O Brasil está entre os cinco países do mundo com a maior disponibilidade de água doce em seu território. Nossa grande abundância de rios resulta também em um dos maiores potenciais para geração hidrelétrica do mundo, estimado em cerca de 260 GW. A gigantesca Bacia Amazônica, é claro, representa sozinha cerca de 40% deste potencial. A Bacia Hidrográfica do rio Paraná, que tratamos longamente numa série de postagens, vem logo a seguir, respondendo por cerca de 23% deste potencial. As bacias dos rios Tocantins e São Francisco vem na sequência, respondendo, respectivamente, por 10,6% e 10%. Nas próximas postagens, vamos falar um pouco do rio São Francisco e da sua bacia hidrográfica, a maior que ocorre totalmente em território brasileiro.
O rio São Francisco nasce, oficialmente, no município de Medeiros, na Serra da Canastra, em Minas Gerais. Outras fontes afirmam que a nascente do rio fica em São Roque de Minas – o ponto exato da nascente de um rio é, em grande parte dos casos, uma convenção geográfica e gera todo o tipo de discussões. Em regiões de serra, especialmente nos domínios do Cerrado, existem inúmeros vertedouros de água ou nascentes nas encostas, que vão se juntando e formando diversos rios importantes do Brasil. Aliás, das 12 grandes bacias hidrográficas brasileiras, 8 tem rios com nascentes nos domínios do Bioma Cerrado, chamado por muitos de “berço das águas do Brasil”.
A partir das encostas da Serra da Canastra, o rio São Francisco vai recebendo contribuições de inúmeros pequenos cursos de água e, conforme vai ganhando corpo e volume, vira para o Norte, na direção do Estado da Bahia. Apesar de ter apenas 37% da sua bacia hidrográfica em terras mineiras, o Velho Chico recebe 75% de todas as suas águas de rios tributários do Estado de Minas Gerais. Da Serra da Canastra até a sua foz no Oceano Atlântico, o rio São Francisco percorrerá 2.830 km e receberá contribuições de um total de 168 afluentes – 90 na margem direita e 78 na margem esquerda. Entre esses afluentes, destacam-se alguns rios importantes como o Rio das Velhas, Abaeté, Paracatu, Jequitaí, Rio Verde Grande, Carinhanha, Pajeú, Salitre, Corrente, Pará e Urucuia. A bacia hidrográfica do rio São Francisco ocupa uma área total de 641 mil km².
As águas da bacia hidrográfica do rio São Francisco servem 521 municípios em 6 unidades da Federação: Goiás, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, além do Distrito Federal. Após a conclusão de todas as obras do Sistema de Transposição, as águas do rio São Francisco, chegarão também aos sofridos sertões do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Apesar de não ser o maior rio ou a maior bacia hidrográfica brasileira, posto ocupado com louvor pela bacia Amazônica, o São Francisco tem a mais importante pelo “conjunto da obra”. Não é à toa que ele recebe o título de “rio da integração nacional”.
Os indígenas chamavam o grande rio de Opará, palavra que significa, literalmente, “rio-mar”. Essa grandiosidade do rio foi rapidamente percebida pelos primeiros exploradores europeus comandados por Américo Vespúcio e André Gonçalves, que avistaram sua foz em 4 de outubro de 1501. Os incrédulos navegadores notaram que vestígios de água doce podiam ser encontrados a cerca de 4 km da costa, tamanha a força dos caudais despejados no Oceano Atlântico. O rio foi batizado em homenagem a São Francisco de Assis, santo padroeiro do dia da sua descoberta.
O papel do rio São Francisco como uma via de integração nacional teve seu início com o processo de interiorização de populações e das grandes boiadas, que eu costumo chamar de “diáspora bovina”. Nos primeiros dois séculos de nossa história, a economia da então Colônia de Portugal estava baseada nas plantações de cana e na produção do valioso açúcar, um produto altamente valorizado nos mercados da Europa. Uma grande faixa litorânea da região Nordeste do país, que ia da Bahia até o Rio Grande do Norte, concentrava a maior parte da produção e estava coberta com enormes canaviais e grandes infraestruturas dedicadas ao processamento das canas e ao refino do açúcar.
A criação de bois nessas regiões passou a resultar em sérios conflitos com os grandes senhores das casas grandes. Os pobres bois invadiam as plantações e se deliciavam com os brotos adocicados da cana-de-açúcar, causando enormes prejuízos à produção do açúcar. Paulatinamente, os criadores de gado passaram a ser expulsos da faixa litorânea e foram forçados a buscar pastagens nas áreas interioranas do Nordeste. Esse processo de expulsão foi seguido de uma Carta Régia, que proibia a criação de bois a menos de 60 km das plantações de cana-de-açúcar do litoral.
As margens do rio São Francisco passaram a abrigar inúmeros currais de bois e, cada vez mais, os criadores seguiam o curso do grande rio buscando novas terras e espaços abertos para a criação de gado. Já no início do século XVIII, quando foram descobertas as grandes minas de ouro na região das Geraes, o rio São Francisco foi transformado num dos caminhos de acesso de gentes e suprimentos para os sertões. As grandes boiadas da Caatinga passaram a acompanhar as margens do rio na direção das inúmeras cidades e vilas que foram surgindo no futuro Estado de Minas Gerais, integrando cada vez mais os sertões com o litoral. O rio São Francisco assumia assim a sua grande vocação histórica.
Apesar de toda a sua importância histórica e social, o rio São Francisco é atualmente um dos rios brasileiros que mais sofrem com a destruição de matas ciliares, mineração descontrolada, assoreamento de sua calha e redução cada vez maior dos seus caudais. A grandiosa foz do rio, que marca a divisa entre os Estados de Alagoas e Sergipe, que tanto impressionou os antigos navegadores, hoje é uma sombra dos tempos passados. Os caudais médios despejados no Oceano Atlântico, que chegavam a valores próximos de 3 mil m³ por segundo no passado, atualmente chegam a cair para valores próximos a 500 m³ por segundo nos períodos de seca.
Entre outros problemas, essa redução dos caudais tem provocado uma intrusão, cada vez maior, de água salgada na calha do rio São Francisco. Em inúmeras cidades e pequenos povoados da região da foz (vide foto), as populações que sempre encontraram uma fonte confiável de abastecimento, agora só dispõe de água salobra. Mesmo em localidades onde existem sistemas de tratamento, o problema persiste – sistemas convencionais de tratamento de água não conseguem retirar o excesso de sal da água. Para obter pequenas quantidade de água fresca, os moradores precisam subir o rio de barco por dezenas de quilômetros ou percorrer longos caminhos por terra na busca das pequenas nascentes de água doce.
Um exemplo da decadência e dos grandes problemas ambientais enfrentados pelo rio São Francisco é o desparecimento do surubim, peixe que já foi abundante em suas águas e que era um dos ícones da culinária regional. Cada vez mais, os restaurantes e as populações ribeirinhas precisam recorrer ao cachara, um peixe “importado” da Bacia Amazônica, para ser usado como um genérico do surubim.
Além dos problemas na área ambiental, o rio São Francisco também enfrenta problemas sociais e, principalmente, econômicos, que afetam inclusive o enorme potencial de geração hidrelétrica do rio. Falaremos destes problemas na nossa próxima postagem.
[…] UM GRANDE RIO CHAMADO SÃO FRANCISCO […]
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[…] Em 4 de outubro de 1501, dia de homenagens a São Francisco de Assis de acordo com o calendário da Igreja Católica, os tripulantes da expedição de reconhecimento comandada por Américo Vespúcio e André Gonçalves avistou a foz de um grande rio. Conforme a nau se aproximava do local, os marinheiros perceberam que a água doce dos poderosos caudais do rio avançavam por uma longa distância mar adentro. Os expedicionários descobririam depois que os índios davam ao rio o nome de Opará, o que na língua local significa algo como “rio-mar” ou “rio grande como o mar”. Foi registrada assim a descoberta do rio São Francisco. […]
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[…] do conjunto dos rios Tocantins/Araguaia superam com folga, em tamanho e volume de água, o nosso Velho Chico. Porém, quando se fala em importância social e de integração nacional, o rio São Francisco […]
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