A GRADUAL REDUÇÃO DO NÍVEL DO MAR CÁSPIO 

A destruição do Mar de Aral na Ásia Central, que detalhamos na postagem anterior, é considerada uma das maiores tragédias ambientais do século XX. Ocupando uma área de mais de 65 mil km², o Mar de Aral era considerado o quarto maior lago do mundo. Após décadas de uso abusivo das águas dos seus rios formadores por projetos de agricultura irrigada, o grande lago acabou reduzido a 10% de sua área original. 

Localizado a cerca de 800 km do Mar de Aral, o Mar Cáspio parece estar seguindo por um caminho muito parecido. Ocupando uma área de mais de 370 mil km², um pouco maior que o território do Estado do Mato Grosso do Sul, o Mar Cáspio vem assistindo uma redução gradual do seu nível desde a década de 1970. Naqueles tempos, o lago vinha perdendo entre 1 e 2 cm a cada ano, um valor que era considerado razoável para o seu tamanho.  

Pesquisas recentes realizadas por cientistas holandeses e alemães constataram que esse nível de perda sofreu uma forte aceleração nas últimas décadas, atingindo um nível de dessecação da ordem de 6 ou 7 cm a cada ano. A má notícia é que esse ritmo de redução do nível do lago deverá se acelerar nas próximas décadas. De acordo com modelos matemáticos criados pelos pesquisadores, o Mar Cáspio poderá perder até 1/3 do seu tamanho até o final deste século

Localizado em uma grande depressão na Ásia Central, o Mar Cáspio é o trecho final de uma grande bacia hidrográfica endorreica, ou seja, cujas águas não seguem para o mar. Aliás, o nível médio do lago fica a cerca de 27 metros abaixo do nível do mar. Diversos rios da Ásia despejam suas águas no lago, repondo os grandes volumes perdidos para a evaporação. 

O Mar Cáspio se estende no sentido Norte-Sul, com aproximadamente 1.200 km de comprimento e cerca de 450 km de largura. Sua profundidade média é de 180 metros, atingindo 1.025 metros no ponto mais profundo. A linha de costa do lago tem quase 7 mil km, abrangendo trechos da Rússia, Azerbaijão, Turcomenistão, Cazaquistão e Irã. 

Cerca de 90% de todo o aporte de água que chega ao Mar Cáspio vem do rio Volga. Com quase 3.700 km de extensão, o Volga é o maior rio da Europa, o dono da maior bacia hidrográfica e também o curso com o maior volume de água do continente. Grande parte da população russa vive em áreas da bacia hidrográfica do rio Volga, que também concentra a maior parte da produção agropecuária e industrial do país. 

Desde os tempos da formação da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o rio Volga vem passando por obras de todos os tipos para seu aproveitamento como via de navegação e também como fornecedora de água para projetos industriais e de agricultura irrigada. Cerca de 3.200 km do rio são navegáveis e existem cerca de 900 portos nas suas margens.  

Em meados do século XX, o Governo Soviético construiu um canal de interligação entre os rios Volga e Don, possibilitando a integração hidroviária dos dois rios e também a navegação entre o Mar Cáspio e o Mar Negro. Os ganhos econômicos que foram obtidos a partir dessa super exploração do rio Volga se refletiram em gigantescos problemas ambientais no Mar Cáspio. 

Além da gravíssima poluição de suas águas por esgotos domésticos e industriais, o rio Volga também recebe grandes volumes de resíduos de agrotóxicos e de fertilizantes, poluição que é despejada diretamente no Mar Cáspio. A bacia hidrográfica do rio Volga concentra a maior parte da produção agrícola da atual Rússia. Essa grande exploração dos recursos hídricos também se reflete em uma grande redução dos caudais que chegam ao Mar Cáspio, o que explica em parte a gradual redução do nível do lago. 

Esse, entretanto, não é o maior problema ambiental do Mar Cáspio – de acordo com os estudos, as mudanças climáticas e o aumento das temperaturas do planeta são, de longe, os maiores riscos à sobrevivência desse grande lago. O aumento das temperaturas se reflete diretamente no aumento da evaporação e das perdas de água no Mar Cáspio. 

De acordo com os pesquisadores, essas mudanças climáticas poderão aumentar o volume de precipitações na bacia hidrográfica do rio Volga, o que, a princípio, resultará num aumento dos volumes de águas que chegam até o Mar Cáspio. O aumento da evaporação em consequência de temperaturas mais altas em toda a região onde se encontra o lago, entretanto, provocarão perdas por evaporação cada vez maiores no volume do corpo d`água. 

Os modelos matemáticos elaborados pelos pesquisadores estimam uma redução de 9 metros no nível do Mar Cáspio até o final deste século no caso das emissões de gases de Efeito Estufa se manterem estáveis. Num segundo cenário, onde se considerou um aumento das emissões, a redução do nível do Mar Cáspio poderá atingir a marca de 18 metros. No primeiro caso, a redução da superfície do lago seria de 23%, chegando a 34% no segundo cenário

Essas projeções mostram a importância do cumprimento das metas de redução das emissões dos gases de Efeito Estufa pactuadas no Acordo de Paris, em 2015, e que foram intensamente debatidas agora na COP26. O objetivo dessas medidas será o de limitar o aumento das temperaturas no planeta a, no máximo, 1,5° C até o final desse século. Observe pelo exemplo do Mar Cáspio que isso não vai resolver os nossos problemas climáticos, mas, como dizemos aqui em casa “é menos pior”. 

Países sem fachada oceânica como o Azerbaijão, Cazaquistão e Turcomenistão, tem maiores dificuldades para sua inserção no comércio internacional, o que se reflete em um desenvolvimento econômico mais lento. A ligação hidroviária que foi criada pelo canal de interligação entre os rios Volga e Don rompeu esse isolamento e passou a permitir o tráfego de embarcações entre o Mar Cáspio e o Mar Negro, e dali para todos os oceanos do mundo. A perda dessa ligação é apenas uma das ameaças para os países da região. 

As águas salgadas do Mar Cáspio (tem 1/3 da salinidade das águas dos oceanos) guardam uma outra riqueza fundamental para os países da região e que também poderia estar ameaçada – a pesca. Existem dezenas de espécies de peixes de alto valor comercial nas águas desse lago, porém, nenhuma consegue rivalizar com o esturjão, uma família com cerca de 25 espécies de animais, onde se incluem os chamados esturjões verdadeiros, além de várias espécies aparentadas. 

A ovas desses peixes, o caviar, é tão valiosa quanto o ouro. O caviar dourado iraniano, que é produzido pelo esturjão-beluga (Huso huso), é um dos mais valorizados do mundo e pode custar o fabuloso preço de US$ 25 mil por kg. Essa espécie de esturjão é considerada o maior peixe de água doce do mundo, com exemplares capturados apresentando um peso de 2 toneladas. A super exploração das espécies pela pesca e a poluição já estão ameaçando a sobrevivência desses animais, um problema que poderá ficar ainda mais crítico com a redução do tamanho do Mar Cáspio.  

Quem sabe, sob a ameaça de perder uma de suas iguarias preferidas, alguns dos poderosos líderes políticos, empresariais e industrias desse nosso mundo não se esforcem um pouco mais para ajudar na salvação do maravilhoso Mar Cáspio. 

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