O CRESCIMENTO DA GERAÇÃO DE ELETRICIDADE POR FONTES EÓLICAS NO BRASIL, OU O MILAGRE DOS VENTOS

Para um cidadão médio de países da Europa ou dos Estados Unidos, Canadá e Japão, qualquer referência ao Brasil remeterá quase que automaticamente a comentários sobre carnaval, futebol ou as queimadas na Amazônia. O fato de nosso país possuir o quinto maior território do mundo, figurar entre as dez mais importantes economias do mundo e se destacar em áreas tão diversas como a agricultura e a engenharia aeroespacial, isso não terá a menor relevância nessas conversas. 

Entre os muitos “detalhes” desconhecidos dos estrangeiros existe um de importância ímpar nesses nossos tempos do “politicamente correto”: a matriz energética do Brasil é a mais limpa e renovável do mundo. Até bem pouco tempo atrás, cerca de 90% de toda a eletricidade gerada em nosso país vinha de fontes hidráulicas. Essa participação vem diminuindo gradativamente nos últimos anos devido ao crescimento significativo da geração de eletricidade a partir de outras fontes renováveis como as eólicas e fotovoltaicas. 

Nas últimas postagens falamos da ocorrência do fenômeno climático La Niña e dos problemas de falta de chuvas em algumas regiões brasileiros, principalmente em áreas do Centro-Oeste e do Sudeste. Essas regiões concentram grandes usinas hidrelétricas, que juntas respondem por cerca de 70% da geração do país. Com o baixo nível dos reservatórios, existem preocupações sobre uma possível falta de energia elétrica nos próximos meses. 

Contando com cerca de 12% de toda a água doce superficial do planeta, o Brasil pode se dar ao luxo de construir grandes complexos hidrelétricos. Além da Usina Hidrelétrica de Itaipu, construída no rio Paraná na divisa com o Paraguai, podemos destacar outros empreendimentos de grande porte como as Usinas de Belo Monte e Tucuruí, no Estado do Pará, e também a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia. 

Apesar de serem consideradas fontes de geração de energia limpa e renovável, as hidrelétricas ficam sujeitas aos humores do clima e da dependência de chuvas regulares. Qualquer evento de seca prolongada em alguma das regiões brasileiras e a consequente redução do nível dos reservatórios das usinas cria imediatamente preocupações entre as autoridades do setor. É justamente por isso que a consolidação de outras fontes de energia renováveis é tão importante. 

A produção de eletricidade a partir de geradores eólicos vem crescendo contínua e discretamente aqui no Brasil, representando atualmente mais de 10% de toda a geração elétrica do país. De acordo com informações da ABEEÓLICA – Associação Brasileira de Energia Eólica, a capacidade instalada do setor em setembro de 2020, era de 16,68 GW, com expectativa de chegar a 25,5 GW até 2024. Há época eram 653 parques eólicos e 7.920 aerogeradores em operação

Para que vocês tenham ideia real do que isso significa: a Usina Hidrelétrica de Itaipu, o maior empreendimento do tipo no Brasil e o segundo maior do mundo atrás da Usina Hidrelétrica das Três Gargantas da China, tem uma capacidade instalada de 14 GW. No atual ritmo de crescimento, bastarão pouco mais de 5 anos para que a geração eólica acrescente o potencial instalado equivalente de mais uma hidrelétrica de Itaipu à matriz energética do país. 

A história da geração eólica no Brasil tem suas raízes na grave crise energética que assolou o país entre os anos de 2001 e 2002, conhecido popularmente como “Apagão”. Naquele momento, o país enfrentou um fortíssimo ciclo de secas, que tiveram como resultado uma forte redução do nível dos reservatórios das principais usinas hidrelétricas do país. Sem contar com fontes alternativas, o país foi obrigado a enfrentar um vigoroso racionamento de energia elétrica, onde o objetivo foi uma redução de 20% no consumo de energia elétrica. 

De acordo com estimativas feias pelo TCU – Tribunal de Contas da União, o “Apagão” gerou prejuízos da ordem de RS 45,2 bilhões aos cofres públicos do país. A crise também escancarou a desorganização e a falta de planejamento do nosso setor elétrico. Para ajudar a prevenir futuras crises, o Governo Federal criou há época uma série de estímulos para o desenvolvimento de novas fontes de energia renovável no país. 

No início de 2004, a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, criou o PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica. Esse Programa contratou o equivalente a 1,4 GW de energia eólica, uma geração que há época era cerca de 5 vezes mais cara que as fontes hidrelétricas. Uma das principais exigências feitas pelo BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, para o financiamento dos projetos era um índice de nacionalização dos equipamentos da ordem de 60%

Apesar do alto custo inicial, essa medida foi fundamental para o desenvolvimento do setor no Brasil. Foram criadas várias empresas especializadas na fabricação dos aerogeradores aqui no país, o que rapidamente levou a uma grande absorção de know-how e ao barateamento sistemático dos projetos. A partir de 2013, o índice de nacionalização exigido passou de 60% para 80%. A partir de 2017, a geração eólica passou a ser mais barata que a geração hidrelétrica aqui no Brasil. 

De acordo com os especialistas do setor, o território do Brasil é um dos melhores do mundo para a instalação de parques eólicos, sobretudo na Região Nordeste. Muitos dos terrenos onde são instalados os aerogeradores pertencem a pequenos agricultores, que arrendam as áreas por prazos de até 20 anos em troca do recebimento de um aluguel. Essa nova fonte de receita tem sido fundamental para a melhoria do padrão de renda de muitas famílias nordestinas. 

Diferentemente das grandes centrais hidrelétricas do país, que ficam em regiões distantes dos grandes centros consumidores, os parques eólicos têm a vantagem de poderem ser implantados próximos de cidades, o que reduz enormemente os custos de construção de linhas de transmissão e as perdas de energia. Em 2019, o país já contava com 28,8 milhões de residências sendo abastecidas com a energia elétrica gerada por parques eólicos, especialmente na Região Nordeste. Graças a essa geração, perto de 23 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases causadores do efeito estufa, deixaram de ser lançadas na atmosfera. 

Apesar de todas as vantagens ambientais, a geração de energia eólica também tem seus problemas. Muita gente reclama da poluição visual criada pelos aerogeradores, principalmente em praias badaladas do litoral nordestino. Também existem estudos que mostram que o barulho gerado pela rotação das pás dos aerogeradores incomoda os animais da fauna silvestre e, muito pior, aves morrem ao se chocarem com esses dispositivos.  

Segundo um levantamento feito por grupos ambientalistas do Estado norte-americano da Califórnia, perto de 200 mil aves morrem em acidentes desse tipo a cada ano na região. Apesar de chocante, esse número está muito distante dos estragos causados pelos gatos domésticos, que matam cerca de 3,7 bilhões de aves nos Estados Unidos a cada ano. 

Apesar dessas polêmicas, a geração eólica tem enormes vantagens sobre as fontes hidrelétricas, a começar pela dispensa dos grandes reservatórios de água. Essas construções levam obrigatoriamente ao represamento de rios e ao alagamento de centenas de quilômetros quadrados de terras, muitas vezes cobertas por remanescentes florestais. Isso causa grandes prejuízos a atividades produtivas na agricultura e na pecuária, além de provocar o deslocamento de populações que vivem nessas áreas.  

Outra fonte de problemas das usinas hidrelétricas são as grandes linhas de transmissão de energia elétrica, muitas delas com centenas de quilômetros de comprimento, cuja construção obriga o desmatamento de extensas faixas de matas por todo o país. 

Que soprem então os bons ventos… 

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