O IMINENTE COLAPSO DO SISTEMA DE ESGOTOS DE LONDRES

Obras na rede de esgotos de Londres

Nas últimas semanas publicamos uma longa série de postagens falando de problemas ambientais em diversos países mundo afora. Já apareceram por aqui problemas em países como Madagascar, Bangladesh, Gana, República Democrática do Congo, Nigéria, Venezuela, Bolívia e Índia. Esses países, a exceção da Índia, são chamados de países em desenvolvimento ou, para muita gente ainda, nações do “terceiro mundo”. A Índia melhorou bastante nas últimas décadas e já é reconhecida como uma nação emergente. 

Problemas ambientais, é claro, não acontecem apenas em países mais pobres – nações ricas também tem lá os seus “pecados” ambientais. Vamos falar hoje do verdadeiro colapso que está se desenrolando nos esgotos de Londres, um problema que aliás já está fazendo parte da rotina de grandes cidades dos Estados Unidos, do Canadá e de outras nações ricas. 

Construído a partir de meados do século XIX, o sistema de esgotos da cidade de Londres mudou radicalmente a “cara” da grande metrópole inglesa, que àquela altura convivia com mais de 200 mil fossas sépticas vazando por todos os lados e com dejetos correndo a céu aberto. O rio Tâmisa, um verdadeiro símbolo da Londres contemporânea, era naquela época uma imensa vala de efluentes de todos os tipos, esgotos domésticos e industriais, além de local de descarte de lixo, muito lixo. 

A gravíssima deterioração do rio Tâmisa teve início com a chamada Revolução Industrial em meados do século XVIII. O aperfeiçoamento da máquina a vapor pelo matemático e engenheiro escocês James Watt deu um verdadeiro impulso aos sistemas de produção da época e a Inglaterra passou a fabricar produtos de todos os tipos em série, numa escala que, guardadas as devidas proporções, lembra a China atual. A Inglaterra se tornou uma grande potência econômica e militar, pagando um alto preço ambiental e social para isso, com altíssimos níveis de poluição do ar e da água, montanhas de resíduos de todos os tipos, além de uma grande massa de trabalhadores explorados até os limites da dignidade.  

Eu tenho aqui entre meus livros uma publicação – Nos confins do mundo, que conta o relacionamento pessoal um tanto tumultuado entre o grande naturalista Charles Darwin e Robert Fitzroy, capitão do famoso navio Beagle em sua viagem de volta ao mundo entre 1828 e 1831. Entre interessantes descrições sobre a épica viagem, o autor do livro – Harry Thompson, faz minuciosas descrições sobre a caótica situação ambiental da velha Londres. Eram ruas cobertas por uma grossa camada de excrementos de cavalos, pilhas de ossos apodrecendo ao lado dos muitos matadouros de animais que existiam na cidade, fuligem de carvão por todos os lados, superpopulação, entre outros problemas de uma metrópole que superava a marca de 1 milhão de habitantes. 

Uma das maiores vítimas de toda a poluição daquele período foi o rio Tâmisa, que corta a cidade de Londres no sentido Leste-Oeste, e que recebia grandes cargas de todos os tipos de efluentes, que iam dos esgotos domésticos até os resíduos de produtos químicos de inúmeras fábricas. Um marco da poluição do rio se deu no verão do ano de 1858, quando algumas sessões do Parlamento Britânico, que fica numa das margens do Tâmisa, tiveram de ser suspensas – ninguém aguentava o mal cheiro que as águas exalavam.  

Esse período entrou para a história com o nome nada glorioso de “O Grande Fedor”. Depois de dois meses de náuseas e muito incômodo, os Parlamentares aprovaram um projeto que já estava pronto há cinco anos – o início das obras do sistema de esgotos de Londres, trabalho que foi delegado ao engenheiro Joseph Bazalgette (o distinto cavalheiro que aparece em destaque vistoriando as obras na foto que ilustra essa postagem). Lentamente, a história do rio Tâmisa começaria a mudar.  

A partir da década de 1860, com o início da operação dos sistemas de esgotos, a situação do rio Tâmisa começou a melhorar, mas a solução não foi definitiva. O sistema de esgotos que foi implantado não tratava os efluentes – as tubulações da rede captavam os esgotos e simplesmente os redirecionavam para despejo no rio Tâmisa abaixo da cidade. Em 1950, o decadente rio Tâmisa foi considerado biologicamente morto. Foi a partir dessa época que começaram os investimentos para a construção de estações de tratamento de esgotos em toda a calha do rio. 

Em meados da década de 1970, depois de cerca de 25 anos de investimentos no tratamento dos esgotos das cidades, um salmão nadando nas águas do rio foi visto por moradores. O salmão é uma espécie de peixe que passa a maior parte da sua vida nas águas dos oceanos, mas que há época da reprodução entra nos rios e sobe a correnteza em busca de águas calmas para acasalar e desovar. A espécie é bastante exigente no quesito qualidade das águas – se esse salmão estava nadando no rio Tâmisa, era um sinal de que as coisas estavam indo muito bem, obrigado. 

Recentemente, o sistema de esgotos de Londres voltou a ocupar espaço nos noticiários – em setembro de 2017, uma gigantesca massa formada por gordura, fraldas descartáveis, lenços umedecidos e óleo congelado, entre muitos outros resíduos, provocou um colossal entupimento em um trecho do sistema de esgotos. De acordo com cálculos feitos pelos técnicos da concessionária de águas e esgotos de Londres, o aglomerado de sujeira pesava cerca de 130 toneladas e se estendia por cerca de 260 metros de tubulações. Equipes de manutenção gastaram três semanas para desobstruir as tubulações e remover os pedaços do que foi chamado de “o monstro dos esgotos” pelos tabloides sensacionalistas da Inglaterra. 

Longe de ser um caso isolado, os entupimentos nas redes de esgotos de Londres e de outras grandes cidades inglesas provocados por grandes blocos de gordura misturada com resíduos estão se tornando perigosamente frequentes. É claro que nem todos têm as dimensões do “monstro dos esgotos” de 2017. Esse tipo de massa gordurosa ganhou o nome de “fatberg”, um neologismo inspirado na palavra iceberg, os grandes blocos de gelo que flutuam aleatoriamente pelos mares. A palavra, inclusive, passou a fazer parte do Dicionário Oxford, um dos mais importantes da língua inglesa, em 2015. 

De acordo com informações das diversas concessionárias de águas e esgotos da Inglaterra, são registradas perto de 25 mil ocorrências graves com entupimento das redes de esgotos a cada ano – cerca de metade dessas ocorrências envolvem os chamados “fatbergs”. Entre as explicações dadas pelos especialistas para essa grande frequência de entupimentos das tubulações está a mudança de hábitos alimentares das populações, onde a participação das frituras não para de crescer. 

Lanchonetes do tipo fast food, restaurantes e pubs, entre outros estabelecimentos, preparam e servem uma infinidade de pratos fritos, que vão desde as tradicionais batatas fritas com peixe até hamburgueres e pratos orientais, onde grandes volumes de óleo vegetal são utilizados. Para evitar os custos de descarte do óleo usado, que de acordo com as leis ambientais locais precisa ser recolhido e reprocessado por empresas especializadas, muitos donos de restaurante acabam lançando esse óleo na rede de esgotos. Em contato com a água fria, esse óleo rapidamente se transforma numa massa sólida de gordura

A esse hábito nada saudável se juntam outros da vida moderna – o descarte de todo o tipo de resíduos nas privadas. São preservativos, bitucas ou guimbas de cigarro, lenços umedecidos, absorventes femininos, papel higiênico, fraldas descartáveis, entre muitos outros. Esses resíduos se misturam com os grandes blocos de gordura formando verdadeiros “tampões” no interior das centenárias galerias de esgotos. A intensidade e a frequência dos entupimentos das redes de esgotos estão assustando e preocupando os fleumáticos ingleses. 

Os londrinos não estão sozinhos nessa situação – o mesmo problema tem se repetido principalmente em cidades dos Estados Unidos, do Canadá, da Europa e da Indonésia, entre muitos outros países. Aqui no Brasil, onde as redes de esgotos são bem mais modestas em termos de dimensionamento (diâmetro de tubulações) que as inglesas, a frequência é menor, mas esse tipo de problema também vem ocorrendo. 

Como se vê, já vão longe os tempos em que os sistemas de esgotos eram a melhor solução ambiental para o despejo de águas servidas e esgotos. Ou se mudam os hábitos dos habitantes das cidades ou será necessário se reinventar as redes coletoras de esgotos. 

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