclusivo da região do delta do rio Mississipi. Ele se repete em regiões de foz de grandes rios em todo o mundo. Exemplos são as áreas ao redor da foz de rios como o Tamisa, o Reno e o Danúbio, na Europa; o delta do rio Nilo, no Egito, e do rio Volga na Rússia. Também entram nessa lista outros importantes rios da Ásia como o Indo, o Ganges, o Mekong e o Yangtzé.
Aqui na América do Sul temos o exemplo do rio da Prata, na divisa entre a Argentina e o Uruguai. Apesar de ainda estar muito longe do tamanho do problema no Golfo do México, o volume de nutrientes que tem chegado nesse rio vem aumentando progressivamente ao longo das últimas décadas.
O rio da Prata é o trecho final da segunda maior bacia hidrográfica da América do Sul. Entre os seus grandes rios formadores temos os rios Paraná, Paraguai, Negro, Uruguai, Pilcomayo, Bermejo e Salado, entre muitos outros. Essa bacia hidrográfica ocupa uma área superior a 4,3 milhões de km2 no Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai.
Aqui no Brasil, somente para exemplificar, essa bacia hidrográfica está inserida em uma grande extensão do Cerrado, bioma onde as atividades agropecuárias mais cresceram no país nas últimas décadas. Outro bioma importante é a Pampa Argentina e Uruguaia, e sua extensão em território brasileiro – os Pampas Sulinos.
Além dos volumes crescentes de resíduos de fertilizantes agrícolas, essas águas recebem grandes quantidades de resíduos orgânicos presentes nos esgotos domésticos de uma infinidade de cidades (aqui na América do Sul, ao contrário dos Estados Unidos, as cidades não tem maiores preocupações com a coleta e tratamento de esgotos), além de imensos volumes de resíduos gerados por fazendas de criação de animais.
Dentro de muito pouco tempo, desgraçadamente, o rio da Prata poderá se transformar em um sério “concorrente” ao Mar do Caribe no quesito Zona Morta…
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