
Num momento em que o país está correndo o risco de enfrentar graves problemas na geração de energia elétrica por causa dos baixos níveis de muitos reservatórios, é importante um olhar crítico para avaliarmos nossos erros e acertos nessa área. Na última postagem falamos da Usina Hidrelétrica de Jurumirim, um péssimo exemplo de projeto.
Jurumirim fica no rio Paranapanema no Estado de São Paulo e foi concluída no início da década de 1960. O empreendimento criou um reservatório com uma área total alagada de 450 km² com a promessa de gerar 98 MW – o máximo de energia que a hidrelétrica consegue gerar, entretanto, é 40% desse valor.
Em 2005, no mesmo rio Paranapanema, foi inaugurada uma outra unidade geradora, a Usina Hidrelétrica de Ourinhos. Alagando uma área com apenas um centésimo de Jurumirim (cerca de 4,5 km²), essa hidrelétrica consegue gerar a mesma quantidade de energia elétrica, dando um exemplo de eficiência e respeito ao meio ambiente.
Jurumirim está longe de ser a usina hidrelétrica menos eficiente do Brasil. A grande campeã nessa categoria é a Usina Hidrelétrica de Balbina, instalada no município de Presidente Figueiredo e distante cerca de 200 km da cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas. O empreendimento fica no rio Uatumã, um dos afluentes do rio Amazonas, e foi inaugurado em 1989. A barragem da Usina, com 51 metros de altura, provocou o alagamento de uma área total de 2.360 km², quase duas vezes o tamanho do município do Rio de Janeiro.
Apesar toda essa área inundada, o volume de produção médio de energia elétrica no empreendimento se situa na casa dos 112 MW – em períodos de forte estiagem, a produção elétrica chega a cair para 50 MW, se aproximando muito da produção de Jurumirim. De acordo com especialistas do setor, que fizeram uma correlação entre área alagada e geração de energia elétrica, Balbina é a pior usina hidrelétrica do Brasil dentro de uma lista com 116 empreendimentos analisados.
Ao contrário de extensas áreas das Regiões Centro-Oeste e Sudeste, que estão sofrendo com reservatórios de usinas hidrelétricas com baixos níveis devido às fracas chuvas do último verão, grande parte da região Norte do Brasil está enfrentando chuvas fortíssimas nesse momento. A cidade de Manaus, citando um exemplo, está enfrentando uma forte cheia do rio Negro, que está no nível de 29,89 metros (dado do dia 24 de maio), muito próximo do recorde histórico.
Outro exemplo das boas chuvas que caem na região Norte é a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, localizada no Estado do Pará. De acordo com dados do ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico do dia 24 de maio, o nível do reservatório está com 99,31% de sua capacidade máxima. O reservatório de Balbina também vai muito bem e está com 84,34% de sua capacidade máxima.
Do ponto de vista técnico, a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí foi um grande sucesso. A hidrelétrica formou um lago com uma superfície total de 2.850 km², porém, o potencial de produção da usina é da ordem de 8,4 GW, o que coloca Tucuruí na seleta lista das mais importantes geradoras de energia elétrica do Brasil. Infelizmente, todo esse sucesso se deu com grandes impactos ambientais e, principalmente, sociais. Siga esse link para maiores detalhes.
O polêmico e ineficiente empreendimento de Balbina foi concebido durante o período dos Governos Militares (1964-1985), uma época em que não se tinha quase nenhum espaço para contestar decisões governamentais das autoridades “estreladas” (entenda-se como Generais) e não havia ainda a previsão legal de estudos sobre os impactos ao meio ambiente, que só surgiu em 1986 com a publicação da Resolução CONAMA 001. A Hidrelétrica de Balbina tinha como principal objetivo fornecer metade da energia elétrica consumida na cidade de Manaus, onde se localizam os importantes Polo Industrial e a Zona Franca, algo que não foi alcançado.
Pesquisadores da UFAM – Universidade Federal do Amazonas, e do INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, chegaram a alertar as autoridades do setor elétrico há época, dentro do limite do possível, sobre o erro que seria a construção de Balbina. Isso aconteceu no momento em que a Hidrelétrica ainda estava na fase de projeto e os estudos poderiam ter sido paralisados. As “otoridades” preferiram não dar ouvidos aos especialistas da Região Amazônica e o desastre social e ambiental acabou consumado, criando o que muitos consideram “um dos maiores crimes ambientais que a engenharia já cometeu neste país”.
Apesar de gerar uma quantidade “irrisória” de energia elétrica, o gigantesco lago de Balbina é um campeão mundial quando se trata da produção e emissão de gases de efeito estufa como o metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2). Como aconteceu em outros empreendimentos hidrelétricos brasileiros, grande parte da floresta que existia nas áreas que foram alagadas pelo reservatório não foram suprimidas antes do fechamento das comportas da represa (vide foto).
Quando foi encoberta pelas águas, essa vegetação começou a apodrecer e a emitir os gases. Nos momentos de seca, quando as águas baixam, essas emissões são ainda maiores. Para cada MW de energia elétrica produzida na Usina Hidrelétrica de Balbina, há uma emissão de 3 toneladas de gases de efeito estufa – numa usina termelétrica convencional essas emissões são 10 vezes menores e se situam na casa de 0,3 tonelada para cada MW produzido. Falando com muita ironia: do ponto de vista ambiental, é mais interessante demolir essa usina hidrelétrica e construir no seu lugar uma termelétrica alimentada a carvão mineral.
Outro aspecto altamente negativo criado pela construção de Balbina foi a remoção, muitas vezes a força, dos moradores ribeirinhos. Muito pior – sem conseguir apresentar documentos de posse das terras, a maioria dos desalojados não recebeu qualquer indenização. A abertura de muitos trabalhos braçais durante a fase de obras de Balbina acabou empregando muitos desses desalojados, amenizando momentaneamente a situação. Porém, conforme o grau de complexidade dos trabalhos foi crescendo, as oportunidades de trabalho para essas pessoas foi diminuindo.
Depois da conclusão do empreendimento, um grande número de famílias desalojadas ocupou uma vila de casas construídas originalmente para receber os trabalhadores das obras. A construtora responsável conseguiu, com aval da Justiça, expulsar uma grande parte dos invasores, alegando que precisava desmontar as casas, que seriam enviadas para um novo canteiro de obras no Estado do Pará.
Cerca de 250 famílias conseguiram continuar vivendo nessa vila, que alguns anos mais tarde passou a receber a energia elétrica gerada em Balbina. Aqui há uma grande ironia da história – a tarifa cobrada por essa energia elétrica era, simplesmente, a maior tarifa praticada por uma empresa de distribuição de energia no Brasil.
Os impactos ao meio ambiente também foram fortíssimos, o que foi comprovado através de um recente estudo sobre a biodiversidade existente nas 37 ilhas formadas no lago da Hidrelétrica, que foi comparada com 3 áreas florestais próximas. Foi constatado que a maioria das populações de grandes mamíferos, aves e tartarugas desapareceu das terras dessas ilhas – apenas 0,7% do território das ilhas ainda conservava uma comunidade diversificada de espécies.
O isolamento de espécies animais em ilhas, conforme os ensinamentos da Biologia da Conservação, é um caminho praticamente sem volta para a extinção de espécies. Estoques limitados de alimentos, falta de diversidade genética e baixos índices de natalidade, estão entre os principais problemas. Os territórios dessas ilhas também ficaram susceptíveis a vendavais, tempestades e incêndios.
Em resumo – a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina foi um dos grandes erros do nosso país na área da geração da energia elétrica, criando imensos impactos ambientais e sociais sobre uma extensa região da Floresta Amazônica, com pouquíssimos benefícios em troca. Não é à toa que muitos especialistas pregam a desativação da Usina e demolição completa da sua barragem.
Apesar de parecer absurda num primeiro momento, essa ideia traria excelentes benefícios ambientais para toda a extensa região hoje encoberta pelo lago da Hidrelétrica, área que em poucos anos voltaria ser ocupada pela Floresta Amazônica. Um bonus extra: esse “esvaziamento” da represa também liberaria terras dos índios da etnia Waimiri Atroari, que se autodenominam Kinja, que foram alagadas com a construção de Balbina.
Ecologistas “de carteirinha” da Zona Sul do Rio de Janeiro e dos Jardins em São Paulo vibrariam com essa maravilhosa notícia. Ao mesmo tempo, o Governo brasileiro mostraria ao mundo que está realmente interessado na proteção da Floresta Amazônica e que está tomando medidas praticas nesse sentido. E o que perderíamos com isso? Meros 112 MW, um volume de energia que uma PCH – Pequena Central Hidrelétrica, bem projetada e bem resolvida ambientalmente compensaria.
Até arrisco dizer que muitos estrangeiros realmente interessados na preservação da Amazônia até pagariam os custos de desativação de Balbina e de construção dessa nova PCH.
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